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 | Marcelo Elias/ Gazeta do Povo, Roberto Custódio/ Gazeta do Povo, Albari Rosa/ Gazeta do Povo, Ruben
| Foto: Marcelo Elias/ Gazeta do Povo, Roberto Custódio/ Gazeta do Povo, Albari Rosa/ Gazeta do Povo, Ruben

Atletas paranaenses olímpicos:

1. Camila Comin (ginástica artística),

2. Luciano Pagliarini (ciclismo),

3. Edson Luciano (atletismo), 4. Léo (handebol), 5. Ricardinho (vôlei),

6. Rodrigo Bastos (tiro esportivo),

7. Rogério Romero (natação),

8. Rolando (basquete), 9. Simone Jatobá (futebol) e 10. Vanderlei Cordeiro (atletismo).

Entrevista

Kátia Rubio, psicóloga esportiva e coordenadora do projeto memória olímpica por atletas olímpicos brasileiros.

Como surgiu o projeto da memória olímpica pelos atletas olímpicos?

Ele é decorrência de estudos anteriores. Comecei, em 2002, entrevistando os medalhistas. Fiquei muito intrigada com o fato de as mulheres [brasileiras] estarem nos Jogos desde 1932 e só vencerem em 1996 [com a dupla de vôlei de praia Jaqueline e Sandra], fato que gerou um novo projeto. Então vi que teríamos muitas boas histórias a serem ouvidas também por quem perdeu.

O que as histórias dos atletas lhe trazem que um levantamento estatístico não conta?

Observamos uma amplidão de temas relevantes que não enxergávamos antes: racismo, questões de gênero, iniciação esportiva, o papel dos iniciadores, a relação do esporte olímpico com as Forças Armadas, a interferência institucional, seja de clubes, federações, confederações. Tem também a distância que separa os atletas de grandes centros urbanos dos periféricos, por exemplo. Tente entender como um cara como o Joaquim Cruz [ouro em Los Angeles-1984], que saiu do Piauí com a família em pau de arara, consegue tudo que conseguiu...

Fala-se da dificuldade do desenvolvimento esportivo nos estados afastados do eixo Rio-São Paulo. Mas o Paraná está colado a esse eixo e não consegue manter seus talentos. A proximidade atrapalha?

Muito. Fica evidente a falta de opção dos atletas e uma falta de interesse em massificar o esporte por todo o país. O voleibol mostra bem esse sistema excludente de Rio e São Paulo. Por questões financeiras, mantém uma liga nacional com apenas 20 times, por apenas alguns meses porque a prioridade é ceder 12 jogadores para a seleção o restante do ano. Enquanto isso, o clube paga salário para os atletas jogarem apenas seis meses. Os times fora do eixo sofrem mais ainda.

Sempre se reclamou que o problema do esporte nacional era falta de dinheiro. Agora, tem-se a verba, mas o esporte ainda sofre. O que falta?

O problema é político e institucional, não econômico. A saída é mudar as confederações, o COB [Comitê Olímpico Brasileiro].

Qual a diferença entre um atleta campeão olímpico e um com participação olímpica?

O foco na medalha. O vencedor não sossega enquanto não tiver a medalha, quer se destacar assim como as pessoas que fazem a diferença em outra área. E recebe todas as condições para ter isso, não só financeiras, mas também emocionais, como é o caso do Cielo. Mas fica claro que a maioria dos atletas brasileiros gasta toda energia para chegar aos Jogos, já tem isso como o prêmio, chega lá e é uma festa, relaxa. (AB)

1.672 brasileiros

Já competiram em Olimpíadas defendendo o país, em 21 das 26 edições dos Jogos. A primeira vez que Brasil participou do maior evento esportivo do mundo foi em 1920, na Antuérpia. Na estreia olímpica, o país levou 29 atletas em cinco modalidades. E teve seu primeiro ouro, no tiro esportivo, com o tenente do exército Guilherme Paraense. A participação brasileira nos Jogos ainda é predominantemente masculina: 76,9% dos atletas olímpicos da nação são homens (1.285 esportistas).

Só de carro, Alexandre Velly Nu­­nes acumulou mais de 20 mil quilômetros rodados em busca de respostas. Sem contar as milhagens contabilizadas em viagens aéreas. A peregrinação pelo Brasil serviu para o gaúcho coletar informações para seu doutorado e colaborar para a maior pesquisa de resgate esportivo que se tem conhecimento no país.

O professor-doutor da Univer­­sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) é um dos 22 pesquisadores que fazem parte do projeto Memória Olímpica por Atletas Olímpicos Brasileiros, coordenado pela professora da Escola de Educação Física da USP, Kátia Rubio. Eles vão contar a trajetória dos 1.672 brasileiros que formaram as delegações nacionais no maior evento esportivo do mundo desde os Jogos da Antuérpia (1920) até Pequim (2008).

