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O Shinai, o Mem e o Katana, três dos acessórios usados pelos praticantes do Kobudo |
O Shinai, o Mem e o Katana, três dos acessórios usados pelos praticantes do Kobudo| Foto:

Roteiro ideal para as artes

Lutar e morrer com dignidade foi um princípio levado ao extremo pelos samurais. Quando capturados, enfrentavam essa desonra pra­­ticando o seppuku – suicídio com o transpasse de um punhal na barriga. Para comprovar a glória em combate, presenteavam seu general com a cabeça do rival.

Tais práticas até hoje causam es­­panto e admiração e contribuíram para mitificar a imagem desses guerreiros – e serve de te­­­­ma para produções literárias e cinematográficas, além de jogos para videogame.

Os Sete Samurais (1954), de Akira Kurosawa, contou a saga dos ronin (samurais sem mestre do século 16). Em 2003, Tom Cruise estrelou r O Último Samurai, que narra o fim dos guerreiros de elite.

A partir de 1935, Eiji Yoshikawa publica em jornais capítulos do romance Musashi, inspirado na vi­­da do famoso combatente. Com­­pilado em livro, fez sucesso em todo o mundo. Sucesso que esconde a decadência dos samurais, cujo nome significa "aquele que serve".

A partir de 1600, quando o comandante militar Tokugawa Ieyasu assume o poder e impõe o fim dos combates, a classe tornou-se aristocrática e preguiçosa. Com o passar dos anos, muitos buscaram outros trabalhos. Em 1868, Tokugawa é varrido do poder, restitui-se o governo imperial, no início da Era Meiji, em um país em busca de modernização. Extingue-se com o regime de classes e acaba, oficialmente, uma casta que já estava deteriorada.

  • Dois praticantes da modalidade, no Nikkei Clube:
  • Saiba mais sobre o traje utilizado durante os combates

O fascínio que a imagem dos samurais – mais alta casta militar do Japão por quase 700 anos (entre 1185 e 1867) – exerce atravessou os séculos. Suas técnicas de combate e filosofia de vida são hoje cultivadas com afinco no Brasil. Mais afinco até que os próprios japoneses do século 21 dedicam à arte dos antigos guerreiros. Atualmente, cerca de 600 brasileiros praticam o Kobudo, conjunto de artes marciais orientais antigas. O Paraná tem cerca de 40 praticantes.

O pequeno número não é de se estranhar. Além de ainda pouco conhecido, o kobudo exige de­­dicação integral: os preceitos dos samurais não podem ser utilizados só dentro do dojo (local de treino). Em Curitiba, o Insti­­tu­­to Niten ministra aulas no Clube Nikkey, no bairro Uberaba. Ke­­n­jutsu, iaijutsu e jo-jutsu são algumas das modalidades praticadas.

Ao contrário do que se possa imaginar, a maioria dos alunos não tem os olhos puxados. De diferentes descendências, têm em comum a admiração pela cul­­tura oriental. E a vontade de manipular o katana, espada de lâmina curva.

O kenjutsu ensina as técnicas do combate com o katana. Aos iniciantes, nada de armas de me­­tal: a espada de bambu (shinai) absorve o impacto dos golpes. Entre os vários estilos de luta de­­senvolvidos, os alunos estudam o "Niten Ichi Ryu", criado por Mi­­ya­­moto Musashi (1584-1640, considerado um dos maiores sa­­murais de todos os tempos). Ele formatou a luta em que o guerreiro usa uma espada em cada mão, uma grande (katana) e outra menor (shoto).

"O que seduz no primeiro mo­­mento é a conexão com o passado. Depois o aluno aprende que as estratégias podem ser aplicadas no mundo atual, nos negócios", diz o sensei Jorge Kishi­kawa, fundador do Insti­­tuto Niten e representante da décima geração da escola de Mu­­sashi.

