Acompanhando a bizarra disputa de pênaltis que classificou o Grêmio contra o Atlético na quarta-feira, minha memória que não anda lá essas coisas, trás um fato recente de futebol para deficientes visuais, que assisti ao vivo dia desses durante os Jogos Paralímpicos.

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Procurei sempre ficar o mais próximo possível dos atletas, não só nessa modalidade como também na natação, basquete com cadeiras de roda, atletismo, enfim, para aprofundar a percepção dos detalhes que tornam esses atletas excepcionais em relação ao grau de dificuldade para competir.

No caso do futebol de 5, a maior dificuldade não está na condução da bola. Pelo contrário, o guiso permite o domínio absurdo de alguns jogadores – como os brasileiros Ricardinho e Jefinho, por exemplo – a ponto de a bola aparentemente colar nos pés.

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O difícil para os cegos é o passe. A noção de espaço e colocação dos companheiros é detectada pela energia do outro. O que é incrível. Às vezes, no entanto, o choque com o adversário é inevitável.

Nas cobranças de pênaltis, onde muitos jogos foram decididos, o som do toque do guia nas laterais das traves é o referencial que aguça o sentido do cobrador para acertar o gol.

Com a dimensão das traves da quadra bem menores e com o goleiro sendo o único jogador sem deficiência visual, fazer gol de pênalti não é fácil. Mas eles fazem. E fizeram muitos gols. Antes da cobrança, o deficiente visual mergulha num silêncio absoluto. Concentra. Medita. Entra em estado zen, até o chute. Seco.

Volto para Atlético e Grêmio. Foram nove pênaltis desperdiçados por atletas de corpo são e olhos de lince. Chutando contra um gol de dimensões gigantescas se comparado às traves do futebol de 5 – 7,32 m por 2,4 m, no campo, para 3 m x 2 m na quadra.

É claro que gênios da bola perderam pênaltis importantes ao longo da história – Zico, Sócrates e Platini, num mesmo jogo (Copa de 1986), Maradona, Baggio, Messi, Cristiano Ronaldo, Beckham e tantos outros. Assim como Ronaldo Fenômeno, num só jogo fez três gols de pênalti. E contra a Argentina. Porém, perder nove é demais.

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O que aconteceu em Porto Alegre, plagiando José Saramago, nos remete ao ensaio sobre a cegueira. A “treva branca” que acomete o primeiro (que erra o pênalti) vai se espalhando incontrolavelmente, e como no romance, forma uma multidão acometida de cegueira (nos pés).

Acima de tudo a cobrança de pênalti é controle emocional e concentração na forma de executar. Como os arremessos de lances livres de Hortência: pára, respira fundo e cesta. Ou, no caso dos cegos no futebol de 5, o gol.

A responsabilidade de ter os olhos quando os outros os perderam, não é apenas para quem perde pênalti, e sim para todos nós antes de pisarmos na bola.