Improviso marca feriadão de treino da seleção brasileira de futebol americano

Mesas empilhadas no canto da parede e a sala de aula vira um quarto. Pelo chão, seis ou oito colchões e colchonetes servem de cama. No refeitório, um bandejão coberto de porções generosas de arroz, feijão, macarrão, farofa, dois tipos de carne e salada – tudo negociado diretamente com o fornecedor, a módicos R$ 30 diários. Em campo, o uniforme oficial se mistura a camisas de time e ao surrado material esportivo próprio. Bolas e galões de água são carregados pelos jogadores. É neste cenário improvisado que a seleção brasileira se prepara para a Copa do Mundo de futebol... americano.

A quinta edição do torneio, em julho, nos Estados Unidos, terá a estreia dos Onças – apelido da seleção brasileira. A euforia pela vaga inédita conquistada em fevereiro, no Panamá, rapidamente se misturou ao ritmo mambembe em que a modalidade cresce no país. Realidade escancarada nos três dias de treinamento com 65 atletas, entre os dias 18 e 20 de abril, na campus da Unicentro, em Irati, região dos Campos Gerais. A única reunião antes da divulgação da lista final para a Copa, com 45 nomes, ainda esta semana.

A escolha da data do training camp – mais um dos muitos termos importados da NFL, a liga profissional dos Estados Unidos – também tem a ver com o estágio da modalidade no Brasil. Como nenhum jogador é profissional, eles precisam trabalhar em outras áreas. O único feriado prolongado antes do Mundial era a oportunidade ideal para que todos – com antecedência – pudessem se planejar.

“Aí a gente tem que negociar folga no trabalho, arrumar dinheiro para viajar e se virar como pode”, conta Éverton Antero, de 26 anos, running back do João Pessoa Espectros, da Paraíba. Foram dois meses corridos entre a convocação e a chegada a Irati.

O dinheiro é um capítulo à parte na vida dos Onças. Tudo é bancado do bolso, com as velhas rifas, o moderno crowdfunding e o atemporal “paitrocínio”. Vaquinhas virtuais garantiram o dinheiro necessário para a disputa das Eliminatórias, na Cidade do Panamá. Expediente que será repetido em partes para cobrir a salgada fatura da estreia no Mundial: US$ 38 mil de inscrição para a equipe (incluindo hospedagem, alimentação e traslado) e US$ 1,2 mil de passagem para cada integrante da delegação. Já há um patrocínio fechado e outro alinhavado para atenuar os custos – quem sabe, evitar a mão no bolso.

Luxos são contados nos dedos. A prefeitura de Irati bancou o ônibus de Curitiba até a cidade nos Campos Gerais – para a capital paranaense, cada um foi por conta. Adan Rodríguez, wide receiver do Coritiba Crocodiles, foi de carro e hospedou-se em um hotel.

Com nome de craque do outro futebol, Romário Reis, de 20 anos, é uma exceção extrema. Considerado uma das principais promessas do país, o quarterback do Ceará Caçadores tem o suporte de uma assessoria esportiva. Não gasta nada para entrar em campo e jogar. “Sou um privilegiado. Depois do meu primeiro equipamento (o mais barato custa R$ 1.500) não gastei com mais nada. Eles esperam que eu tenha um bom rendimento e me dão um técnico próprio”, diz.

Para a maioria, a assessoria permanente é de mulheres e namoradas. Integrantes informais da comissão técnica, elas ajudam nos treinamentos e no preparo dos jogadores – nem que seja enrolando ataduras nos dedos que manuseiam a bola oval. Esforço que terá como recompensa máxima os 12 dias de Copa do Mundo nos Estados Unidos.

“O esporte não tem tradição no Brasil. Mas a evolução nos últimos anos foi rápida e significativa”, diz, esperançoso, o norte-americano Clayton Lovett, ex-jogador universitário nos Estados Unidos e, desde 2012, membro da comissão técnica brasileira.