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Episódios de cancelamento invertem o propósito da aprendizagem, que implica certo nível de desconforto inerente, bem como uma condição básica para a pesquisa acadêmica, a liberdade.
Episódios de cancelamento invertem o propósito da aprendizagem, que implica certo nível de desconforto inerente, bem como uma condição básica para a pesquisa acadêmica, a liberdade.| Foto: Bigstock

Greg Patton é professor de Administração da University of Southern California, pelo menos por enquanto. Ele estava dando uma aula online sobre o uso de “palavras de preenchimento” na fala quando usou um termo que soou parecido com uma ofensa racista. “Se você tem muitos ‘ums’ e ‘errs’, isto é culturalmente específico, baseado na sua língua nativa. É igual na China, a palavra mais comum é ‘isso, isso, isso’. Então na China poderia ser ‘nèi ge, nèi ge, nèi ge’”, disse o professor [que soa parecido com nigger, um termo considerado racista nos EUA].

E por ter cometido o ultrajante ato de repetir uma expressão chinesa, ele foi colocado de licença pela universidade. Patton é um dos mais recentes casos de acadêmicos vítimas da cultura do cancelamento nos campi.

Seu caso também serve como um aviso de que, embora a cultura do cancelamento seja um fenômeno real que se apresenta como um claro risco à liberdade acadêmica, ela pode esconder um perigo ainda mais insidioso: o despotismo suave da conformidade.

O nome de Patton agora ficou conhecido, e ainda bem que é assim, entre os defensores da liberdade acadêmica. Seu caso ilustra os embaraços bizarros aos quais o cancelamento está inclinado. Ele estava ensinando os estudantes sobre o idioma chinês e a cultura daquele país, e ainda assim foi cancelado em nome da diversidade cultural.

A aula de Patton dizia respeito ao uso da linguagem, mas ainda assim seu reitor Geoffrey Garrett usou indevidamente a palavra obrigatória “segurança” (que de acordo com o Dicionário Oxford significa “o estado de ser protegido contra danos ou lesões”) para descrever a ansiedade sentida pelos alunos ofendidos.

Esses episódios são todos problemáticos. Eles invertem o propósito da aprendizagem, que implica um certo nível de desconforto inerente, bem como uma condição básica para a pesquisa acadêmica, a liberdade. O cancelamento de Patton ocupa uma categoria especial, e talvez especialmente absurda, no sentido de que ele nem sequer expressou uma ideia controversa daquelas que a liberdade acadêmica deveria proteger.

Mas esses casos explícitos da cultura do cancelamento trazem uma vantagem: eles são bem visíveis e se tornam bem conhecidos. Quanto mais notórios forem, mais atenção eles chamam. Uma questão maior paira por detrás: quem nunca fala em primeiro lugar? Pode-se imaginar professores iniciantes, em particular, tomando o caso de Patton como um aviso: ofendeu estudantes, vai ser suspenso.

Os casos mais difíceis – que são, diferente dessas situações pontuais que ganham repercussão, desconhecidos – são aqueles nos quais os acadêmicos restringem a própria língua não por medo, mas sim por cansaço. Para eles, não se trata das consequências geradas pela controvérsia, e sim se eles têm tempo e energia para entrar na polêmica.

A resistência não é inútil; é simplesmente exaustiva. Supostas ofensas e o silenciamento que elas trazem são eventos identificáveis que tendem, pelo menos entre aqueles que se preocupam com elas, a virar notícia. A autocensura, quando é realmente autoconsciente, é como o cão que nunca latiu, e justamente por isso não vira notícia.

A dinâmica do cancelamento é pelo menos tangível. Pessoas são ofendidas. Elas fazem protestos ruidosos e exigem reparação. Geralmente, sua intenção é que haja reeducação e supressão. Mas sabemos quando isso ocorre, e podemos nos opor a isso. Para deixar claro, o cancelamento é o porrete da conformidade. Sua influência como condição de fundo é inegável.

Mas a intenção daqueles que buscam a obediência pelo caminho mais suave não é necessariamente hostil ou pesada. Eles podem, pelo contrário, perceber-se sinceramente como caridosos. A dinâmica resultante é menos severa e possivelmente mais insidiosa: são os que policiam, ou melhor, moldam a fala não com a intenção de suprimir a dissidência, mas sim no que consideram ser a suposição benevolente de que todos concordam com eles.

Esta atitude é familiar nos meios acadêmicos, mas também escapa para fora de seus muros. Fica evidente em conversas que não se destinam a reeducar, mas sim reforçar o que se supõe ser tido como verdadeiro por todos.

Muitos dos proponentes da teoria crítica racial – cuja ideia animadora é que a raça é a única coisa significativa, a única lente pela qual todos os outros fenômenos devem ser observados – estão realmente tentando forçar uma conformidade.

Mas eles ainda trabalham sob a crença de que todos concordam com eles. Para esse público, isso é um ato sincero de caridade: pessoas razoáveis concordam comigo, e todas as pessoas com quem eu me encontro são razoáveis.

Há a suspeita, por exemplo, de que o treinamento sobre teoria crítica racial suspenso recentemente pelo presidente Donald Trump em agências federais é na maioria das vezes menos destinado a forçar cada indivíduo a obedecer a um padrão do que refletir uma suposição de que todos já o fazem.

Na verdade, isso traz resultados bizarros: a uniformidade em nome da diversidade; a educação centrada no que supostamente já é conhecido. Mas enquanto o tom do noticiário é colocar os defensores da teoria crítica racial contra seus adversários, aqueles que adotam uma abordagem mais suave para atingir essa conformidade podem não ser vistos como guerreiros da justiça social. Guerreiros apreciam a luta. E isso é menos sobre guerra e mais sobre burocracia.

É sobre uma uniformidade de opinião que não precisa ser conquistada na base da briga, e sim por procedimentos repetitivos que refletem uma vitória que já foi alcançada. É ficar mais intrigado do que indignado com esta ação de Trump.

É algo que se manifesta na forma de uma deflação constante da linguagem. Programas baseados na teoria racial crítica, segundo um artigo publicado recentemente no site Politico, foram descritos como “treinamentos de igualdade racial”.

Será que o autor do artigo quis, de forma consciente, tornar sua linguagem benigna de modo a esconder a controvérsia que realmente cercava esse treinamento? Talvez. Mas, e esta é a possibilidade mais sutil – e, portanto, mais perigosa -, talvez não.

A repetição casual e acrítica de termos como “racismo sistêmico” sugere suposições semelhantes. Por que, é de se perguntar, os americanos estão assinando petições cobrando punições individuais quando esses comportamentos individuais são produto de um “sistema”?

Jornalistas têm interesse pela integridade das palavras. Elas são a matéria-prima dos escritores. Um modelo de negócio que desvaloriza tanto assim a própria matéria-prima não se sustentará por muito tempo. Uma política que trafega em contradições se dividirá ainda mais porque muitas pessoas passarão a se ver como falantes de uma outra língua.

Greg Weiner é cientista político do Assumption College, pesquisador visitante do American Enterprise Institute e autor de "Old Whigs: Burke, Lincoln e a Política de Prudência".

© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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