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O CEO da FTX, Sam Bankman-Fried: ensinado pelos pais aos doze anos a fazer uma defesa filosófica do aborto, ele se tornou vegano e liderou uma campanha estudantil contra o agronegócio quando calouro no MIT
O CEO da FTX, Sam Bankman-Fried: ensinado pelos pais aos doze anos a fazer uma defesa filosófica do aborto, ele se tornou vegano e liderou uma campanha estudantil contra o agronegócio quando calouro no MIT| Foto: Reprodução YouTube

A FTX, uma casa de câmbio de criptomoedas, e Sam Bankman-Fried, seu então CEO de 30 anos, em tese mudariam o mundo. Podem ter mudado, mas não do jeito esperado.

Não havia nada de revolucionário no negócio da FTX ou na fraude que ela parece ter cometido. O problema fundamental da FTX era bem simples: seus seguros de responsabilidade eram reais, mas muitos dos seus recursos não eram. Como se chegou até aí, é mais complicado. Como Matt Levine escreveu para o Bloomberg Opinion, "a FTX levou o dinheiro dos clientes e trocou-o por um saco de feijões mágicos, e agora esses feijões não valem nada".

A maneira mais simples em que a FTX poderia funcionar seria só como câmbio. Vocês querem comprar uma criptomoeda por dez dólares, a FTX age como intermediária para alguém que tenha essa criptmoeda e quer vender; a FTX faz o negócio acontecer e cobra uma taxa. Mas, é claro, a FTX poderia ganhar mais dinheiro investindo seus dez dólares e pegando empréstimos para fazer o negócio. Se conseguir uma taxa de retorno mais alta do que os juros do empréstimo, embolsa a diferença como lucro. Não há nada de inerentemente errado nisso, e muitos negócios financeiros funcionam assim.

O problema surge quando a coisa que você usou como garantia do empréstimo não existe. É onde entram os feijões mágicos. Levine descreve como algo similar a um banco pegar empréstimos usando como garantia as suas próprias ações. Se o banco entrar numa fase de vacas magras, suas ações vão cair, o que quer dizer que a garantia foi pro espaço. A essa altura, quem estiver com os seguros de responsabilidade vai querer todo o dinheiro de volta, o que vai colocar toda a empresa numa espiral de morte em cinco minutos.

Foi isso, em suma, o que aconteceu com a FTX. Cerca de dois terços do valor dos "recursos" da FTX eram duas moedas que a FTX criou, chamadas FTT e Serum. Desde quando criou as moedas, seu valor era uma função da confiança do mercado na FTX, similar a um preço de ações. Quando o mercado pegou os esquemas de Bankman-Fried, o valor da FTT e da Serum despencaram, bem como despencaram quaisquer esperanças que a FTX tinha de pagar os seus clientes.

Tudo isso seria totalmente previsível, exceto pelo fato de que o balanço patrimonial da FTX não era público. Graças à declaração de falência, agora sabemos que a FTX não mantinha nada parecido com demonstrações financeiras em muitos dos seus negócios. Quando os menores detalhes se tornaram públicos por meio de uma planilha do Excel, camaradas como Levine (e até camaradas bem menos espertos do que Levine) puderam entender as coisas num segundo. O termo técnico em finanças para o que a FTX fazia é "estupidez óbvia".

Mas Bankman-Fried conseguiu escapar do ceticismo falando de altruísmo eficaz e sendo um bom Democrata. Altruísmo eficaz — que, como vocês sabem, tem esse nome para se distinguir do altruísmo — é uma aplicação da filosofia utilitária à caridade, segundo a qual acumular riqueza pessoal é uma coisa boa, desde que você planeje doá-la de modo eficaz aos pobres. (Convém que a parte de acumular riqueza pessoal venha primeiro.) O pai intelectual do altruísmo eficaz é Peter Singer, o filósofo famoso por defender em sua Ética Prática — que, como vocês sabem, tem esse título para se distinguir da ética — que o infanticídio pode, em alguns casos, ser moralmente justificado.

Bankman-Fried é da elite esquerdista e está conforme os padrões de qualidade. É filho de dois professores de Direito de Stanford e foi para a Crystal Springs Uplands School, perto de São Francisco (a mensalidade de 2022–23 é de 56.620 dólares, o que pode parecer salgado, mas inclui "lanches diários", segundo o site da instituição). Ensinado pelos pais aos doze anos a fazer uma defesa filosófica do aborto, ele se tornou vegano e liderou uma campanha estudantil contra o agronegócio quando calouro no MIT. Na eleição de 2022, o único indivíduo que doou mais dinheiro aos candidatos Democratas do que Bankman-Fried foi George Soros.

Então, quando Bankman-Fried ficou rico, ele em tese deveria salvar o mundo com o utilitarismo racionalista, e os progressistas iriam festejar. Esse era o suposto plano o tempo todo, e você deveria acreditar que isso é o melhor de tudo, depois dos dividendos semestrais. Agora, a FTX Foundation, um Gosplan de caridade encarregado de levar adiante a visão de Bankman-Fried, disse que não seria mais capaz de honrar muitas das bolsas que criara, e todo o time executivo da fundação estava demitido. [O Gosplan era o comitê de planejamento econômico soviético. (N. t.)]

