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São Nicolau era bem diferente da imagem do Papai Noel construída pela soceidade ao longo do tempo. | GALI TIBBONAFP
São Nicolau era bem diferente da imagem do Papai Noel construída pela soceidade ao longo do tempo.| Foto: GALI TIBBONAFP

Você deve conhecer as renas Corredora, Dançarina, Empinadora e Raposa. Mas você se lembra de São Nicolau de Mira? O bom velhinho dos contos de Natal é uma adaptação da personalidade histórica de um pastor cristão do século IV. Nossos antepassados adequaram o legado deste homem para atender as suas próprias necessidades culturais, alterando seus atributos conforme os anos iam passando. Como resultado, o homem por trás da nossa fábula favorita de Natal está envolto em mitos e equívocos. Aqui estão cinco. 

 

Mito nº 1: São Nicolau era branco e europeu 

Na grande maioria das representações, Papai Noel, São Nicolau e Pai Natal são retratados como europeus de pele branca com bochechas rosadas e barbas brancas. A ex-âncora da Fox News Megyn Kelly poderia ter se referido a inúmeros exemplos de filmes, arte, brinquedos e propagandas quando, em uma transmissão de 2013, afirmou que "Papai Noel é apenas branco". 

Mas Nicolau tinha uma aparência mediterrânea e falava grego. Ele nasceu em algum momento após o ano 260 em Patara, uma cidade portuária na costa da Turquia moderna. A região havia sido colonizada pelos gregos séculos antes. A categoria racial de "branco" não era uma que o mundo antigo estava familiarizado, e não teria ocorrido a ninguém ao momento de se descrever desse jeito. 

Mito nº 2: São Nicolau era um homem alegre com um casaco vermelho 

De 1931 a 1964, o artista Haddon Sundblom pintou cenas encantadoras e calorosas da casa e do lar do Papai Noel para a Coca-Cola. Norman Rockwell retratou o Papai Noel para o Saturday Evening Post parecendo alegre e feliz. E antes disso, Thomas Nast desenhou o bom velhinho para o antigo jornal americano Harper's Weekly, com seu tradicional casaco vermelho, barba branca, barriga redonda e cachimbo. 

Nast pode ser creditado por criar os principais aspectos do visual do Papai Noel em seus desenhos fantasiosos e imaginativos, os quais datam da segunda metade do século XIX. 

Mas durante a vida do santo, Nicolau teria usado uma simples túnica e um manto, assim como outros ministros cristãos de sua era. Casacos de pele não eram necessários na costa Mediterrânea. Ele também não teria vestido roupas bordadas de vermelho ou verde, mitra, estola, luvas e anéis, como é frequentemente o caso das estatuetas ornamentais do “velho mundo” que o representam. Na verdade o cristianismo era uma religião minoritária, perseguida e proibida durante cerca de dois terços da vida de Nicolau. Ele provavelmente não teria tido os recursos financeiros para adquirir o figurino, e mesmo que tivesse, não seria prudente que andasse pela cidade usando isso. 

Tampouco o santo se destacou pela sua disposição e alegria. No que foi sem dúvida o incidente mais importante da vida de Nicolau, registrado pela primeira vez em meados do século VI, ele interveio em um processo judicial e interrompeu uma decaptação. No último minuto, ele impediu o executor de cumprir seu dever e confrontou o juiz que havia dado a sentença. Nicolau repreendeu o juiz Eustathius até que ele admitisse que havia aceitado suborno. O episódio não era sobre generosidade jovial, mas sim uma determinação dura para se opor à injustiça. Tudo isso para ser lembrado por "ho ho ho". 

 

Mito nº 3: Os presentes de São Nicolau inspiraram sua lenda

Um artigo da revista National Geographic que segue a transformação de Nicolau de santo a Papai Noel cita um "conto conhecido" em que "três jovens são salvas de uma vida de prostituição quando o jovem Bispo Nicolau entrega secretamente três sacos de ouro ao pai endividado, para que servissem como os dotes das filhas". Ao descrever a metamorfose festiva de bispo para Papai Noel, o site do History Channel também afirma que o conto dos três dotes é "uma das mais conhecidas histórias de São Nicolau". 

