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Gal Gadot como Mulher Maravilha: modelos de referência, como um presidente negro, uma juíza latina da Suprema Corte, uma cineasta negra ou uma super-heroína israelense fazem mesmo a diferença | Clay Enos/Warner Bros. Pictures
Gal Gadot como Mulher Maravilha: modelos de referência, como um presidente negro, uma juíza latina da Suprema Corte, uma cineasta negra ou uma super-heroína israelense fazem mesmo a diferença| Foto: Clay Enos/Warner Bros. Pictures

"Ela é tão forte", repetia para a mãe a garotinha sentada ao meu lado na sessão de "Mulher Maravilha" a que assisti, no Brooklyn. Às vezes, tapava os olhinhos. Era a primeira cena de luta e eu estava tentando não soluçar. 

Meia hora antes, eu pensara seriamente em não ver o filme, afinal nunca tinha lido a HQ; não era superfã. O último longa de ação que vira foi "Batman", o remake antes do remake, na sala de estar dos meus pais e com meus irmãos mais novos, em algum ponto entre a metade e o final da década de 90. 

No entanto, com vinte minutos de exibição da versão da diretora Patty Jenkins para a história da DC Comics, as lágrimas surgiram, incontroláveis, enquanto as amazonas pulavam e deslizavam, intensas, fortes e, ao mesmo tempo, graciosas, lutando com movimentos que davam a impressão de terem sido coreografados para o corpo feminino (e que, na verdade, foram mesmo). Quer dizer, as roupas eram meio absurdas: as sandálias gladiador que usavam pareciam ter salto. Apesar disso, foi bem como Jill Lepore, autora de "The Secret History of Wonder Woman", descreveu na New Yorker: "Não me orgulho de me sentir bem vendo uma mulher de tiara dourada e botas de cano altíssimo dar uma surra em hordas de homens maus, mas foi o que aconteceu." 

De fato, fiquei orgulhosa. Como também legiões de mulheres que conheço que levaram as filhas, sobrinhas, sobrinhos, alunas, ou simplesmente foram sozinhas, aos montes, inclusive a sessões exclusivamente femininas, e saíram da sala de exibição com um estranho sentimento de ferocidade. Uma amiga comprou imediatamente 40 ingressos para um grupo de garotas do qual é mentora, incluindo todas suas amigas. Um grupo de escritoras arrecadou mais de US$7 mil com uma campanha no GoFundMe para levar meninas de Nova York para vê-lo. 

"Fiquei surpresa de perceber que algo tão corriqueiro como um filme me afetou tanto. Gostaria de poder voltar no tempo e assisti-lo com a minha versão de oito anos de idade", diz Ruth Wilner, 45 anos, que viu o filme com o marido, em Sacramento. 

 De fato, há algo profundamente visceral nele: a imagem de uma heroína de quem nem sabíamos precisar, cujo gênero era tudo e nada ao mesmo tempo. Sim, é uma super-heroína, do tipo que pode inspirar as meninas a se fantasiar, brincar de faz-de-conta e se autodenominarem deusas amazonas – mas é também apenas um super-herói que, por acaso, é mulher. Como afirmou a diretora em entrevista para o Times: "Eu não estava dirigindo uma mulher, mas sim um herói." 

Representação

George Orwell uma vez disse que o clichê na linguagem produz clichês de pensamento. O mesmo pode ser dito sobre a narração visual de uma história – que, segundo os especialistas, é processada milhares de vezes mais rápido que a palavra escrita. Apesar disso, grande parte da mensagem que recebemos sobre quem pode fazer o que no mundo é subliminar, ou seja, na ausência; o que está faltando é mais forte do que o que realmente está sendo mostrado. Às vezes é a falta de vozes, de papéis representativos, de perspectivas; a invisibilidade de certos tipos de personagens. Inclui o cinema, a publicidade, a imprensa, a música, os filmes de ação, videogames e bancos de imagens. Às vezes, muitas vezes, nem percebemos, até que a coisa muda. Estamos acostumados com a maioria branca e masculina como padrão. 

Aí, de repente, você é uma mulher de 35 anos sentada no cinema, vê aquilo de que sente falta – chefe, especialista, presidente ou o super-herói virtuoso que, por acaso, é uma mulher – e sente um clique. Ah, é isso que as pessoas querem dizer quando falam de representação. É por isso que é tão importante. 

Não é surpresa para ninguém o fato de a indústria cinematográfica estar saturada: segundo pesquisa do Instituto Geena Davis sobre o Gênero na Mídia, 81 por cento dos personagens que trabalham em 21 filmes de censura livre, lançados de setembro de 2006 a setembro de 2009 são masculinos. Os homens têm mais chances de serem caracterizados como médicos, executivos, advogados ou políticos (sabe como é, todos aqueles setores em que precisamos de mais mulheres). 

Na dublagem, a coisa não melhora: as mulheres ocupam menos de um terço dessas posições em todo o mundo, de acordo com o balanço dos 700 filmes que mais faturaram de 2007 a 2014 feito pela Universidade do Sul da Califórnia. Nem as princesas da Disney são os personagens com mais falas em seus próprios filmes: em "Frozen", por exemplo, os personagens masculinos falam 59 por cento do tempo. Segundo uma contagem, o tempo total de fala das personagens femininas de "Guerra nas Estrelas", com exceção da Princesa Leia, é de 63 segundos. Sim, total. 

Não posso dizer que percebi ser tão pouco, pelo menos não quando eu era criança. Para mim era a coisa mais normal. 

Mas sabe aquele ditado que fala que "você não pode ser o que não vê" – ou, talvez ainda melhor, só pode ser aquilo que vê? Serve para provar que as mulheres, os negros, os gays, os trans, os deficientes e os não conformativos de gênero precisam ver gente como eles; reforça a ideia de que modelos de referência, como um presidente negro, uma juíza latina da Suprema Corte, uma cineasta negra ou uma super-heroína israelense fazem mesmo a diferença. 

Inspiração

"Quanto mais uma garota consome da mídia, menos opções ela acredita ter na vida", ouvi Geena Davis dizer no palco, alguns anos atrás, participando de uma conferência. Como afirmou depois para o Guardian, "As pessoas podem se inspirar ou se sentir limitadas pelo que veem." 

De acordo com pesquisa feita pelo instituto da atriz, só o fato de ver uma personagem fictícia no papel presidencial fez com que o público se mostrasse mais disposto a votar em uma mulher para o cargo. 

"O fato de ter mulheres em papéis poderosos na tela desafia a visão limitada e antiquada de liderança de antigamente. Ter uma mulher no cargo de CEO ou, no caso, a Mulher Maravilha atravessando a Terra de Ninguém e sendo atacada pelo inimigo, amplia nossa noção de quem pode ser líder e os traços de personalidade que exemplificam", argumenta Stacy L. Smith, professora de Comunicação da Universidade do Sul da Califórnia, cuja pesquisa focaliza a diversidade na mídia. 

Não, não queremos que as garotas se empenhem para se tornarem apenas super-heroínas – mas queremos que acreditem que têm força para se transformarem nelas, se quiserem. 

*Jessica Bennett é autora de "Feminist Fight Club: A Survival Manual for a Sexist Workplace”

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