• Carregando...

A Gazeta do Povo acompanhou a rotina de treinos da campeã mundial Rosilete dos Santos, em São José dos Pinhais. Logo nas primeiras horas da manhã, uma corrida em alta velocidade no entorno do aeroporto Afonso Pena. Depois, uma série incansável de abdominais. Após o descanso do almoço, o repórter Angelo Binder subiu no ringue como sparring da campeã. Rosilete dos Santos venceu no sábado, em Londrina, a argentina Silvia Beatriz Lescano. A luta de oito rounds de duração foi decidida pelos árbitros. Rosilete ganhou por 3 a 0 na preferência dos juízes.

Leia a versão em texto do relato do repórter sobre a rotina diária da campeã

A vida de uma campeã mundial não é nada fácil. Para saber como é, eu fui o escolhido para treinar por um dia com a Rosilete dos Santos, atual campeã mundial da categoria peso Galo (até 53, 5kg) pela Comissão Mundial de Boxe. A minha preparação foi intensa.

Uma semana antes da data marcada, vasculhei no Youtube tudo quanto foi vídeo de lutas, entrevistas e imagens da boxeadora paranaense. Isso para não ficar perdido num esporte jamais praticado por esse repórter. Adepto às corridas de rua, minha especialidade não é esporte de contato. Por isso, resolvi fazer um intensivão caseiro. Ainda na internet assisti a momentos antológicos de "Rocky Balboa", personagem vivido no cinema por Sylvester Stallone.

Para cumprir a minha pauta, eu tinha de estar às 6h30 da manhã, da sexta-feira 13, em frente à casa de Rosilete e Macaris do Livramento, ex-pugilista, marido e técnico da boxeadora. A data, que é uma marcada de superstição, começou complicada. O taxista, que me levou até São José dos Pinhais, na região de Curitiba, onde Rosilete e Macaris vivem, se perdeu no caminho, e acabei chegando em cima do laço para o início dos treinos.

A ideia era chegar mais cedo para acompanhá-la no trabalho de alongamento antes da corrida de 10 km marcada para às 7h. Cheguei tão em cima da hora que ela já me esperava na porta de casa pronta para correr. "Vamos?", disse Rosilete antes de sair. Eu apenas concordei com a cabeça, ainda exausto pelo tempo perdido dentro do taxi. Desta parte do treino, Macaris não participa. Ele fica em casa tomando conta da Nicoly, de dois anos, filha do casal.

Corrida no aeroporto

Assim seguimos eu e Rosilete rumo ao Aeroporto Internacional Afonso Pena, que fica atrás da casa deles. "Vamos dar quatro voltas no aeroporto (referindo-se à parte externa da entrada para o terminal), depois voltamos", disse a boxeadora, explicando o itinerário. "Mas você me disse que seriam três voltas?", contra-ataquei, já pressentindo o cansaço que minhas pernas iriam sofrer naquela quase uma hora de trajeto previsto por ela.

O clima até que colaborou bastante. Céu cinzento e garoa, ideal para a prática de corrida de rua. Durante o caminho, Rosilete dava umas desgarradas. Ela me explicou que, nas corridas, procura manter a mesma velocidade em subidas, plano ou descidas. "Aqui não forço muito, pois nos treinos de boxe e lutas a frequência cardíaca vai lá pra cima.

Chega aos 200 batimentos por minuto. "A corrida serve mesmo para manter a parte aeróbica em dia", explicou com tranquilidade, enquanto corria e cumprimentava com gestos alguns conhecidos da região. Eu do lado, já esbaforido, sofrendo e suando para acompanhá-la.

Na terceira volta não teve jeito. Avisei que ia parar e aguardá-la para volta derradeira. Ela apenas concordou com a cabeça e tocou adiante. Na última "perna", com gás renovado voltei para corrida, não teve para Rosilete. Usei meu kers (sistema de recuperação de energia dos carros de Fórmula 1) e disparei na rua que dava acesso à residência da pugilista.

Fechamos o trajeto (sem contabilizar a minha parada) em 53mim 46s. Rosilete me enganou. Ela havia comentado que fechava o trajeto em quase uma hora. Eu já estava com o coração na boca quando ela me disse. "Vamos fazer abdominal?". Concordei, mais uma vez com certo temor.

