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Otacílio Sacerdote Filho, 39 anos, desafiou o establishment da Federação Paranaense de Futebol (FPF). Ao encabeçar as investigações sobre o suposto mensalão do apito, esse promotor de justiça – advogado desde 1988, pela Faculdade de Direito Curitiba – não fez nenhuma média com os cartolas. Durante 30 dias conduziu uma apuração que derrubou a Comissão de Arbitragem, colocou todos os juízes do estado na "geladeira" da Série Prata e atingiu em cheio o diretor-administrativo da entidade José Johelson Pissaia – simplesmente o braço direito de Onaireves Moura (presidente da FPF desde 1985).

Na sexta-feira, após concluir a apuração, Sacerdote Filho recebeu a reportagem da Gazeta do Povo no Fórum de Campina Grande do Sul (25 km de Curitiba), onde representa o Ministério Público. Não escondeu o orgulho de ter obtido sucesso na apuração daquilo que qualifica de "máfia". A euforia pode ser entendida quando ele se abre sobre esporte. Torcedor do Atlético, revela ser até hoje um freqüentador das arquibancada e alguém que repudia histórias sobre manipulação de resultados. "É algo triste", define.

Gazeta do Povo – Qual o balanço que o sr. faz da investigação?Otacílio Sacerdote Filho – No início, eu achava que não iríamos encontrar nomes. Os comentários de que ocorriam coisas erradas na arbitragem eram grandes, mas nada chegava no papel. Todo mundo tinha medo. Eu tinha 30 dias para investigar e – confesso – duvidava que algo fosse acontecer. Não posso quebrar os sigilos bancário e telefônico de ninguém. Como iria provar algo?

E quando ocorreu a virada?Justamente na hora em que cogitamos levar os fatos à Promotoria de Investigação Criminal (PIC). Neste momento, tivemos o apoio decisivo da imprensa, dizendo onde deveríamos olhar. Começamos a checar as denúncias e a história culminou com a entrevista do Evandro Rogério Roman à Gazeta do Povo. Ele se dispôs a entregar os corruptos. Ali foi desmontado o esquema. Aliás, ficou faltando um nome: o Bruxo.

Mas não há mais essa dúvida, não?A coisa era acertada dentro da Federação pela Comissão de Arbitragem e pelo diretor-administrativo (José Johelson Pissaia). Eles acertavam com os árbitros que faziam parte do grupo e definiam: "Você vai para tal jogo e esse vai para aquele..."

O que lhe dá a certeza disso?Informações que chegaram ao TJD e as declarações do árbitro José Francisco de Oliveira, o Cidão.

Ele não pode estar mentindo?Corre-se esse risco. Mas na entrevista que ele deu à rádio CBN só citou o nome do Johelson. O depoimento dele tem um valor relativo, pois se trata de alguém que não nega ter participado no esquema. É o caso do Roberto Jefferson. Acabou cassado, mas desmantelou um esquema sem apresentar provas.

Então como funcionava o mensalão do apito?Era feito um caixa e quando chegava no fim do mês, ou a cada 15 dias, eles dividiam entre eles o montante obtido. Uma pessoa só ficava encarregada pela arrecadação e depois repartia com os outros participantes.

Todo esse roteiro também não pode ser provado?Você dificilmente vai encontrar uma prova material desse tipo de delito. O que vale é o testemunho. Várias pessoas dizem a mesma coisa, há indícios de verdade.

É possível dar algum exemplo?Uma situação que foi levantada pelo presidente do Engenheiro Beltrão, Luiz Linhares. Ele solicitou que observássemos a escala de arbitragem da Série Ouro. Pois bem, o Carlos Jack Rodrigues Magno apitou os dois jogos entre Paraná e Coritiba no Estadual. Depois voltou a mediar o confronto entre essas duas equipes no Brasileiro. Trata-se, sem dúvida, de alguém com muita sorte no sorteio. O Paraná, que perdeu todas essas partidas, é muito azarado ou o Coritiba tem sido sortudo (risos).

Há outras coincidências desse tipo?Tem o caso do Sandro César da Rocha. Este apitou quatro jogos na Série Ouro, três deles da Adap. São coisas suspeitas.

Entre as histórias de corrupção, alguma lhe chamou a atenção?O jogo do Foz contra o Império, na Série Prata de 2004. O Cigano, dirigente do Foz, assume que entregou dinheiro dentro de um frasco de perfume para o Cidão (o juiz da partida), mas no final do jogo o seu clube perdeu por 1 a 0 com um pênalti inexistente. Deu e não levou. Ele alega, em documento enviado à Federeção justamente isso: "Paguei e não fui beneficiado."

Qual seria a responsabilidade de Onaireves Moura, presidente da FPF?Ele sempre colaborou conosco. Pediu ao Tribunal para tomar providências logo que as denúncias foram feitas. Jamais se negou a passar informações. Mas o grande favor foi afastar, mesmo diante das críticas, todos os árbitros do quadro estadual. Vieram juízes de Santa Catarina e isso gerou uma revolta na classe. Os honestos resolveram falar. Foi aí que o Evandro Rogério Roman decidiu dar nomes.

O que mais lhe chamou atenção no depoimento do Roman?Ele estava preocupado, pois havia recebido ligações suspeitas. Estava com receio que algo de mau fosse acontecer. As pessoas denunciadas sabiam de antemão o que seria revelado. Criou-se uma situação delicada. Mas ele teve coragem.

Quantas pessoas devem ser indiciadas?Entre dez e 12.

O que pode acontecer com elas?Tirando o Silvio Gubert (diretor do Operário que confessou em entrevista à ESPN Brasil ter pago propina), que deve pegar uma suspensão de dois a quatro anos, todos os outros estão sujeitos à pena de eliminação do futebol.

Com relação aos clubes...No Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) nenhum artigo prevê a inclusão das associações neste tipo de caso. Pode ter algo na Lei Pelé, ou outro diploma legal, mas apenas depois de analisado pela Justiça Comum.

Os dirigentes das equipes alegam que sofriam extorsão...Eles não são vítimas, pois ao aceitar faziam parte do esquema. Por que não mostrar a coragem em denunciar? Era preciso chamar a imprensa, gravar essa atitude ilícita e pôr fim à máfia.

Após essa apuração, há como virar pizza?Estamos indiciando 11 pessoas. Muita coisa ainda está por vir. Tenho certeza de que daqui pra frente o futebol paranaense não será mais o mesmo.

Qual será o próximo passo do TJD?O fato de alguém ter sido indiciado não quer dizer que seja culpado. Vai depender do julgamento, quando há ampla defesa e o contraditório. Acredito que na primeira ou segunda semana de outubro será marcado o julgamento dos indicados no meu relatório.

Se confirmado tudo o que o senhor falou, como ficam os campeonatos? Pode haver anulação?A Sério Ouro deste ano, por exemplo, já foi homologada. Com isso, ela é dada como perfeita. Não há forma legal de retroagir para prejudicar alguém.

Em relação à Justiça Comum, o que será feito?Há sinais dos seguintes delitos: formação de quadrilha, estelionato, extorsão, apropriação indébita. Neste último, com relação ao Sílvio Gubert, do Operário. Este, na gravação da ESPN Brasil, mostra uma renda de R$ 25 mil e declara R$ 23 mil. Ele se apropriou de R$ 2 mil. Se deu para alguém, precisa se explicar. Além disso, essa quantia extraviada não foi recolhida pelo INSS, configurando crime de sonegação fiscal. Só isso daria para a Justiça Comum investigar.

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