Jogadores em crise de identidade

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Diego Costa já se decidiu. Entre o Brasil onde nasceu e a Espanha onde mudou de vida graças ao futebol, preferiu a segunda. Se estiver em campo na Copa de 2014, será pela Roja. Adnan Januzaj segue em dúvida. São seis possibilidades: a Bélgica em que nasceu; o Kosovo e a Albânia de seus pais; a Turquia dos avós; a Sérvia de onde sua família fugiu ou a Inglaterra, atual residência como jogador do Manchester United. Dependendo da escolha, poderá estrear em mundiais só daqui a cinco anos, na Rússia.

Os casos resumem uma situação comum da Copa-2014. Serão inúmeros jogadores defendendo países europeus em que não nasceram. Resultado da globalização acelerada pelas transformações no continente nas duas últimas décadas.

A origem da mobilidade está na virada entre os anos 80 e 90. O fim da Cortina de Ferro desmembrou em novas repúblicas três países da região – União Soviética, Tchecoslováquia e Iugoslávia. O último, com uma Guerra Civil que durou dez anos e criou um contingente de 2,5 milhões de refugiados, o maior deslocamento na Europa desde a Segunda Guerra.

Nessa massa de fugitivos estava a família Januzaj, de origem kosovar e albanesa, que se estabeleceu na Bélgica. Também os Behrami, Xhaka, Mehmedi, Drimic e Seferovic, fixados na Suíça, país que seus filhos defendem hoje nos gramados. Ou os Hajerovic e Bosic, emigrados para Suíça e Alemanha, respectivamente, agora com jogadores da seleção bósnia.

"O refugiado acaba tendo uma condição especial para adquirir uma nova nacionalidade. É facilitado o visto de permanência e, no caso da Iugoslávia, hoje você tem uma segunda geração que já nasceu nos países [para onde as famílias fugiram]", explica a professora e doutora em Direito Internacional Tatyana Friedrich, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Facilidade que ganhou peso maior com o Tratado de Maastricht, em vigor desde 1993. O acordo criou a União Europeia no formato atual e, entre outros benefícios, garantiu cidadania comum a qualquer cidadão de um dos países do bloco – 12 em 1993; 28 nos dias atuais. A livre circulação de pessoas – inclusive para trabalhar – serviu de base para a Lei Bosman.

A regulamentação, adotada em 1995, deu aos jogadores da UE passe livre ao fim do contrato e derrubou o limite de comunitários por time. Tudo em um momento em que o futebol passou a movimentar um volume cada vez maior de dinheiro.

"Os clubes eram fortes, mas não tinham a musculatura atual. Hoje são gigantes de alta capacidade financeira", diz o advogado Eduardo Carlezzo, especializado em transferências internacionais.

Com mais dinheiro, os clubes passaram a contratar mais. Sem barreiras para os comunitários, o foco de importação saiu da Europa. Das 11.553 transferências internacionais realizadas em 2012, por exemplo, 26% foram de brasileiros, argentinos, uruguaios e colombianos.

Um volume grande e cada vez mais precoce. Diego Costa trocou o Brasil por Portugal em 2006, com 17 anos. Chegou à Espanha na temporada seguinte. Naturalizou-se em 5 de julho deste ano, três meses e meio depois de jogar seus únicos 31 minutos pelo Brasil.

"O correto seria jogar na Espanha. Tudo o que eu sou, devo a esse país", explicou Diego Costa, em tom de gratidão.

Uma gratidão que deveria se estender à Fifa. Em 2009 a entidade estipulou a norma atual, que permite a um jogador trocar de seleção desde que não tenha disputado uma partida oficial por outra. Anteriormente, havia uma idade-limite para a escolha, 21 anos. Regra de 2005, reação da Fifa à tentativa do Catar de contratar, por US$ 1 milhão mais salários, três brasileiros: Ailton, Leandro e Dedé. A operação foi vetada e acendeu a luz vermelha na entidade, consequência provável do caso Diego Costa.

"A mudança depende de uma proposta do comitê executivo da Fifa ou de algum membro no próximo Congresso, que será no Brasil [antes da Copa]", explica o advogado. "O certo seria proibir a mudança para quem disputou torneio oficial de base ou foi chamado pela seleção principal, mesmo em amistoso. Acabou, já escolheu", sugere.

Multinacionais

Guerras, imigração ou apenas futebol… Seleções europeias virão ao Brasil com vários jogadores de outras nacionalidades.

Jogadores

Bélgica

Natural do Zaire, Benteke e sua família fugiram para a Bélgica, durante o regime ditatorial de Mobutu. Januzaj nasceu no país porque sua família emigrou para lá durante a Guerra do Kosovo.

Holanda

De Guzmán (canadense) e Bruno Martins (português) foram para a Holanda jogar futebol. Adquiriram cidadania holandesa e optaram por defender a Oranje.