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Artigo

O futuro está atrasado

Vilson Ribeiro de Andrade*

As recentes mudanças no co­­mando do futebol brasi­­leiro e a preparação do Brasil para a Copa de 2014, com todos os de­­safios pela frente, ofere­­cem uma oportunidade muito im­­portante para re­­fletirmos sobre o futuro do nosso fu­­te­­bol. As alterações neces­­sárias que poderão surgir, nos pró­­ximos anos, de modo geral, vão depender do papel que os clubes vão desem­­penhar no processo de reor­­ganização da CBF e do grau de sucesso da Co­­pa de 2014.

Nós, dirigentes de clubes, temos grande responsabilidade nesse processo. A elevação da qua­­lidade do nosso futebol, a melhoria da in­­fraestrutura nos estádios, a profissionalização das administrações, a redução da violência das torcidas organizadas, o fortalecimento das políticas de formação de atletas nas bases, entre muitas coisas que precisamos melhorar, só vão acontecer, como um todo, se houver uma mudança significativa da mentalidade da linha dirigente. Só com uma nova e apurada visão sobre nossos problemas, e buscando soluções efetivas é que poderemos, por exemplo, eliminar de vez questões crônicas como os regionalismos distorcidos, a constante si­tuação de penúria dos clubes me­­nores e a pouca presença do público, especialmente das famílias, nos estádios.

O Coritiba tem procurado contribuir com sua parte, partindo do pressuposto de que, se não arrumarmos nossa casa primeiro, não teremos moral e nem força para ajudar a construir um futebol sólido, no Brasil. Desde o rebaixamento da equipe para a Segunda Di­­vi­­são e todas as penalidades e prejuí­zos que sofremos, em dezembro de 2009, estamos buscando com muito esforço novos caminhos, para consolidar uma nova forma de ver o futebol.

Na vida, nada se constrói sem de­­terminação, honestidade, harmonia e seriedade. No caso do fu­­tebol, isto vale para os clubes e suas entidades em todas as instâncias. Para corrigir os erros do passado, temos de lutar para que esta nova mentalidade seja preponderante entre todos que acreditam que é isto realmente que mudará o futebol brasileiro. Não creio em outra solução, pensando na se­­guinte frase do estadista inglês Wins­­ton Churchill: "Os homens tropeçam por vezes na verdade, mas a maior parte torna a levantar-se e continua depressa o seu ca­­minho, como se nada tivesse acontecido."

Buscar as mudanças necessárias para o futebol brasileiro significa, em última análise, lançar os olhos sobre o que está sendo e o que poderá vir a ser a sociedade brasileira, no contexto globalizado. Assim, não podemos tropeçar nas verdades que aparecem em nossos caminhos e simplesmente prosseguir. Temos de enfrentá-las. E enfrentá-las requer sempre uma nova mentalidade.

*Vilson Ribeiro de Andrade é presidente do Conselho de Administração do Coritiba.

A Gazeta do Povo convidou o presidente do Atlético, o outro clube com participação no colégio eleitoral da CBF, mas Mario Celso Petraglia não quis se manifestar.

A primavera que se desenha pós-Ricardo Teixeira ainda está sem cor. Na sombra dos 23 anos de comando do dirigente à frente da Confederação Brasileira de Fute­­bol (CBF) ne­­nhuma liderança se criou. Articulações ainda embrionárias, a proximidade da Copa do Mundo e a própria estrutura do futebol na­­cional despertaram dúvidas proporcionais à satisfação com a saída do cartola – pela porta dos fundos e enxotado por denúncias.

No sétimo dia sem Teixeira, a Gazeta do Povo traz a discussão sobre o futuro do principal esporte do país. Acabou. E agora? Entre jogador e político, dirigente e professor, 14 pessoas foram entrevistas para traçar o cenário do futebol sem o seu mandatário das úl­­timas décadas.

