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Faichecleres: banda agora conta com um novo baixista, Ricardo Junior (primeiro à direita). | Divulgação
Faichecleres: banda agora conta com um novo baixista, Ricardo Junior (primeiro à direita).| Foto: Divulgação

René Simões não é um técnico qualquer. Se o Coritiba terá sucesso com ele, só o tempo dirá. Mas os métodos de Simões certamente ficarão na memória de cada atleta do Coxa.

Já na primeira semana, o técnico mostrou um pouco ao publicar uma carta aberta à torcida. Em um dos trechos, pediu: "Permitam-me a ousadia de escrever esta carta, mas é preciso fazer diferente". E ele fez.

Na quarta-feira, levou cerca de 80 crianças ao treino, para criar um novo astral. Exemplo da rotina nada ortodoxa do treinador que tem como pontos altos de sua carreira a classificação da Jamaica para a Copa do Mundo de 1998 e a medalha de prata com a seleção brasileira feminina de futebol na Olimpíada de Atenas, em 2004. A essência deste método é detalhada no livro O dia em que as mulheres viraram a cabeça dos homens, de autoria própria.

Atividades motivacionais serão habituais no Alto da Glória. Com um discurso recheado de citações, René Simões (pronuncia-se "Renê", mas o acento agudo é grafia francesa) garante: "Eu falo a língua do boleiro".

Ele justifica a verborragia tendo como foco o público a quem se dirige. "Quando falo com o jornalista, falo com a massa, de classe A a E. Não posso ser vulgar ou presunçoso", diz o técnico.

O desafio de devolver o Coritiba à Série A é comparável à odisséia olímpica. René praticamente adotou as meninas da seleção, e agora, tentará fazer o mesmo com os guris do Coxa. Quer dizer, quase o mesmo.

"Os princípios básicos da liderança, disciplina, relacionamento, tanto faz homem ou mulher, são inalteráveis. Mas não vou dar rosas para um homem", relembra a passagem em que foi apresentado à seleção no projeto "Alquimia Olímpica: transformando sonhos em ouro", Simões levou as meninas do Brasil à prata. Faltou pouco, mas o principal, o orgulho, foi conquistado.

No caso do Alviverde, um quarto lugar já basta. René, que ainda não nomeou o projeto do Coxa, gosta de uma parábola. Diz que uma vaca e uma galinha passeavam por uma comunidade carente, com adultos e crianças passando fome. E resolveram ajudar. A vaca deu sua carne; a galinha, os ovos. Para René, que trocou "vaca" por "boi" ao contar a fábula ao elenco do Coritiba, a moral é a disposição que cada um tem para resolver os problemas. A vaca se entregou de corpo e alma; a galinha, em partes.

No Coxa, René afirma: "Eu sou boi. Por enquanto, acho que a maioria aqui é boi, mas é muito cedo ainda".

O técnico não acredita que tanta informação possa dar um nó na cabeça dos jogadores. Na verdade, ao estimular leitura, contar histórias e promover atividades psicológicas, a idéia do treinador é outra. "Eu acho que o jogador tem que pensar no futebol. Jogar é fácil, saber jogar é diferente", diz.

Na seleção feminina, criou a "Escolhinha do Simões", na qual ficava 15 minutos antes dos treinos conversando com as jogadoras. A cada uma, deu uma bola de tênis, que simbolizava o sonho do ouro olímpico e deveria acompanhá-las em todos os lugares. Quando três jogadoras – Renata Dinz, Pretinha e Maravilha – se descuidaram, René fez um julgamento com toda a comissão técnica e o restante do elenco para definir qual o castigo. Era para valorizar as metas traçadas no projeto.

Com tanto discurso motivacional, René levanta uma dúvida: é um técnico que entende de tática? "Sou muito bom nisso. Eu não paro. Sou tarado por treinamento. Meu time trabalha muito. Essa parte de motivação, se não houver treino, não adianta nada", afirma.

"Se você observar, estamos usando o 3–4–3. Mas tem que ter o extra e o básico; o básico é o talento. O Marlos por exemplo, cria muito, mas marca pouco. Para fazer o extra com o Marlos, ele tem que marcar", explica com o conceito de futebol total.

O técnico garante que tem como característica ser destemido nas mudanças em campo. "Eu acho que você tem de fazer diferente e não ter medo. Eu pago o preço. A diferença do vencedor e do perdedor é que o perdedor não toma decisões, não assume riscos. Eu não tenho medo", disse.

Só que arriscar, por mais que seja necessário, não será fácil no Coxa. A torcida está sem paciência; os jogadores, pressionados; o presidente, acuado e em ritmo de fim de gestão. Mas Simões garante que sabe onde está pisando. "O Coritiba vive um momento delicado. Se estivesse na Primeira Divisão, estaria faturando R$ 13 milhões. Se ficar na B, cai para zero. E esse é um ano eleitoral no clube, o que deixa a coisa mais complicada ainda", conta, emendando com outro fator de pressão logo identificado na opinião dele: "Você tem dois clubes na Primeira Divisão e o clube de maior expressão, na Segunda. Então você tem que se equilibrar".

René, que já não anda mais de carona em Curitiba, já que comprou uma caminhonete por indicação de João Carlos Vialle, garante que é essa a única influência da direção que admite no trabalho. "Se você não tiver respaldo, não é possível", conta. No livro, ele relata uma experiência na Seleção Sub-23 que disputou o Torneio de Toulon em 1987. Na época, foi obrigado a submeter a lista ao então presidente da CBF, Nabi Abi Chedid. Chegou a pensar em largar o trabalho, mas não recebeu nenhuma ordem para convocar ou desconvocar alguém, e sim uma lição: Chedid queria apenas que ele repensasse a lista, para estar certo da convocação, que foi mantida como Simões queria.

René faz mesmo o estilo paizão. Libera os atletas para tomar uma cerveja, por exemplo. Mas... "Tudo tem seu tempo, tudo tem seu lugar. Diversão deve existir, com bom senso". A estréia oficial foi sexta-feira: 2 a 1 sobre o Brasiliense. Mas o resultado em si, pouco importa nesse momento para o Freud coxa-branca. Ele quer caminhar um passo de cada vez: "Todo dia você escreve uma página da sua vida".

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