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Do dia para a noite, Lance Armstrong, o semideus do ciclismo caiu na vala comum dos mortais, ainda que a queda tenha sido amparada da rainha da tevê norte-americana

Desde que foi anunciado que Lance Armstrong romperia o silêncio sobre sua condenação por doping à Oprah Winfrey, me programei para assistir à entrevista. Depois da sexta pergunta, desliguei a tevê. Por mais que desde o ano passado já se soubesse que Lance havia trapaceado em seus sete títulos da Volta da França, era dolorido vê-lo declarar tão secamente que, sim, usou eritropoetina (EPO), transfusões de sangue e testosterona para vencer. Não era só a confirmação da queda de um ídolo, mas também de que o ser humano ainda não ultrapassou limites que já achávamos ter superado.

A ausência de um sentimento de culpa – Lance não chorou, respondeu às como se descrevesse um objeto inanimado – surpreendeu a muitos. O choque era mais porque, a partir daquele momento, não restava mais ao público onde se amparar: era o fim da crença em uma história de superação em níveis estratosféricos. O ciclista-herói, que venceu o câncer na próstata e conquistou vitórias esplêndidas nunca existiu. A reação do público à aparente indiferença de Lance na entrevista à Oprah foi tão infantil quanto minha reação de desligar a tevê (ok, em seguida, religuei o aparelho, motivada pelo dever jornalístico ou pela curiosidade, não sei).

A entrevista do ex-ciclista nos lembrou de que atletas não são deuses, mesmo que muitas vezes assim desejemos. Não é de hoje que se sabe que atletas servem de modelo e de espelho das aspirações da humanidade. E a história de Lance era perfeita para tais pretensões. Inspirou pessoas pelo mundo todo, conquistou doações milionárias para sua instituição de combate ao câncer, a Livestrong.

Tudo ao mesmo tempo em que um arrogante Armstrong combatia e negava, com prepotência, as denúncias que surgiram nos últimos 13 anos. Ele mesmo passou a acreditar que ingressara no mundo dos semideuses, tendo o público disposto a acreditar na sua versão.

Até que não houve mais jeito: dois anos de investigação da Usada (agência norte-americana de controle ao doping, que entrevistou 62 ciclistas, onze deles colega de equipe de Lance) o derrubaram, finalmente do pedestal. O relatório final da investigação foi divulgado há três meses, mas, ainda assim era difícil acreditar.

Até que Lance decidiu falar. Escolheu fazê-lo na tevê. Do dia para a noite, o semideus do ciclismo caiu na vala comum dos mortais, ainda que a queda tenha sido amparada da rainha da tevê norte-americana. Virou motivo de repulsa, chacota. O Livestrong perdeu o "v" na brincadeira dos internautas e o que era "vida" (live) tornou-se "mentira" (lie).

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