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João Paulo Medina, diretor executivo do Coritiba, admite que seu salário é caro para a realidade do futebol brasileiro, mas promete dar resultados à altura ao clube | Lucas Pontes/Gazeta do Povo
João Paulo Medina, diretor executivo do Coritiba, admite que seu salário é caro para a realidade do futebol brasileiro, mas promete dar resultados à altura ao clube| Foto: Lucas Pontes/Gazeta do Povo

A sala de João Paulo Medina resume o estágio atual do trabalho do diretor executivo do Coritiba.

A parede lisa, na casca, indica o longo caminho de reconstrução. No centro da mesa estão relatórios técnicos da Dallas Cup e da Copa Gradisca, torneios de base, além de uma planta do alojamento do clube. É com os garotos que Medina espera pavimentar o futuro do futebol coxa-branca, enquanto o técnico Marquinhos Santos e o gerente André Mazzuco cuidam do presente.

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Medina gostaria de ter mais um nome de peso nesse time: Alex, que estampa um calendário quase caindo da mesa. Foi o ex-jogador quem o apresentou, em 2014, a Ricardo Guerra, hoje vice-presidente, para formatar um projeto para o Coritiba. Medina é o ponto fora da curva de uma política que já derrubou de R$ 7 milhões para R$ 3 milhões a folha salarial.

"A economia de um mês paga o meu salário por três anos", compara, com a promessa de devolver com sobra cada centavo que receber.

Foi assim no Inter, onde trabalhou entre 2000 e 2001. O clube não conquistou títulos, mas construiu a estrutura que formaria Daniel Carvalho, Nilmar, Rafael Sóbis e Pato. Por isso, Medina sabe que o time que verá em campo hoje, em Rolândia, é só o embrião de um trabalho que talvez só dê fruto com ele longe do Couto.

Seu último trabalho em um grande clube foi no Internacional, entre 2000 e 2001. Quanto o futebol mudou nesta década e meia?Embora não estivesse dentro de clube, não estava fora do futebol nem do mercado. Não era minha intenção voltar para o futebol de clube pelos problemas de gestão que os clubes enfrentam hoje. Os dirigentes estatutários têm perfil diferente do empresarial. É uma cultura que incomoda e atrapalha a profissionalização do futebol brasileiro, a cobrança de curto prazo. Às vezes entra uma gestão bem intencionada, como é o caso do Coritiba, mas o desafio continua. Vem uma proposta de gestão mais saudável, que implica em cortes na carne. Esse jogo não é fácil ganhar. O resultado não vem, o dirigente se desespera, faz loucuras e fica um círculo vicioso.

O imediatismo interrompeu sua passagem no Inter, mas os resultados do trabalho apareceram a depois.Havia o discurso geral de que a Lei Pelé acabaria com o trabalho de base e o grande acerto estratégico foi ir na contramão daquele pensamento. A folha era inadministrável e a gente dispensou jogadores que não poderíamos pagar. Foi exatamente nessa linha que aceitei o desafio no Coritiba, mesmo sabendo que nem todas as medidas serão compreendidas no primeiro momento, mas têm de ser tomadas. O orçamento de dezembro para cá já caiu pela metade. Se com o que tínhamos, quase caiu no Brasileiro, como fazer melhor com a metade? É aí que entra o projeto técnico desportivo. É preciso ter o mínimo de erros. Montar o elenco com cuidado, buscar um perfil de jogador que, embora com remuneração menor, tenha brilho nos olhos. Queira ganhar, crescer com o projeto. Essa é a proposta inicial. Formamos rapidamente uma equipe com esse perfil sob o comando do Marquinhos e do Mazzuco, para me liberar para implementar questões mais estratégicas: revelar o DNA do jogador do Coritiba, trabalhar de forma coesa em todas as categorias, dar oportunidade para o menino jogar.

O que mais chamou sua atenção no primeiro contato com a realidade do Coritiba, ano passado?Como consultor a gente tem informações mais frias de mercado, de gestão, de ver jogos. Agora estou tendo contato com a cultura do clube e nota-se que existe um vácuo de proposta técnica de trabalho. Meu papel é implantar um novo processo que dê confiança às pessoas e, fundamentalmente, fazer que acreditem que o Coritiba pode se tornar uma equipe modelo nos próximos anos. Vi um clube que está precisando de uma sacudida, um novo ânimo.

A realidade é mais dura que o cenário visto a distância?Acentuou bastante. A dívida na minha apresentação foi anunciada em R$ 204 milhões e agora está chegando a R$ 220 milhões, com coisas ainda sendo diagnosticadas. Não tem dinheiro pra nada. Essa é a realidade.

Ainda vai aparecer mais coisas?Não grandes coisas, mas estão aparecendo algumas que não estão registradas. Isso é o pior.

Por exemplo?Cobranças que estavam fora da análise que a gente tinha feito. Não é nenhuma surpresa, só não sabíamos o tamanho. Em função dessa falta total de recursos, é acreditar no nosso potencial e ter o torcedor como alguém que fiscalize o nosso trabalho, mas também apoie e entenda que o momento é difícil. A gente não vai conseguir transformar o Coritiba da noite pro dia. Vai levar algum tempo e nessa perspectiva que a gente precisa da compreensão do coxa-branca autêntico.

