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Mohammed Fath (à direita) e outros moradores de Mosul jogam sinuca no Captain, casa de bilhar popular na cidade. | Alex PotterThe Washington Post
Mohammed Fath (à direita) e outros moradores de Mosul jogam sinuca no Captain, casa de bilhar popular na cidade.| Foto: Alex PotterThe Washington Post

O salão de bilhar Captain, na zona leste de Mosul, mostra poucos sinais de que ainda há uma guerra sendo travada nesta cidade ou que no início do ano o Estado Islâmico dominava este lugar. 

O salão enfumaçado, desde a década de 1990 ponto de encontro de jogadores e apreciadores de bilhar, exala um charme desgastado, algo que se reflete em seus frequentadores, agora de volta às mesas depois de passar mais de dois anos impedidos de curtir seu passatempo favorito. 

Pouco depois de o Estado Islâmico ter assumido o controle de Mosul, no verão de 2014, bater bolas coloridas com um taco coberto de talco tornou-se uma das muitas atividades que o grupo considerava anti-islâmicas, coisas que desviavam o pensamento das pessoas da jihad. O EI ordenou o fechamento dos salões. 

Com os militantes agora expulsos da zona leste da cidade, o Captain é um entre mais de uma dúzia de salões de bilhar reabertos, à medida que os moradores da cidade tentam recuperar a normalidade em suas vidas. Também foram abertos clubes novos, cujos donos apostam que os moradores de Mosul vão querer curtir alguns dos prazeres que foram proibidos pelos militantes. 

“Não queremos ganhar – queremos alegria”, comentou o proprietário da casa, Faris al-Abdali, árbitro internacional de bilhar, enquanto concluía uma partida. “A roda da vida voltou a girar, mas ainda está lenta.” 

Ninguém se abala com o som de explosões distantes que de vez em quando se eleva sobre a música, também proibida no autoproclamado califado do EI, ao lado dos cigarros e narguilés fumados pela clientela. 

  • Mohammed Fath (right) and other locals play pool at Captain, a popular club in Mosul, Iraq, last month. MUST CREDIT: photo for The Washington Post by Alex Potter.
  • Iraqi boys play billiards at Captain in Mosul, Iraq on April 28, 2017. MUST CREDIT: photo for The Washington Post by Alex Potter.
  • Faris al-Abdali the owner of the popular billiards club
  • Balls are racked for a game at the Captain club in Mosul, Iraq, on April 28, 2017. MUST CREDIT: photo for the Washington Post by Alex Potter.
  • Iraqi Federal Police members take a break at the Captain pool hall in Mosul, Iraq, one smoking a water pipe and both checking their cellphones, on April 28, 2017. MUST CREDIT: photo for The Washington Post by Alex Potter.

Paz frágil

Mosul está dividida, com forças iraquianas ainda travando uma batalha brutal contra o Estado Islâmico na outra margem do rio Tigre, que passa pelo coração de uma das maiores cidades do Iraque. Após uma guerra de sete meses, os militantes estão cercados nos poucos distritos que ainda controlam, juntamente com centenas de milhares de moradores encurralados com eles, convivendo com a escassez de alimentos e os bombardeios diários. 

Mas a vida vem voltando pouco a pouco ao lado oriental da cidade, reconquistado totalmente do EI este ano. Os estudantes voltaram à escola e estão tentando recuperar os anos de aulas perdidas. Lojas foram reabertas, com manequins nas vitrines recém-recolocadas expondo roupas coloridas, proibidas durante o domínio dos militantes. 

Mas morteiros disparados do outro lado do rio ainda abalam a paz frágil, sem falar em ocasionais carros-bomba, enquanto novas ondas de famílias vindas do oeste chegam todos os dias em busca de refúgio. A população traumatizada sabe que os militantes estão a pouca distância. 

37 dias na prisão do EI

Abdali estava apreensivo quando reabriu seu salão, dois meses atrás. Ele posicionou um vigia na rua para ficar de olho em possíveis atividades suspeitas. Seu receio é que seu clube possa virar alvo de um ataque. 

“Eu estava muito nervoso. Ainda não sentimos confiança total no exército”, ele explicou, lembrando que três anos atrás os soldados do governo abandonaram a cidade em massa diante do ataque do EI. 

Abdali tinha acabado de retornar a Mosul depois de ser árbitro em um torneio internacional de sinuca nos Emirados Árabes Unidos quando os militantes assumiram controle da cidade. Ele conta que discutiu com eles quando apareceram em seu salão e lhe mandaram fechar as portas. Uma semana depois, os militantes o prenderam. Abdali passou 37 dias numa prisão do Estado Islâmico, 35 dos quais em solitária e no escuro total. 

