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Quando a paixão pelo futebol ultrapassa o limite da normalidade, o resultado pode ser divertido ou bizarro. Pintar a casa na cor do time, tatuar escudos e fazer sacrifícios para assistir aos jogos são clichês de torcedores mais exaltados. Há casos, entretanto, em que a admiração não se limita apenas ao gosto pessoal e vira um legado irrecusável para outras pessoas.

Homenagens de batismo já criaram legiões de Romários, Ronaldos, Edsons, Rivelinos. Em ano de Copa do Mundo, os cartórios registram a proliferação dessa prática. E, nos casos mais graves, o orgulho fica inflamado o suficiente para despertar o inusitado.

É o caso do quase impronunciável Tospericargerja, o clássico dos clássicos em homenagem ao futebol canarinho.

Encantado com a campanha brasileira do tricampeonato mundial de 70, no México, Oder Torres não se conteve. Quis mostrar a admiração pelo esquadrão e escolheu o filho, nascido em 19 de julho de 71, em Manaus (AM), e hoje técnico em patologia, como eterno panteão desse amor verde-amarelo.

Para Torres, não bastava a homenagem a apenas um craque – até porque a equipe era uma máquina. Foram os seis principais jogadores os homenageados em apenas um nome: TOS, de Tostão; PE, de Pelé; RI, de Rivelino; CAR, de Carlos Alberto; GER, de Gérson; e JA, de Jairzinho.

"Peri’’, ‘’Tos’’, ‘’Tosperi’’, ‘’Gerja’’ foram alguns dos apelidos que o rapaz ganhou durante a vida. Conviver com a homenagem exige uma dose extra de paciência para explicar cada sílaba em todos os empregos, a cada professor e a todos os novos amigos.

A criatividade mereceu inclusão nas tradicionais listas de nomes estranhos – a mesma dos impagáveis Um Dos Três de Oliveira Quatro e Rolando Escada Abaixo. Na ordem alfabética, está entre Terebentina Terepenis e Tropicão de Almeida.

Taça humana

O fenômeno de 70 contagiou outros aficcionados. Em Maringá, pouco antes daquela Copa, Flávio Henrique Hawthorn avisou: se a criança nascesse menino, teria o nome da taça do Mundial.

Os amigos não acreditaram. Mas a promessa foi cumprida. Treze dias após o inesquecível 4 a 1 sobre a Itália, no estádio Azteca, o cartório César Hadad efetuava o registro de Jules Rimet Hawthorne.

"Meu pai sempre foi fanático por futebol e quis fazer essa homenagem. Com o tri, a taça ficou definitivamente para a seleção brasileira", afirma Jules. "É um nome bonito e pouco comum", defende o pai, que pesquisou sobre a origem do batismo do filho. "Jules Rimet assumiu a Fifa (em 1928) e criou a Copa do Mundo. Daí deram o nome dele à taça do Mundial", conta.

Jules gosta da alcunha diferente e nem liga de ter de explicar – infinitas vezes – a origem. "É gostoso conviver com esse nome. Tem relação com meu trabalho. Agora, se influenciou ou não minha profissão, só Deus sabe. A verdade é que sou muito ligado ao esporte em geral", ressalta o professor de Educação Física.

Mesmo assim, pelo menos uma vez, Jules preferia ser chamado por um nome convencional. Quando passou no vestibular, foi surpreendido ao chegar no departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e encontrar uma faixa enorme, de 10 metros, escrita: "Jules Rimet, cadê você?".

"Alguém leu na lista de aprovados e fez aquilo. Virei as costas e fui embora. Imagina se eu, calouro, iria me apresentar. Demoraram um tempão para descobrirem quem eu era", diverte-se.

Às avessas

Às vezes uma escolha cria situações impensadas. Em 1986, quando o país lamentava a despedida precoce da seleção na Copa do México, um curitibano festejava, sob os olhos marejados e incrédulos dos coleguinhas. Michel Platini de Oliveira, então com 8 anos, ignorou o patriotismo para venerar o xará francês, que comandou a desclassificação do Brasil nas quartas-de-final.

Platini fez o gol de empate (1 x 1) no jogo que transformou Zico em vilão. O Galinho de Quintino perdeu um pênalti no tempo normal. Nas decisão por penalidades, Sócrates e Júlio César, bem como o próprio Platini, desperdiçaram as cobranças, mas o placar marcou 4 a 3 para os franceses.

"Comemorei mesmo. Naquela época eu gostava mais do Platini do que da seleção", confessa o Platini brasileiro, hoje gerente de uma loja de móveis e eletrodomésticos.

O pai, Vânio de Oliveira, responsável pelo torcedor vira-casaca, estava com o coração dividido naquele Mundial. Queria a classificação nacional e os gols de Platini. Acabou meio satisfeito.

A escolha do nome ocorreu na Copa de 78. "Achava ele um ótimo jogador, muito simpático, apesar de não entender quase nada das entrevistas, e também um rapaz bonito", justifica Vânio.

Era o suficiente para batizar o filho. Para ajudar o francês marcou um gol às vésperas do nascimento do garoto, dia 7 de junho de 78, na derrota da França por 2 a 1 para a Argentina. "Aí não tive mais nenhuma dúvida", conta o pai.

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