O Coritiba terá uma folha de Chapecoense, Joinville. Como lidar com esse número?Vamos ter de trabalhar também para reverter esse quadro. Formaremos uma equipe com menos de R$ 3 milhões por mês, metade do que tinha. Ano passado, três que gastaram abaixo de R$ 5 milhões por mês caíram. Não sou daqueles que acham que você é campeão ou rebaixado pelo orçamento, tese praticada no mercado muito por falta de projeto técnico. Se tem um projeto técnico, consegue fazer muito mais com muito menos.

O Coritiba jogará o desde o início do Paranaense com o time principal. Chegou a ser cogitado repetir a estratégia do Atlético de jogar o torneio inteiro com o sub-23?O Atlético tem sua estratégia e não posso condenar porque está tomando uma atitude corajosa. De forma sistêmica, isso atrapalha o Estadual por um clube do porte do Atlético não jogar com força máxima. O Coritiba eu penso um pouco diferente. Estamos formando uma nova equipe e o Estadual é a oportunidade para dar forma a esse time. Com novo espírito, novo modelo de jogo, facilita já começar jogando. Outra vantagem é ter uma pré-temporada decente.

Convencer um dirigente eleito de que a melhor solução seja copiar o rival é um tabu difícil de quebrar?Uma das atitudes saudáveis que essa nova diretoria tem assumido é dialogar com o Atlético em busca de soluções que favoreçam os dois clubes, também o Paraná. A animosidade, a paixão, isso fica com o torcedor. O dirigente não pode vestir camisa de torcedor na hora de tratar questão estratégica, do futuro do futebol. Um futebol forte beneficia todos os clubes. Não é discurso, até porque não é um discurso simpático.

Qual o tamanho da importância do Alex na sua decisão de aceitar o convite do Coritiba?Foi fundamental. Ele fez o primeiro contato comigo, já havíamos nos aproximado por causa do Bom Senso. Todos sabem do carinho que o Alex tem pelo Coritiba. É invejável, pois poucos clubes têm um ídolo do tamanho do Alex tão próximo e participativo na vida do clube. Gostaria de vê-lo bem mais perto do que está.

Foi conversado sobre ele assumir um cargo no clube?Foi. Ele está numa fase de transição que é difícil, entendo que esteja ainda com a poeira abaixando e não quero ser um fator de fazer com que demore. Daqui a pouco vamos voltar a conversar e ele tem muito a contribuir. Essa direção tem o compromisso de fazer uma despedida à altura do nome do Alex. Eu, particularmente, gostaria de ter muito mais do Alex. Tenho convicção de que pode contribuir muito para ter o Coritiba como modelo de gestão. Não vejo esse projeto sem a figura do Alex.

Como jogadores e empresários têm recebido a política do clube de contratos por produtividade?Quem pilota isso na parte operacional é o Mazzuco. É uma coisa nova, alguns se assustam, mas a nossa possibilidade de trazer jogador é dessa forma. Não poderíamos concorrer com essa loucura do mercado. Dependendo de como a equipe vai se comportar, pode pontualmente trazer alguns reforços para encarar o Brasileiro em melhores condições. Essa política, embora acertada, não é o principal. O jogador que nos interessa não está pensando em dinheiro. O perfil que temos escolhido aposta em um projeto diferenciado, isso faz brilhar os olhos, não a remuneração por produtividade. O Coritiba tem sido alvo de jogador que vê o clube como uma passagem e chega pensando na questão financeira. Esse não interessa para o Coritiba nesse momento. Pode até ser melhor tecnicamente, aceitar um valor fixo mais barato, mas não está compromissado com o Coritiba. Através da nossa vitrine, ele quer ganhar dinheiro em outro lugar.

O sr. também se enquadrou no modelo de produtividade?Não. Minha proposta é um valor fixo, caro para a atual realidade do futebol brasileiro. Não vou esconder isso. Quero justificar cada centavo que vão me pagar. A própria diminuição pela metade do orçamento em um mês paga meu salário por três anos. Na medida que aquilo que eu ganho é justificado e recompensado com mais recursos, é um investimento inteligente que o clube fez. E não aceitei pelo salário. O que me motivou foi a possibilidade de fazer algo diferente no futebol brasileiro. Só vim por essa razão. Deixei meus compromissos de lado e tinha de ser valor que compensasse.

Deixou a Universidade do Futebol e as consultorias de lado?Não poderia ser diferente. O Coritiba exige 24 horas por dia, sonho e pesadelo fazendo parte do meu trabalho. A Universidade do Futebol é uma estrutura construída ao longo de 11 anos que talvez tenha me preparado melhor do quando assumi o Inter. Aquela base da universidade vai servir de ponto de apoio para decisões estratégicas. Estou afastado de outras funções enquanto estiver no Coritiba.

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