Para tanto, o grupo pretende, até 2015, entrevistar cada um desses personagens, com registros em vídeo dos encontros, para formar o perfil completo do Brasil olímpico. "Acaba sendo um censo qualitativo do esporte olímpico brasileiro", diz Kátia. No fim das pesquisas, o trabalho vai virar uma enciclopédia. "Cada atleta vai ser um verbete", resume.

O projeto resgata a história pela visão dos que disputaram o evento. Um exemplo: enquanto no inconsciente popular a principal imagem da edição de Moscou (1980) é a da mascote, o ursinho Misha, derrubando uma lágrima no encerramento da competição, a ex-jogadora de vôlei Dora Castanheira, 52 anos, lembra-se das próprias lágrimas na abertura do evento.

"Foram os Jogos do boicote dos Estados Unidos [por causa da Guerra Fria, 61 países não mandaram delegações para a Rússia]. Pensava em cada colega impedido de competir por causa de uma questão política", fala.

Naquele ano, o time feminino brasileiro estreava na competição, com o 5.º lugar. A mineira jogou também em Seul (1988). Em Atlanta (1996), foi auxiliar técnica de Bernardinho e viu as meninas ganharem o bronze sobre a Rússia.

Em Seul, competiu também o ciclista curitibano Paulo Jamur, 47 anos. Foi sua segunda Olimpíada, depois da participação em Los Angeles (1984). "Lembro de que a gente encarava aquilo como um sonho, estar entre os melhores, ver a Steffi Graf [tenista alemã] no refeitório. Havia um abismo técnico e tecnológico entre os ciclistas brasileiros e os outros", conta.

Os depoimentos dos cerca de 600 entrevistados até agora indicam que o projeto fará mais do que o resgate desportivo. Tem trazido à tona temas diretamente ligados ao funcionamento das modalidades de alto rendimento no país. "Cha­­mou-me muito a atenção a importância dos técnicos na formação dos judocas", diz Nunes, que se centrou em entrevistar os campeões nos tatames e seus mestres.

Ele conta que é comum os judocas terem, no mínimo, dois treinadores: o formador dos valores no esporte e da técnica refinada e o que os eleva ao patamar competitivo.

Na odisseia em busca das memórias dos esportistas, vão se juntando documentos que se tornarão raros. "Temos entrevistas inéditas. Esses dias, falei com o João Havelange por cinco horas. Pode ter sido a última entrevista dele [internado, aos 95 anos, com uma greve infecção], parecia que estava dando o testamento dele", conta Kátia.

Nem todas as lembranças são felizes de se contar, como o ex-armador da seleção de basquete dos Jogos de Moscou, Cario­­quinha. "Está miserável. Fiquei muito deprimida ao vê-lo. Mora em Brasília, dá aulas de basquete nos fundos de uma associação. Ganhou muito dinheiro, mas não teve formação para dar conta", relata a coordenadora. Os pesquisadores também encontraram um jogador de futebol – com o nome resguardado – que carrega sua medalha na carteira e a exibe nos restaurantes para não pagar pelas refeições.

A transição da carreira de atleta para cidadão comum é assunto recorrente nos depoimentos. "É preocupante. Muitos perderam ou estão perdendo tudo o que ganharam. Esses caras foram assediados, endeusados e, depois que acabam a carreira, são mais um na multidão", destaca Kátia.

O curitibano Rolando, 47 anos, da seleção de basquete em Seul (1988) e Barcelona (1992) se deparou com a mudança de olhar sobre ele e, especialmente, com a diminuição de zeros nos seus rendimentos. Pioneiro entre os brasileiros na NBA, já tinha formação em Educação Física quando deixou as quadras.

"Mas não é só porque tive sucesso como jogador que saberia ensinar tudo o que sabia para os outros. Tive de estudar, fazer pós-graduação, fiz mestrado", conta o professor e técnico em escolas e clubes. Hoje, diz-se satisfeito com o seu roteiro. E feliz em saber que fará parte da enciclopédia.

Estudo revela avanços e declínio de esportes

O resgate da trajetória de cada atleta olímpico permite também mensurar a evolução (ou involução) das modalidades com o passar das décadas. Dora Castanheira, que passou 20 anos ligada à seleção de vôlei, diz-se satisfeita em ver o progresso do esporte no país.

"Sou da geração da Isabel, da Jaqueline na quadra. Nas seleções de base, moramos todas em uma mesma casa, com todo o time e a equipe técnica, íamos para a escola juntas. Hoje, a estrutura é muito maior. E os resultados também" conta. Atualmente, ela atua na administração esportiva, preparando os projetos sociais para o incentivo da prática esportiva no Rio de Janeiro.

Já Paulo Jamur, que há 21 anos é dono de uma loja de bicicletas, lamenta a derrocada do esporte que o levou a conhecer o mundo para competir: o ciclismo. "Antes, tínhamos bom material humano, mas nos faltava equipamento. Hoje, há equipamentos, mas falta material humano. Não investimos na base nas últimas décadas", fala.

Ele conta que está na lista dos que se afastaram do alto rendimento por desilusões. "Chegou uma época que comecei a perder de gente que não poderia perder, mas que estava usando doping", conta.

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