Ela deitou-se no colchonete de borracha da filha Nicoly e começou a longa série de 300 abdominais. Com olhar intimidador, como quem chama para briga, apenas disse: "Vamos cara!

Abdominais e alongamentos

Com o corpo aquecido, partimos para uma série de alongamentos ali mesmo na sala da família Livramento. A filha Nicoly, a essa altura, já havia acordado e pedia atenção dos pais, especialmente da mãe.

Rosilete alongava e atendia sempre que podia. "Minha vida é corrida. Tenho de treinar, cuidar da casa e cuidar da Nicoly. Ela passa o dia todo conosco. Ficamos o dia inteiro juntos", comentou Rosilete, enquanto tomava café e acertava os últimos detalhes antes de seguir com a filha e Macaris para a academia de boxe administrada por eles no Centro de Curitiba. Convidado pelo casal, eu aceitei a carona para Curitiba. Com dores musculares e abdominais, fui para casa descansar. À tarde o "bicho iria pegar". Seria a hora de subir no ringue com a campeã do mundo.

No ringue

Para quem nunca treinou boxe, encarar a rotina da campeã do mundo é mesma sensação de ser lançado dentro de uma jaula diante de leão faminto: Não tem pra onde escapar.

Logo de cara, na primeira tarefa. Não consegui coordenar os movimentos de braços e penas para pular corda. Pela academia já se ouvia as primeiras gargalhadas por causa da minha performance. Às 13h30, após uma nova sessão de alongamentos, Macaris fez as ataduras de proteção em minhas mãos e me passou as luvas para que eu as calçasse.

Com certa dificuldade no manuseio, estava apto para dar meus primeiros socos. A missão era socar o saco de areia. Depois de uns 10 minutos, "apanhando" do saco de areia, e da coordenação motora, Rosilete me chamou para subir no ringue. Era a hora de colocar em prática o aprendizado dos filmes do Rocky, das lutas do Maguila que assistia com o meu pai nas noites de sábado nos anos 80.

No entanto, só fui perceber que a coisa era séria quando Macaris me chamou para colocar um capacete. Desconfortável com aquele peso na cabeça (fundamental para segurança), entrei no ringue com dificuldade e temeroso.

À medida que lembrava dos acordes da clássica "Gonna Fly Now", de Bill Conti e orquestra, tema do personagem de Sylvester Stallone nos cinemas, os golpes de Rosilete começaram a entrar. Foram jabs, cruzados, ganchos, tudo de uma vez só. Não tive forças para reagir. Para minha sorte soou o gongo sinalizando o fim do primeiro round de uma luta.

Rosilete me fitava com os "Eye of Tiger" (olho de tigre), música da banda Survivor, também tema de Rocky. Do lado de fora do ringue, Macaris repetia: "Vamos, vamos, vamos Rosilete! Mostra para ele como é que é!". Na mesma hora, percebi que meus dois colegas de redação: O repórter fotográfico Valterci Santos, e o repórter Thiago André Costa, que filmava o meu combate, se acabavam de rir com o meu desempenho.

Então lá veio a Rosilete com mais golpes certeiros. Já no desespero busquei o revide, mas sem êxito. Abria a guarda e vinha mais pancada. Com o olho direito inchado e dores por todo corpo desisti da "luta" no fim do segundo round, mas não fui a nocaute. Tenho que destacar que ela não bateu de verdade. Tudo fazia parte do treinamento.

O fato é que, às 15 horas, tive de largar no meio do caminho o treino de boxe com a campeã do mundo. Fiquei imaginando que lá pelas 17 horas, no fim do dia, Rosilete voltaria pra São José dos Pinhais e ainda precisaria dar conta dos afazeres domésticos e brincar com a Nicoly. Isso sem falar no Macaris.

Rotina de treino de Rosilete dos Santos

De segunda a sábado, em São José dos Pinhais.

7h - Corrida (10km )8h – Abdominal (300 vezes)8h30 – Alongamento8h45 – Café da manh㠖 Café com leite, pão integral e frutas

Em Curitiba

9h00 - às 12h – Descanso12h – Almoço – Carne branca, carboidratos e saladas.13h30 – Treino de boxe.16h - Fim de treino – alongamento + abdominal.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]