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Aos 76 anos, é difícil Djalma Santos ver algo que ainda lhe surpreenda. Só no futebol, foram 22 anos de carreira, nos quais o lendário jogador colecionou títulos, viagens e experiências das mais diversas. Participou de quatro Copas do Mundo, conquistou duas vezes o título mundial pela seleção brasileira (58 e 62), vestiu a amarelinha 98 vezes, faz parte da lista dos 100 maiores esportistas do século passado...

Mas ao caminhar pelo gramado da Arena, o maior lateral-direito de todos os tempos congelou o olhar ao se deparar com o banco de reservas do estádio. Depois de sentar na confortável poltrona, estofada e anatômica, Djalma explicou o motivo da surpresa: "Na minha época era um banco de madeira sem encosto e proteção nenhuma. Ficava todo mundo sentado ali e a torcida logo atrás, gritando".

O passar do tempo também fez o craque mudar de profissão: hoje ele ocupa um cargo de confiança na Secretaria Estadual de Esportes e Desenvolvimento de Minas Gerais. Mas na sexta-feira, por cerca de 30 minutos, o trabalho social com cerca de 4,5 mil crianças deu lugar à virada dos anos 60 para os 70 na cabeça do ex-jogador.

Na visita à Arena, lembrou de seus tempos de Furacão, da velha Baixada e até do pequeno apartamento que ocupou por pouco mais de dois anos na Rua Dr. Faivre, em Curitiba, bem perto da Universidade Federal do Paraná, entre 1968 e 71.

"Era tudo muito diferente. Aqui (na Arena) era um campinho mixuruca. Mas jogávamos em outros ainda piores. Em Bandeirantes, Paranaguá. Tudo sem nenhuma segurança. Só que havia uma diferença: naquela época as pessoas tinham respeito. Nunca tivemos problemas", lembra.

Djalma Santos encerrou a carreira atuando no Atlético quando tinha 41 anos. Hoje em dia, pode parecer algo impossível, mas na época a longa vida futebolística do atleta não causou sequer estranheza. Afinal, foi o camisa 2 que mudou o conceito de sua posição. Com um preparo físico invejável, depois dele os laterais de todo o mundo também resolveram arriscar ultrapassar a linha do meio-de-campo para auxiliar o ataque. É do ex-jogador também a idéia de bater o lateral como se fosse um escanteio, atirando a bola dentro da área – jogada hoje usada por Marcão, por exemplo.

Feitos tão importantes que qualquer desavisado, ao ver Djalma hoje, com a mesma alegria e humildade de outrora, poderia até duvidar que isso tudo tenha sido obra desse senhor moreno, pequenino e com parte dos cabelos já grisalhos. "Mas foi. É bom deixarmos alguma coisa para ser copiada, né?", comenta, sempre rindo.

Embora a passagem pelo Rubro-Negro tenha sido curta (antes o jogador atuou dez anos pela Portuguesa e dez pelo Palmeiras), os bons momentos no Paraná são refrescados por um álbum de recortes, um documento fiel de toda sua trajetória no Joaquim Américo. Com a pasta na mão, o lateral relembra tudo e todos, colegas ou adversários. Lá estão Bellini (companheiro de seleção e do prédio na Dr. Faivre), Nílson Borges, Sicupira, Canhoteiro, Del Vecchio.

As fotos trazem à memória até as artimanhas que aprendeu a usar para driblar a idade. "Naquela época eu jogava mais no papo. Chamava o ponta-esquerda e dizia: deixa disso, pra que correr tanto?", conta. Mas quando não tinha jeito, conversava com o Júlio num canto e trocava de posição, indo jogar na esquerda.

E pensar que Djalma Santos quase não veio para a capital paranaense. "Quando o Jofre Cabral (presidente do Atlético na época) me convidou, eu fiquei cabreiro. Não sabia nada daqui. Mas depois vi que o pessoal tinha muita força de vontade. Não me surpreende o clube ter chegado aonde chegou."

Com tanta história, o Atlético ocupa um espaço especial no coração do ex-craque. No ranking de recordações pessoais, Djalma Santos destaca as mais emocionantes: os dois títulos mundias pelo Brasil e a sua despedida do futebol, dia 21 de janeiro de 1971, contra o Grêmio, com a camisa rubro-negra.

Nessa hora, o historiador Heriberto Machado, que acompanhou a visita ao lado do presidente João Augusto Fleury da Rocha, não conteve o comentário: "Naquele dia você só não fez chover. Pois até o transformador do estádio queimou de tantos dribles que você deu ponta do Grêmio".

Djalma ri. Pelo problema técnico, a partida não acabou.

Embora ele tente negar, os dribles não cessaram naquela distante partida. Ainda continuam, só que agora para um público menor, em Uberaba, onde mora com a mulher. Todo domingo o lateral salta da cama às 8 horas e vai bater uma bolinha com os amigos.

A humildade continua: "Agora eu jogo mais na defesa. Sou aquele zagueiro bananeira. Fico plantado gritando para o pessoal: vamos, vamos!"

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