Embora esta seja a lenda que mais diretamente conecta Nicolau ao seu papel de entregador de presentes na tradição contemporânea, sua personalidade ganhou vida graças a uma história completamente mais sombria. Na Idade Média, o conto mais popular sobre Nicolau envolveu um misterioso e repulsivo assassinato. Talvez a versão mais antiga seja de meados do século X e da Baixa Saxônia. Ela conta mais ou menos isso: um malvado inquilino atraiu três crianças, cortou-os e os colocou em compotas em barris de madeira. Nicolau chegou, descobriu a repugnante ação e milagrosamente devolveu a vida àquelas crianças. 

O conto horripilante tornou-se um sucesso instantâneo. Artistas itinerantes encenaram o drama em cidades e vilarejos de toda a Europa. Graças, em parte, a essa história, Nicolau se tornou reconhecido como o protetor e santo padroeiro das crianças. 

 

Mito nº 4: São Nicolau deu um soco em um herege 

A reputação histórica de Nicolau de um severo oponente a qualquer transgressão às vezes é exagerada. No Concílio de Nicéia em 325, a lenda diz que Nicolau deu um soco no herege Ário, que argumentou que Jesus, na sua qualidade de Filho de Deus, não era eterno. Nos anos 1500, os afrescos e ícones da igreja representavam Nicolau batendo em Ário. Talvez você tenha visto os memes mais modernos na internet: um santo bizantino de aparência severa diz: "Enfeitar o salão? Experimente enfeitar o herege". Em outro, ele diz: "Eu vim dar presentes para crianças e socar hereges. E acabei de ficar sem presentes". Os habitantes da Internet ficaram tão encantados com a história que eles já escreveram músicas sobre isso - "I Saw Santa Punching Arius", por exemplo. 

É verdade que o crânio intacto de São Nicolau, fechado em uma tumba em Bari, na Itália, mostra evidências de que seu nariz tinha sido gravemente quebrado. Mas não há nada que sugira que foi um resultado de uma briga com Arius. O incidente foi registrado pela primeira vez no final dos anos 1300, mais de 1.000 anos após a morte de Nicolau, nos escritos de um veneziano chamado Petrus de Natalibus. Na primeira versão, Nicolau bate em um "Arian", mas essa pessoa não poderia ser o próprio Arius, pois ele não era bispo e portanto não acompanhava o concílio. 

 

Mito nº 5: Os restos mortais de São Nicolau não foram descobertos 

Este outono, manchetes sensacionalistas apareceram na web: "Corpo de São Nicolau enterrado em Demre, dizem autoridades" e "Papai Noel morto, dizem os arqueólogos". Arqueólogos que trabalhavam na antiga Igreja de São Nicolau em Demre, na Turquia, detectaram recentemente um espaço aberto ou uma câmara embaixo do piso de azulejos. Embora não o tenham aberto ou inspecionado, eles esperam que a câmara contenha os ossos do santo. Com base em seus esforços, pode-se concluir que, antes deste ano, o lugar de descanso final de São Nicolau era desconhecido. 

Mas é improvável que o túmulo sob a igreja tenha realmente os restos de São Nicolau, que de fato foram descobertos - muitas vezes. Após a sua morte, entre 333 e 343, o túmulo de Nicolau em Demre tornou-se um destino internacional para os peregrinos cristãos no caminho para a Terra Santa. Então, em 1087, 62 marinheiros de Bari, Itália, desembarcaram, quebraram o túmulo e retiraram os ossos, levando-os a bordo do navio e entregando-os a Bari no dia 9 de maio. Dez anos depois, os marinheiros venezianos entraram na igreja em Demre, rasparam todos os fragmentos de osso que puderam encontrar e os levaram para Veneza. 

Pesquisadores do centro de estudos Relics Cluster da Faculdade Keble, da Universidade de Oxford, dataram ao século IV um fragmento de osso pélvico atribuído a São Nicolau, o que se alinha ao período de vida do santo. O osso, adquirido de uma coleção em Lyon, na França, reside agora em Morton Grove, Illinois (Estados Unidos). Mais provável é que São Nicolau esteja em todo o mundo - e, claro, em nossos corações. 

 

Adam C. English é chefe do departamento de estudos do Cristianismo na Universidade de Campbell, autor de “The Saint Who Would Be Santa Claus: The True Life and Trials of Nicholas of Myra" (O Santo que seria Papai Noel: a verdadeira vida e experiências de Nicolau de Mira).

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