O iaijutsu desenvolve pelo treino repetido de sequências de movimentos – os katas –, co­­mo de­­sembainhar a espada, pre­parando-se para iniciar o combate. Os alunos também treinam o jo-jutsu, em que a ar­­ma é um bastão de madeira. Não letal, mas suficiente para dominar o oponente.

"O começo foi mais difícil do que imaginei. Queria lutar e passei umas quatro semanas fazendo um único movimento, sozinho", conta Lucas Varasquim, 21 anos, que iniciou a prática de artes marciais há 3 anos. Este é um exemplo de que a modalidade exige paciência e muita repetição.

O modo de vida de um samurai é repleto de nuances. Além de exímios combatentes, precisam seguir um rígido código de ética – compilado no Bushido. "Arte marcial bem feita é extremamente formalizada, tudo é levado no superlativo", afirma Fernando Azeredo, que treina Kobudo há quatro meses e já fazia caratê.

"O ritual e a disciplina estão presentes em tudo. Desde a hora em que chegamos e posicionamos as armas ou vestimos o equipamento de proteção (equivalente à armadura)", diz o senpai (aluno mais graduado) Francisco Simões, 31 anos, que há 8 pratica o kobudo.

Enquanto no Japão antigo so­­mente os homens eram iniciados nas técnicas de combate, ho­je as mulheres são incentivadas a lutar também. "Elas têm mais jeito com a espada, não usam a força bruta. O objetivo de se manipular uma espada é com técnica, não com força", destaca Kishikawa.

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Leitura

Treino técnico não é suficiente. Lutador de arte marcial oriental antiga precisa entender a filosofia que compõe o espírito samura i. Alguns livros são considerados leitura obrigatória:

Bushido

Quer dizer "Caminho do Guerreiro". O livro é considerado o código de ética do samurai. Exalta valores como lealdade, fidelidade, justiça, etiqueta, humildade, espírito marcial e honra. A compilação desses preceitos foi feita entre os séculos 9 e 12. Foi inspirado no Budismo, Xintoísmo e Confucionismo e influenciou bastante a cultura japonesa.

O livro dos cinco anéis

Em japonês, Go Rin No Sho. De autoria do samurai Myamoto Musashi em 1645 é um texto sobre kenjutsu e artes marciais. Ensina estratégia militar japonesa, semelhante ao chinês Arte da Guerra, de Sun-Tzu, que no final do século 20 ganhou interpretações para o mundo dos negócios. A obra de Musashi também permite a releitura para os dias atuais, na conquista de objetivos.

Hagakure

O nome significa "Escondido pelas folhas" ou "Folhas Escondidas". Foi escrito em 1750, período de paz pelo samurai Yamamoto Tsunetomo para orientar os samurais a retomar os valores do Bushido em uma época em que a classe tornara-se prepotente e preguiçosa. Destaca a representação do samurai como aquele que serve. O sensei Jorge Kishikawa publicou, em 2004, o Shin Hagakure, em que resgata os valores da obra de Tsunetomo para a atualidade.

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Glossário

Entenda o vocabulário da luta marcial:

Daisho – conjunto das duas espadas usadas no kenjutsu – katana e shoto. A partir de 1600, é sinônimo de "classe samurai".

Iaijutsu – a arte de desembainhar a espada. As técnicas são treinadas e apresentadas em conjuntos de katas, movimentos contra um oponente imaginário.

Jo-justu – "Técnicas de utilizar o bastão". Prega o "vencer o inimigo sem precisar matá-lo".

Kobudo – conjunto de artes marciais japonesas anteriores a 1868 (ano da restauração Meiji no Japão, marco do fim dos samurais como classe social). Nesse conjunto estão o kenjutsu, iaijutsu e jo-jutsu.

Kenjutsu – "O caminho da espada". Reúne as técnicas de combate desenvolvidas pelos samurais a partir do século 13. Dessa arte originou-se o kendô.

Ryu – designação para "escola" ou "estilo" em que as artes marciais são treinadas.

Samurai – "Aquele que serve". Designa guerreiros japoneses surgidos a partir do século 10, quando ascendem como elite combatente na corte imperial.

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