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Guilherme Campos (PSD), ex-presidente dos Correios, admitiu que para acabar com a politização da empresa seria necessária sua privatização. (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Guilherme Campos (PSD), ex-presidente dos Correios, admitiu que para acabar com a politização da empresa seria necessária sua privatização.| Foto:

Em entrevista coletiva na noite de terça-feira (11), o Ministro da Economia Paulo Guedes apontou quais são as estatais que devem ser privatizadas em breve, entre elas os Correios. Apesar da saída de Salim Mattar, Secretário de Desestatização, a agenda de privatizações anunciada por Guedes em julho continua. Além dos Correios, o governo pretende privatizar ainda a Eletrobras, a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) e a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Docas de Santos).

Em levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas, contando com as empresas de estados e municípios o número de estatais brasileiras passa de 400, empregando cerca de 800 mil pessoas. O país, sozinho, tem mais estatais do que a soma de dez países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — um grupo composto por economias desenvolvidas. Atualmente, 130 pertencem à União e, portanto, podem ser alvo de programas de desestatização do governo federal.

Como é inerente às estatais, que operam sem ter de sujeitar ao sistema de lucros e prejuízos, falta um sistema de incentivos adequado, que estimule a produtividade. Por exemplo, entre 2012 e 2016, elas tiveram receitas de R$ 89 bilhões e despesas de R$ 122 bilhões. Isso significa que houve um prejuízo da ordem de 33 bilhões de reais, que foram arcados com dinheiro do Tesouro Nacional.

Os Correios se destacam como uma das piores entre todas as estatais. Selecionamos quatro motivos pelos quais o governo deveria privatizar a empresa o mais breve possível.

1. Escândalos de corrupção

Os Correios protagonizaram diversos escândalos de corrupção na última década e meia. O próprio Mensalão foi descoberto em decorrência da estatal, a partir de um vídeo que mostrava um ex-funcionário dos Correios negociando propina com um empresário e mencionando o aval do então deputado federal Roberto Jefferson. Foi o início de um processo que resultou na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar as denúncias, descobrindo-se posteriormente que se tratava de um esquema de compra de apoio parlamentar por parte do Partido dos Trabalhadores.

Outro caso ocorreu durante as eleições de 2014, em que os Correios distribuíram material de campanha de Dilma Rousseff sem registros de cobrança. Foram mais de 4,8 milhões de panfletos da petista distribuídos na Grande São Paulo e cidades do interior paulista.

Além disso, a Operação Mala Direta, deflagrada em 2016, verificou uma fraude de R$ 647 milhões em um esquema de envio de mercadorias de forma clandestina. A estrutura dos Correios era utilizada a fim de desviar valores para outras empresas prestadoras de serviço semelhante.

Outro escândalo, mais recente, ocorreu no Fundo de Pensões dos Correios, o Postalis, que registrou R$ 7 bilhões em prejuízos. Boa parte disso por causa de investimentos fraudulentos, negligentes e em desacordo com a própria política interna de investimentos do fundo. A orientação dos investimentos era política e ideológica, com aportes em bancos liquidados, empresas do grupo EBX, de Eike Batista, e até em títulos públicos da Argentina e Venezuela. Os casos são inúmeros.

Na visão do advogado Carlos Henrique Barbosa, mestre em Corrupção e Governança pela Universidade de Sussex, tantos escândalos dificultam até mesmo o processo de venda da empresa.

A Lei Anticorrupção faz com que possíveis investidores passem a levar em consideração também a possibilidade de corrupção na empresa. Isso porque a pessoa jurídica que está sendo adquirida será responsabilizada em caso de descobertas posteriores de esquemas de corrupção, independentemente se esses esquemas tenham acontecido antes da venda da estatal.

Isso significa que, em uma eventual venda, o valor tende a ser aquém do que seria possível — ou mesmo não aparecerão interessados diante dos riscos decorrentes da ausência completa de um mínimo sistema de compliance em uma estatal como os Correios.

“O passivo — medo de se comprar os Correios — é enorme: em virtude de tantos escândalos em que a empresa se envolveu, nenhum investidor sério vai se interessar em comprar”, alerta Barbosa.

2. Ingerência Política

A influência política nos Correios é muito alta. Levantamento da revista Exame feito em 2016 demonstrou que todos os 25 cargos de direção da empresa eram ocupadas, à época, por indicados políticos. Todas as 8 vice-presidências eram ocupadas por apadrinhados do PDT, PSD, PTB e MDB, sendo considerada “a mais politizada de todas as estatais”.