A nova era – não tão nova assim – co­­me­­ça com pessimismo. "Depois de uma ditadura, vem uma primavera democrática. Mas esta é meio sem rumo, não tem um ve­­tor para saber o que vai acontecer. Há algumas articulações, mas não temos uma liderança no futebol brasileiro", opina o colunista da Gazeta do Povo, Carneiro Neto. Sua opinião concentra um receio cogente.

Entregue por força estatutária a José Ma­­ria Marín (79 anos) – desconhecido do pú­­blico até embolsar uma medalha da premiação da Copa São Paulo, em janeiro –, a presidência não exala nenhum frescor de novidade. "O presidente Ricardo Teixeira deu mo­­dernidade à CBF e muitos títulos à seleção brasileira. Como seu vice-presidente, tenho de dar continuidade", assumiu ele ao site da entidade.

"Tantos anos criaram vícios, a CBF está viciada. Se as pessoas que ainda estão dentro daquele quadro permaneceram, não acredito em mudanças", afirmou o deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR). Ele fala com a propriedade de ter acompanhado CPI CBF-Nike (2000-2001). "Foram muitos indícios e provas. Mas o relatório não foi levado em consideração na Justiça. Ele usou sua força política junto aos parlamentares para arquivar. Os mesmos receberiam financiamentos da CBF para as suas campanhas depois", lembrou o político.

"É uma estrutura de troca de favores, ma­­fiosa. As coisas funcionam por meio de conchavo. Reflete muito do que a vida da sociedade brasileira", disse o colunista da Gazeta do Povo Tostão.

Coordenador do Grupo de Estudos Fu­­te­­bol e Sociedade da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o professor Luiz Carlos Ri­­bei­­ro também vê com pouco ânimo essa transição.

"Não espero mudanças radicais. O Ri­­cardo Teixeira deixa uma estrutura montada, muitos interesses ainda arranjados. E não sei se os presidentes de clubes têm interesse em grandes mudanças. O futebol hoje é a expressão da mentalidade de muitos dirigentes", comentou Ribeiro, que desenvolve também o programa de pós-doutorado na Université de Paris 8 (França), sobre o tema "Fu­­tebol, Estado e sociedade globalizados".

Uma emancipação dos clubes surge co­­mo o segundo ato mais provável nesse roteiro teixeriano. A criação de uma liga materia­lizaria essa independência. "Se é através da li­­ga, da CBF, de uma ação entre amigos, pouco importa. O importante é que os clubes te­­nham consciência da força dessa indústria que é o futebol. Cada um pensando no seu um­­bigo não adianta, tem de pensar no coletivo. Primeiro engordar o bolo, para depois repartir. Não que vá resolver tudo. Mas a oportunidade está aí. Tem de discutir. É a situação mágica", exaltou Mauro Holz­mann, diretor executivo de comunicação e marketing do Atlético.

"Não existe modelo, existe competência. A Premier League, na Inglaterra, pertence aos clubes. A Champions League é da Uefa. É preciso criar um modelo brasileiro", defendeu.

Há ressalvas. "Liga tem de ter. Mas que não sejam mercenárias. Se os grandes clubes tiveram X e o restante muito menos, não adianta. Tem de ter fiscalização. Falar, 'ah, os clubes têm de mandar', também não é bem assim. Não dá para esquecer que o Eurico Miranda era presidente de clube [o Vasco]", alertou o colunista da Gazeta do Povo, Edson Militão, que cobra mudanças urgentes. "Ou muda agora, ou o Brasil não ganha a Copa."

Ele defende que as rédeas do futebol brasileiro deveriam ser conduzidas conforme ex­­periência de sucesso na Europa, onde ex-craques ganharam força política. Ele cita o presidente do Santos, Luiz Álvaro, e os ex-jogadores Leonardo e Raí, hoje, como os únicos com perfil, competência e credibilidade para integrar a cúpula do futebol nacional.

"Não me interessa", adiantou Raí. O ex-­jo­­gador do São Paulo, porém, diz acreditar que com fim da centralização de poder no­­vos nomes devem despontar.

