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Ouço bastante dos técnicos e dos apaixonados pelos conceitos acadêmicos, que no futebol moderno os jogadores precisam ter várias posições e funções em campo. Concordo, mas é uma meia verdade. Millôr Fernandes já disse que o perigo da meia verdade é você dizer exatamente a metade que é mentira.

Um atleta precisa ocupar várias posições em campo, porém ele só será um grande solista, um craque, se, além de talento, participar de uma afinada orquestra e encontrar o seu lugar, o seu jeito de jogar, que é só dele. Aí ele deslancha.

Esse encaixe, como dizem os treinadores, ocorre em um tempo variável, e também não necessariamente, uma única vez na carreira. Mas parafraseando o imortal poeta Vinicius de Morais, ele tem de ser eterno enquanto dure.

Às vezes esse encontro nunca acontece, por falta de oportunidade, de apoio e de achar o seu lugar e o seu jeito. Esse é o perigo. Já imaginou se um Garrincha chegasse hoje às categorias de base de um clube e um técnico lhe dissesse: "Não existe mais ponta no futebol. Você tem de ser um atacante ou um meia direita, que defende e ataca".

Os grandes encontros acontecem por acaso, mas não se tornam espetaculares e duradouros por acaso. É preciso cuidar bem desses momentos, engrandecê-los e vivê-los com intensidade, como acontece em todas as relações afetivas.

Parreira disse que faltou química à seleção. Faltaram muitas outras coisas. Não gosto dessa palavra (química), da moda. Ela parece excluir o desejo e a fantasia.

Prefiro dizer união de afinidades técnicas, emocionais e ideológicas. Qualquer profissional, solista, além de encontrar o seu lugar, precisa ter cumplicidade com o seu trabalho, com a orquestra, como acontece com Rogério no São Paulo. Não é apenas uma relação de deveres e de direitos

Como regra – há exceções –, não são os solistas que afinam as orquestras. Essas é que dão condições para os solistas brilharem. Às vezes as duas coisas acontecem juntas, de repente, sem saber porquê.

Falo tudo isso para dizer que, após três meses, assisti à um espetáculo de futebol, mesmo sendo um amistoso, ao ver o show do Barcelona na goleada contra o Bayern de Munique por 4 a 0.

Estava com saudades do futebol eficiente, leve, de toque de bola, de dribles, tabelas, de jogadas de efeito e do supérfluo. Nada mais essencial do que o supérfluo.

São Paulo e Inter fizeram ótimas partidas pela Libertadores, melhores do que as da Copa. São duas equipes com boa técnica, mas que se destacam mais pelo entusiasmo, marcação e disciplina tática. Tudo isso é essencial, mas faltaram grandes solistas.

Ronaldinho encontrou no Barcelona as condições ideais para bilhar. Devo ter sido apressado quando escrevi antes do Mundial que ele estava no nível do Maradona, Garrincha e dos maiores craques da história. O tempo vai dizer a verdade. Mas nunca o comparei ao inigualável Pelé, como maldosamente um jornalista insinuou na televisão.

Ronaldinho, Eto'o, Deco, Xavi e Messi, que inicia sua carreira na seleção argentina, são grandes solistas de um afinada orquestra. Não sei se gosto mais de cada um ou do conjunto. Todos, e não apenas o Ronaldinho, jogam melhor no Barcelona do que em suas seleções. As razões parecem óbvias.

Não vou pela milésima vez tentar dar explicações técnicas e táticas sobre o Ronaldinho jogar melhor no Barcelona do que na seleção. Isso também não explica tudo.

Quando uma orquestra desafina, os solistas se tornam apáticos e se apagam.

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