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Telêmaco Borba – Há exatamente 50 anos, financiado exclusivamente pelo "barão do papel", um time de fazenda caminhava rumo à conquista do Campeonato Paranaense. Algo até então inédito e tido como impossível. Uma aventura fascinante que hoje padece pelo esquecimento.

A história se passa em Telêmaco Borba, a 245 quilômetros de Curitiba. Com o dinheiro do empresário Horácio Klabin (1918 – 96), o comandante da poderosa indústria de celulose que domina até hoje a economia da cidade, montou-se a "máquina de jogar futebol" – apelido dado pelos principais jornais da época. Era o Clube Atlético Monte Alegre (Cama), campeão estadual de 1955.

O estádio foi construído dentro dos 44 mil alqueires que a empresa possui à margem do Rio Tibagi e alguns jogadores foram recrutados no Rio de Janeiro – o maior celeiro de talentos da época. Diante dessa estrutura bancada pelo mecenas, ninguém conseguiu ser páreo à modesta equipe que usava o uniforme semelhante ao do Corinthians, uma das paixões de Klabin.

A campanha vitoriosa começou em abril de 1955, com um incontestável 5 a 2 no Ferroviário – que ainda se vangloriava do título do centenário da emancipação política, dois anos antes. E terminou contra o mesmo adversário, em 22 de abril de 1956. Na decisão, disputada no Estádio Joaquim Américo, o placar foi mais apertado: 1 a 0. Durante toda a temporada, a zebra-sensação (já chamada de "Pantera Negra" pelo estilo felino e traiçoeiro) obteve 18 vitórias, 4 empates e 6 derrotas.

Para chegar tão longe, o Cama contou com o talento do volante Jutz, do centroavante Taíco, do meia Ocimar e do goleiro Bolívar, conhecido como o "Gigante do Ébano". O folclórico camisa 1 pesava 120 quilos e tinha na eficiência dos companheiros de ataque o grande trunfo para permanecer entre os titulares. Personagem à parte, ele levou 41 gols, mas o ataque balançou as redes 79 vezes. Como outros tantos, tem paradeiro incerto.

Espetáculo

"O time fazia espetáculo. Jogávamos por música. O pessoal da capital ficava realmente espantado com a nossa força. Não tinha para Coritiba, Atlético, o resto...", conta Raul Benvenutti, o Pequeno, zagueiro campeão e único titular desse triunfo que ainda reside em Telêmaco Borba. "Nossa casa foi batizada de ‘Cemitério dos líderes’, pois derrubávamos todo mundo aqui em Telêmaco", completa.

Aos 73 anos, o torneiro mecânico aposentado tornou-se a principal lembrança dessa fábula vivida antes mesmo de existir a Rodovia do Café (BR-376). "Nossas viagens eram em terra de chão batido e os poucos torcedores que nos acompanhavam iam de caminhão, no pau-de-arara", diz, aos risos.

Na sede social do Cama, que ainda hoje funciona com alguma dificuldade, está escancarada a falta de memória. Na parede de uma sala para jogatina de baralho, um quadro com a foto posada dos campeões ilustra o espaço. Dentro de uma prateleira pouco visível guarda-se o troféu – já surrado pelo tempo. Na entrada principal do clube, o muro pintado avisa: "Monte Alegre – 1.º clube do interior campeão paranaense". Só isso. A narrativa e a presença do ex-jogador parecem salvar a preservação desse passado de glórias.

"Nunca houve um reconhecimento. Quando ganhamos o campeonato, por exemplo, nem mesmo uma recepção tivemos", lamenta. "O sonho do seu Horácio – montar o melhor escrete do estado – havia sido realizado e isso bastava. Nunca fomos tratados como heróis", segue ele, que chegou a ser negociado com o Atlético, mas em seguida pendurou as chuteiras por causa de uma grave lesão nas costas. "Tremi no Furacão", reconhece, em tom de brincadeira.

Essa falta de projeto e ambição da fábrica de papel anunciou o fim tão meteórico quanto foi a conquista. Depois de ficar em terceiro lugar no Regional de 56, o industrial fechou os cofres para o esporte. Na temporada seguinte, limitou-se às disputas de torneios amadores – como se fizesse força para ser esquecido.

Essa saída à francesa abre controvérsias. Duas versões apresentam como figura central o possível ciúme dos adversários. Para o advogado Dinizar Ribas de Carvalho, ex-prefeito de Telêmaco e narrador esportivo da Rádio Clube nos anos 50, foi uma questão empresarial.

"Após um jogo em Ponta Grossa, acusaram a arbitragem de favorecer o Cama e a polêmica envolvia indiretamente a Klabin. Por isso, quando o esporte começou a atrapalhar os negócios, a indústria se retirou rapidamente dos campos. Poderia haver um prejuízo à imagem da empresa", avalia.

Já Paulo César Nocera, também ex-prefeito da cidade, tem uma explicação mais romântica para o fim. "O bicampeonato era certo, no entanto um complô do apito deixou desgostoso o doutor Horácio. Eu era criança, tinha oito anos, só que lembro disso. Gastava-se muito dinheiro em um ambiente pouco ético", assegura.

História perdida

Ao largar a elite dos gramados, o mérito do Alvinegro do Centro-Leste foi se perdendo no tempo. Sem nunca celebrar o feito, a atual diretoria da associação diz planejar discretamente um evento para comemorar o cinqüentenário. Mas as cinco décadas de abandono dessa página histórica do futebol paranaense deixaram rugas: 1) Não se sabe o paradeiro da maioria dos atletas; 2) jamais se guardou objetos da época – como o uniforme original; 3) o estádio que foi palco desse roteiro não recebe visitas (pois está dentro da fazenda de propriedade privada da Klabin).

"Demos um baile para reviver o campeonato, mas não conseguimos encontrar os jogadores da época. No próximo ano, na data exata do título, pensamos em fazer outra festa. Além disso, começamos aos poucos a reavivar o futebol dentro do nosso quadro associativo. Já temos alguns moleques de potencial treinando conosco", garante Arival Gomes Filho, o Miltinho, diretor de esportes do Cama.

As dúvidas marcam esse retorno, agora com pretensões modestas e muito longe de defender o feito memorável. A falta de dinheiro e a ausência do apoio parecem confinar a trajetória do Cama ao mundo B da bola.

Hoje, após quase duas décadas sem entrar em campo, aquele que já foi a "máquina de jogar futebol" volta à ativa contra o Jardim Alegre, outro combinado da localidade. O confronto será às 15 horas, no Minicentro Esportivo de Telêmaco Borba. É a abertura do Torneio "Radialista Jair Neves", mas pode ser também o último capítulo dessa história.

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