Mesma opinião do ídolo coxa-branca Alex, hoje no Fenerbahçe, da Turquia. "Es­­pero que a CBF seja mais democrática, que as federações comecem a ter vida própria. Essa descentralização é superinteressante e importante para evolução do futebol brasileiro num todo. É o fim de uma era!", comemorou direto da Turquia. "Fico numa expectativa enorme para que o começo dessa nova [era] seja transparente e com um processo de evolução gradativo para a melhora em todos os conceitos que exige o futebol".

Paulo André, zagueiro do Corinthians, defende mais cargos técnicos do que políticos dentro das federações e confederações. "In­­felizmente, pela formação educacional dos atletas, poucos conseguem chegar a esses postos", comentou o jogador, que tem o sonho de se preparar melhor fora de campo. "Adoro a política do esporte e a formação de atletas".

Um caso raro. "O jogador não gosta do la­­do político do esporte e a origem humilde também dificulta o envolvimento. Isso é ruim, porque o jogador fica sem voz. Gos­­ta­ria que surgisse uma oposição nesse mo­­­mento, que discutisse novas ideias. Mu­­dando até a composição do campeonato. Não é possível mais marcar jogo para as 22 horas, para acabar meia-noite e o torcedor ter de trabalhar cedo no dia seguinte", criticou Tcheco, meia do Coritiba feliz com a saída do "líder" que nunca viu. "Nem eu nem 95% dos jogadores brasileiros. Já foi tarde", festejou.

O sentimento é comum. Teixeira já cambaleava em um mandato tão longo – tanto que uma reforma estatutária nesse quesito foi amplamente citada pelos entrevistados. Mas o golpe final na sua trajetória veio logo do que ele ambicionava ser o seu auge. A Copa do Mundo seria o palanque para chegar à presidência da Fifa. A organização do Mundial, porém, jogou luz sobre a sua in­­com­petência.

"Como assim, não tem nenhum estádio no Brasil apto para a Copa?", questionou Paulo Vinícius Coelho colunista da Folha de S. Paulo e comentarista da ESPN. Ele vê uma concentração de poder agora em São Paulo, polarizada entre Andrés Sanches, ex-presidente do Corinthians e coordenador de seleções da CBF, e Marco Polo del Nero, à frente das federações – que também estão divididas. Há um grupo denominado G7, que já se articula nos bastidores. Entre eles, estão as federações de Bahia, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná. Pro­­curado, Hélio Cury, não quis se manifestar. Mesmo caso de Ricardinho, técnico do Pa­­ra­­ná Clube.

"Antes da Copa houve uma união geral para conseguir o Mundial, depois, não havia mais por que andar de mãos dadas com o Ricardo Teixeira e foi acabando toda a sua força política. Culminando com a insatisfação da presidenta Dilma [Rousseff]. O excesso de exposição fez ele perder o que mais queria", analisou o deputado Dr. Rosinha. "Ninguém quer mais ver suas marcas negociadas por alguém suspeito", reforça o colunista Aírton Cordeiro, sobre um dos maiores trunfos do cartola.

A renúncia estratégica ocorre em um momento de novas denúncias contra Tei­­xeira. Um sumiço providencial. "Ele fugiu", resumiu Tostão.

Se não inibe a investigação, a saída reduz a visibilidade e, com menos cobrança, a possibilidade da impunidade seria maior. "São muitas denúncias, também em nível internacional. Não sei se ele escapa. Mas podem dei­­xá-lo de lado. Não vão bater em cachorro mor­­to, ir atrás do espólio Ricardo Teixeira", encerrou o professor Luiz Carlos Ribeiro.

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Fontes da reportagem: Carneiro Neto (jornalista), Dr. Rosinha (deputado), Tostão (colunista), Luiz Carlos Ribeiro (professor), Mauro Holzmann (dirigente), Edson Militão (jornalista), Raí (ex-jogador), Alex (jogador do Fenerbahçe), Paulo André (jogador do Corinthians), Tcheco (jogador do Coritiba), Airton Cordeiro (colunista e radialista), Levir Culpi (técnico), Erich Beting (jornalista), Paulo Vinícius Coelho (jornalista).

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