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Uma maré vermelha tomava conta de Milão. Era 24 de maio de 2007 e a torcida do Milan ia às ruas receber o time que conquistou sua sétima Liga dos Campeões. No alto do carro de bombeiros, os jogadores pulavam, cantavam e acenavam para os tifosi. Até que o volante Gattuso levantou uma faixa, com inscrição azul e preta: "io non la vinco da 42 anni". Sim, mesmo no topo da Europa, os rossoneri reservaram um pouco de seu tempo para cutucar a Internazionale, então bicampeã italiana (mas há mais de quatro décadas sem título europeu).

Inter e Milan é o maior dérbi citadino da Itália e jamais se pode duvidar de como eles não se bicam, mas é legítimo afirmar que se trata de uma rivalidade diferente do convencional. E que cresceu muito nos últimos anos, como o episódio da faixa de Gattuso explicita.

Apesar de serem dois times com torcidas nacionais, a relação entre interistas e milanistas reflete o clima da cidade onde têm sede. Milão é mais fria, sisuda e blasé. O dérbi local segue essa tendência. Nada da paixão – e violência – de Lazio x Roma, Genoa x Sampdoria ou Catania x Palermo. Entre os milaneses, é fundamental vencer o adversário, mas sem perder a pose. Tanto que casos de brigas entre torcedores são raros para a (alta) média italiana.

A história dessa rivalidade pode soar familiar aos brasileiros. O Milan foi fundado em 1899 por ingleses e milaneses que queriam um time para disputar competições de futebol. Logo se estabeleceu como a principal força da cidade. Outras comunidades de imigrantes queriam entrar na brincadeira, mas os dirigentes milanistas vetavam a participação de estrangeiros. Descontentes com essa filosofia, 43 membros do clube saíram para fundar outra equipe em 1908. O nome escancarava o perfil multicultural: Internazionale.

No início, a rixa teve um aspecto sócio-econômico. O Milan ficou identificado com camadas mais populares da sociedade milanesa, enquanto que a Inter teve maior penetração na elite e nas outras províncias – com seguidores por todo o país, Juventus x Inter foi apelidado de "Derby d’Italia". Com o passar do tempo, essa separação não existe mais. Como até a casa ambos compartilham (o estádio Giuseppe Meazza, no bairro de San Siro), restou às equipes se medirem em campo.

Durante décadas, os clubes tiveram altos e baixos. Entre 1962 e 69, Milão conquistou quatro Copa dos Campeões (duas de cada time). Na década de 1970, a Juventus ofuscou a dupla, mas a Inter teve seus bons momentos. Nos anos 80, os milanistas deixaram os rivais para trás: conquistaram vários títulos italianos e europeus, enquanto os interistas se especializavam em gastar fortunas com jogadores medianos.

A recuperação da Inter nos últimos anos deu novo impulso à rivalidade. Os nerazzurri são tetracampeões italianos. Ainda que o primeiro título da série (conquistado no tapetão) seja polêmico, eles podem dizer que têm a hegemonia no país. Com mais um título, passam os vizinhos em títulos locais (estão empatados com 17, dez a menos que a Juventus). Os interistas não conseguem esconder, porém, que a real obsessão é a Liga dos Campeões, o que explica a tiração de sarro de Gattuso.

O Milan faz o caminho inverso: tem sete conquistas continentais, sendo duas na última década (2003 e 2007), mas já se incomodam com o domínio do rival no cenário doméstico. Até porque essa hegemonia tem servido de consolo para a falta de glórias continentais da Inter.

Desse modo, o clássico deste domingo é estrategicamente im­­portante para a relação de forças entre ambos. A Inter tem a chance de consolidar sua hegemonia local, mas uma derrota lembraria a seus torcedores que, internacionalmente, o Milan ainda manda.

Muita coisa para se colocar em jogo em apenas 90 minutos.

* Editor da revista ESPN.

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