O então presidente da empresa, Guilherme Campos (PSD), admitiu que para acabar com a politização da empresa seria necessária sua privatização. O governo Temer cogitou a venda, mas acabou por não levar a ideia à frente. Além disso, há na empresa cerca de 700 cargos reservados apenas para sindicalistas, que exercem lobby para a manutenção da empresa no seio do Estado.

Barbosa afirma que há entraves políticos para despolitizar os Correios: “Como já há muita gente influenciando na empresa, é muito difícil os políticos abrirem mão dessa esfera de influência. Todos os partidos, ou boa parte de partidos grandes, dominam os Correios, e é preciso o apoio deles para conseguir a aprovação de uma privatização dessas”.

Ele afirma ainda que a privatização pode ser o primeiro passo para diminuir a ingerência política, mas que é essencial haver uma abertura no mercado de correspondências para que não se estabeleça um monopólio privado.

Para melhorar a gestão e reduzir a ingerência política nas estatais, foi criada em 2016 a chamada Lei das Estatais, com regras específicas para nomeação de diretores, membros do conselho e um rígido programa de regras de conduta. Barbosa elogia a legislação, mas alerta sobre o período necessário para que ela possa gerar efeitos positivos:

“A Lei das Estatais evidenciou a necessidade de gestão, separando-a de política pública: por muito tempo o discurso foi de que essas empresas estatais existiam para fazer uma série de políticas públicas, e não com uma questão de produzir bons serviços e ter lucro. A partir do momento da edição desta lei, cuja mensagem é de que é preciso gestão empresarial e integrantes com capacidade técnica, parou-se de enxergar estatais como fomentadora de políticas públicas e passasse a vê-la como um objeto a perseguir o lucro, que é a função de qualquer atividade empresarial. Então há a despolitização deste sentido. A aplicação rigorosa da legislação pode ajudar a limpar a empresa. Todavia, a aplicabilidade de qualquer regime de compliance leva tempo, em média ao menos 2 ciclos.”

3. Ineficiência

Entre as justificativas comuns feitas por quem se opõe à quebra de monopólio da empresa, consta a de que algumas áreas mais afastadas e que possuem menor demanda não despertariam interesse da iniciativa privada, sendo estratégico manter a prestação do serviço postal sob controle da Administração Pública.

No entanto, do ponto de vista da universalização do serviço — que deveria ser o objetivo —, a concessão do monopólio aos Correios pode ter resultado no exato oposto: ele restringe a universalização ao sufocar qualquer forma de concorrência.

Gesner Oliveira, da Fundação Getúlio Vargas, calcula que a falta de competição dos Correios custa R$ 766 milhões por ano aos consumidores: é o custo de oportunidade do monopólio legal, que vigora desde 1978 no Brasil. Ele estabelece a exclusividade no território nacional da União pelo recebimento, transporte, entrega e expedição de cartas.

Os resultados práticos e a crise enfrentada pela empresa trazem questionamentos acerca de seu modelo de negócios. Além das frequentes greves com pedidos de reajustes salariais, os atrasos e perdas de itens são rotineiros. Em apenas seis anos, a quantidade de indenizações pagas pela estatal por atrasos, extravios e roubos aumentou 1.054%, chegando a um prejuízo de R$ 201,7 milhões somente com perdas de encomendas em 2016.

A cada sete minutos, em média, uma remessa é roubada ou furtada de veículos ou de funcionários dos Correios no Rio de Janeiro. De janeiro a outubro de 2017, 62.577 casos foram registrados no território fluminense.

Tudo isso custa muito não apenas à União, mas aos consumidores, sendo que boa parte deles são empresas que dependem da companhia para entregar e/ou receber seus produtos.

A economista Elena Landau, conhecida por coordenar o processo de privatizações do Governo Fernando Henrique Cardoso, manifesta preocupação em caso de estabelecimento de um monopólio privado: “Não se pode sair do monopólio estatal para se criar um monopólio privado, pois ambos são ruins. O processo de venda de uma estatal cria a possibilidade de redesenhar a atuação da empresa, e isso precisa ser feito: além de privatizar, garantir a concorrência”.

Ela chama atenção também para o fato de que a pressão popular é menor quando quem presta o serviço é o poder público: “Quando o serviço é exercido pelo Estado, há uma maior complacência do público, quase como se não fosse um problema o serviço ser mal prestado. Talvez seja por causa da cultura patrimonialista do brasileiro. Mas, quando se passa para o setor privado, há uma cobrança maior, além de competição, porque se criam maiores canais de reclamação, como houve no setor das telecomunicações”.