Quando perguntaram a Bankman-Fried se ele seria o primeiro trilionário do mundo, ele não descartou a possibilidade, mas prometeu nunca comprar um iate. (Eu também prometo nunca comprar um iate; vocês têm a minha palavra.) Essa promessa deveria fazer dele uma espécie de magnata superior, mas deveríamos preferir o consumo conspícuo a qualquer coisa que Bankman-Fried estivesse fazendo.

Parte da promessa das criptomoedas é que os intermediários seriam desnecessários e que as finanças descentralizadas poderiam funcionar sozinhas, sem grandes bancos, nem intermediários. Mas antes de chegarmos a paragens mais verdes, aparentemente, operações cambiais como a FTX tornarão seus executivos absurdamente ricos. A FTX gastou como se fosse uma gigante, comprando anúncios camisas de árbitros de basquete, direitos de nome na arena de Miami Heat e um comercial do Super Bowl no qual aparecia Larry David.

Parte do propósito dessa gastança era, provavelmente, fazer a FTX parecer muito maior do que era de verdade. Em geral, os mercados financeiros ficaram incólumes com o colapso da FTX, já que instituições financeiras comuns tiveram a sabedoria de evitar se envolver demais com empresas de criptomoedas.

Quase toda matéria menciona que a FTX já valeu 32 bilhões de dólares, mas só foi uma avaliação transitória, e na grande trama da economia dos EUA, 32 bilhões não é tanto assim. É mais ou menos o mesmo que o mercado de capitalização do Dollar Tree ou Old Dominion Freight Lines. É cerca de metade do mercado de capitalização de Sherwin-Williams ou Colgate-Palmolive. (E, ao contrário da FTX, os recursos dessas empresas existem.) Para um ponto de referência diferente, pensem que a CVS ganhou 32 bilhões em menos de dois meses no ano passado, ou que o governo federal gasta 32 bilhões em menos de dois dias.

O congressistas não são muito informados quanto à maioria dos assuntos, mas eles estão bem por fora dos assuntos relativamente novos e tecnológicos como as criptomoedas. Fazer a FTX parecer importante de verdade ajudaria Bankman-Fried a regular a indústria da criptomoeda, o que ele defendia toda vez que ia a Washington — na Casa Branca, no Capitólio e onde desse. É claro que a regulação seria necessária só agora, quando ele já é bilionário e está no topo da cadeia alimentar; quando comprou um monte de outras empresas de criptomoedas e a FTX estaria em melhor posição para obedecer à compliance que o seu fundador ajudasse a estruturar.

Mas nenhuma regulação salvou Bankman-Fried. Seus truques foram expostos porque o povo começou a fazer perguntas. A motivação final por detrás dessas investigações era bom-senso nos negócios. O mercado, por meio de mecanismos ordinários baseados em informações agora precisas, diminuiu o seu valor líquido de 20 bilhões para zero num dia.

O mercado provavelmente teria enxergado as suas mentiras antes, se as pessoas não fossem tão tomadas por seu papo e por sua personalidade envolvente. (Para ser sincero, sua personalidade deveria ter dado mais pistas às pessoas — ele jogava videogame durante as entrevistas, costumava praguejar casualmente e, certa feita, descreveu de modo franco algo parecido com um esquema de pirâmide quando perguntado sobre seu modelo de negócios — mas a imprensa engoliu tudo.) A finalidade primária da FTX, aos olhos de quem trabalhou lá, era o bem que ela faria por meio de suas futuras doações.

Todos estamos familiarizados com os compromissos morais feitos na busca egoísta por dinheiro. O que o fracasso da FTX demonstra são os compromissos morais que podem tomar lugar na busca supostamente altruísta por dinheiro. Parece que não são tão diferentes. Se você realmente acreditar que dá para aprimorar a razão humana com inteligência artificial, criar um plano operacional para alimentar o mundo após uma guerra nuclear e inventar uma maneira imparcial e confiável para fazer a análise custo-benefício de tudo (todas essas são ideias que constam no site da FTX Foundation, que dizia estar interessada em financiá-las), então o único obstáculo é levantar capital suficiente para financiar tudo isso, e se você puder levantar esse capital trocando recursos virtuais com uns truquezinhos financeiros, isso pode até ser duvidoso, mas o mundo irá agradecer no final.

As pessoas que deveriam temer mais o cenário após o colapso da FTX não estão nas criptomoedas, embora tais investidores devam ficar preocupados quanto à possibilidade de uma regulamentação mais pesada e o efeito que a FTX possa ter ao macular todo o conceito das criptomoedas. A FTX está longe de ser o único negócio que pôs alguma visão utópica do aprimoramento social à frente da provisão de produtos para clientes pagantes. Outros homens de negócios não ficaram tão conhecidos ao fazerem isso, e seu colapso não seria tão espetacular. Mas a FTX provou que o reconhecimento de metas baseadas em mercado versus negócios reais não só é possível, como pode ser relativamente fácil e rápida. Devemos ficar atentos a outros CEOs do bem que acreditam que o mundo irá lhes agradecer no final.

©2022 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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