“Ainda estou psicologicamente marcado por isso”, ele comentou. 

Abdali, que tem 56 anos, aprendeu a jogar bilhar nos anos 1970. Operários sul-coreanos da construção civil que trabalhavam com seu pai tinham uma mesa e o ensinaram a jogar. 

Ele contou que o bilhar e a sinuca ganharam popularidade em Mosul nos anos 1980, especialmente entre estudantes na cidade universitária. Segundo Abdali, antes da chegada do Estado Islâmico havia mais de 400 salões de bilhar na cidade. 

Ele abriu o salão Captain em 1997, depois de ser gerente de outro salão popular na cidade. O tema náutico da casa está presente em um leme de madeira pendurado de uma parede. Outra parede ostenta uma estante com troféus de latão. 

Bomba na porta

Abdali lembra com saudades a época em que torneios nacionais de bilhar aconteciam no clube e ele tinha uma equipe grande de funcionários uniformizados. 

Os donos de salões de bilhar de Mosul começaram a enfrentar dificuldades muito antes de o Estado Islâmico tomar controle da cidade. Quando fortaleceram seu domínio, o EI e seu predecessor, a Al Qaeda, começaram a extorquir dinheiro dos salões. Desde 2005 Abdali já vinha pagando US$200 por mês a título de “proteção”, só para manter o salão aberto. “Não tínhamos escolha”, ele disse. “Se você não pagasse, eles plantariam uma bomba na porta.” 

Ele diz que era inútil prestar queixa às autoridades iraquianas, totalmente corruptas. Mas hoje, pela primeira vez em décadas, ele está conseguindo operar sem pagar propina a extremistas. Abdali espera que essa situação perdure e que a vida volte completamente ao normal. 

Por enquanto, as pessoas ainda têm receio de sair à noite, e o toque de recolher na área significa que os fregueses só podem ficar até as 20h. Do outro lado da rua fica o campus da Universidade de Mosul, antes uma das mais respeitadas instituições de ensino da região. As ruínas da universidade lembram a todos sobre a tarefa gigantesca que será reconstruir a cidade. 

O freguês voltou

Em 2015, para cortar o suprimento de dinheiro do Estado Islâmico, o governo iraquiano parou de pagar os salários dos funcionários públicos em Mosul, deixando muitos moradores da cidade sem renda por dois anos. Os salários ainda não voltaram a ser pagos, mas alguns funcionários, como os professores, já voltaram a trabalhar na zona leste da cidade. 

Sem receita, muitos moradores têm dificuldade em conseguir dinheiro para alimentos e não têm como pagar por passatempos como bilhar e sinuca, disse Abdali. Mesmo assim, alguns de seus fregueses regulares estão de volta. 

Salim Younes é um ex-piloto da força aérea iraquiana e vem ao salão quase diariamente. Trajando um conjunto de moletom branco com detalhes em roxo, azul e verde néon, seu jogo favorito é o “three ball”, uma variação do bilhar. A reação é de espanto entre os frequentadores mais jovens, um dos quais disse que é “um jogo dos anos 1970”. 

Younes disse que a vida estava em recesso até agora. 

“Passo a passo vamos chegar lá.” 

Garotos reunidos para jogar bilhar trocavam histórias sobre suas proezas sob o domínio dos militantes. Mohammed Ibrahim, um rapaz de 16 anos que serve bebidas aos presentes, vendia cigarros clandestinamente e passou algum tempo nas prisões do Estado Islâmico. Ele vendeu seu último maço de cigarros por 32 mil dinares, cerca de US$25. Hoje o maço sai por apenas 500 dinares. 

O professor de educação física Mohammed Fathi, 37 anos, mostra vídeos dos meninos no clube de futebol que ele organizou sob as milícias. 

“Fiz aquilo para que os meninos seguissem outro rumo na vida, longe do Estado Islâmico”, ele contou. 

Muitas pessoas ainda têm familiares que não conseguiram fugir das áreas sob domínio do Estado Islâmico, do outro lado do rio. Ali os combates vêm sendo intensos, com bairros inteiros sendo arrasados, fato que vai dificultar a reconstrução. 

“A alegria voltou, mas ainda não está completa”, acrescentou Fathi. “Só estará quando a luta terminar do lado oeste da cidade. Quanto ao futuro, não sabemos o que vai acontecer.” 

Com reportagem de Mustafa Salim, do “Washington Post”

Tradução de Clara Allain
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