Apenas entre 2012 e 2016, foram registrados R$ 4,4 bilhões em prejuízo na estatal. De 2000 a 2016, os Correios conseguiram fechar as contas anuais com lucro em somente 5 oportunidades. Isso mesmo diante do fato de que parte do portfólio de serviços prestados pela estatal detém monopólio legal.

Diante do dramático quadro da empresa, diversas medidas foram tomadas, como o fechamento de mais de 500 agências pelo país, entre as mais de 6 mil existentes. Houve ainda a demissão de 5 mil funcionários, entre os mais de 100 mil empregados pela empresa. Vale salientar que os Correios são a maior empregadora do país.

Em virtude dos prejuízos acumulados, também foi estipulada uma nova taxa para as encomendas internacionais, equivalente a R$ 15. Esse valor se dá independentemente de peso, tamanho ou quaisquer outras características do pedido, sendo cobrado em todos os produtos. Estima-se que, com a medida, a estatal fature mais R$ 90 milhões mensais, já que diariamente recebe entre 100 e 300 mil encomendas internacionais por dia. Isto é, mais de 1 bilhão de reais por ano. Diante da nova taxa, o PROCON do Rio de Janeiro abriu um inquérito para investigar um possível abuso por parte da empresa pública.

Não há quaisquer justificativas para tamanha arbitrariedade, exceto pelo fato de que os Correios podem aplicar esta medida. E elas continuarão acontecendo enquanto boa parte dos brasileiros se recusarem a apoiar a privatização dos Correios, bem como a completa desestatização e abertura deste mercado.

Landau rebate as afirmações de quem defende que a empresa não deveria ser vendida, já que registrou lucro em 2017: “É preciso olhar para o longo prazo. Com passivos trabalhistas e rombos no fundo de pensão, além da necessidade de se reinventar para competir no mundo moderno e em outras áreas que não possui monopólio legal, a operação dos Correios tende a ser inviável”.

4. A tendência mundial é a da quebra de monopólio

A despeito da crítica à privatização dos Correios se dever à suposta incapacidade do setor privado de atuar em áreas de baixo retorno financeiro, essa dificuldade não impediu que 56 países integrantes da União Postal Universal — composta por 192 países — quebrassem o monopólio, ainda existente no Brasil. Destes, há 18 países que possuem uma estatal de capital misto ou mercado totalmente privado.

Em alguns países europeus, criou-se um fundo que compensa as perdas nas regiões menos rentáveis. Outra saída seria uma abertura gradual no mercado, atraindo competição aos poucos.

Um exemplo foi o do serviço postal alemão, privatizado em 1995. Ele se reinventou por meio da prestação de outros serviços, como financeiros, parcerias, lojas de conveniência e etc. No ano de 2002, o Deutsche Post adquiriu a DHL e hoje atua em cerca de 200 países. O monopólio do envio de cartas de até 50g, o único que ainda perdurava, acabou em 2007.

Já a estatal do setor que havia em Portugal, a Correios, Telégrafos e Telefones (CTT), também foi privatizada em 2014.

A intenção nesses casos foi a busca tanto da geração de caixa quanto da maximização da eficiência na prestação do serviço. Isto é: a privatização do setor buscou melhorar a qualidade dos serviços e evitar preços excessivos. É um processo que deve começar a ser observado e perseguido no Brasil.

Privatização enfrenta resistência interna

Em entrevista à Revista Veja, Salim Mattar afirmou estar frustrado com a resistência interna encontrada por integrantes do próprio governo para que seja possível às privatizações.

O Ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, por exemplo, é uma das vozes contrárias à privatização: ele não quer a venda de nenhuma das empresas sob sua influência. Entre elas, constam os Correios, em que ele defende cautela.

“É uma decisão importante que afeta dezenas de milhares de famílias e precisa ser feita de forma responsável e lógica, sem precipitação”, afirmou ao Estadão.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, também manifestou oposição à ideia de privatizar a empresa: “por enquanto, não”, respondeu, ao ser questionado a respeito em um evento em comemoração aos 365 anos da empresa.

Finalmente à venda

O governo deve anunciar nesta quarta-feira (21) a privatização de 17 empresas estatais. Foi o que disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, na noite de terça (20), sem dar mais detalhes. "E nós achamos que vamos surpreender. Tem gente grande aí que acha que não será privatizado e vai entrar na faca", afirmou. E "ano que vem tem mais", acrescentou.

O site Poder360 divulgou uma lista de quais seriam as 17 companhias privatizadas: Emgea, ABGF, Serpro, Dataprev, Casa da Moeda, Ceagesp, Ceasaminas, CBTU, Trensurb, Codesa, EBC, Ceitec, Telebras, Correios, Eletrobras, Lotex, Codesp.

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