| Foto: Loic Venance/AFP

A Cambridge Analytica, empresa de dados com sede em Londres que forneceu serviços para campanhas políticas, é alvo de holofotes graças a uma série de revelações chocantes. Filmagens secretas, com testemunhos e evidências fornecidas por ex-empregados que se tornaram delatores mostraram negociações obscuras em todo o mundo. A empresa coletava secretamente dados de dezenas de milhões de usuários do Facebook e pode ter participado de todos os tipos de trapaças offline, incluindo subornos e chantagem sexual, para ajudar clientes a ganhar eleições.

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Grande parte da imprensa americana focou nas conexões da Cambridge Analytica à campanha eleitoral de Trump e de figuras de destaque da extrema-direita americana, incluindo o pai e filha financistas Robert Mercer e Rebekah Mercer e o ultranacionalista Steve Bannon. Para alguns espectadores, as revelações sobre as práticas da empresa se encaixam em uma narrativa maior de manipulação e interferência internacional nas eleições americanas de 2016.

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Mas, como meu colega no Washington Post, Adam Taylor, explicou, é possível argumentar que a empresa teve um impacto maior ainda em outras partes do mundo, geralmente por meio de organizações que escondem seus rastros. A Cambridge Analytica alega ter trabalhado em uma série de países, incluindo Austrália, Brasil, Malásia e México. Relatos sugerem que essa lista está longe de estar completa; uma empresa afiliada, chamada SCL Grupo, que fundou a Cambridge Analytica em 2013, tem escritórios na Ásia e América Latina e é conhecida por ter se envolvido em eleições locais na Índia em 2010.

A emissora britânica Channel 4 News também colocou no ar uma filmagem secreta do diretor da empresa, Alexander Nix, alegando que eles comandaram secretamente as eleições de 2013 e 2017 do presidente queniano, Uhuru Kenyatta.

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“O que sabemos é que a Cambridge Analytica ajudou a prejudicar a democracia do Quênia. Ela manipulou eleitores com propagandas de ataque apocalíptico e manchou a imagem do oponente de Kenyatta, Raila Odinga, como violento, corrupto e perigoso”, concluiu o jornalista queniano Larry Madowo em um editorial furioso no Washington Post. “Os dois rivais podem ter se reconciliado desde então com um aperto de mãos famoso, mas isso não apaga o fato de que vidas inocentes foram perdidas por causa de uma campanha alienante ou que disputas tribais foram reavivadas com efeitos duradouros. É revoltante escutar que o diretor em apuros e agora suspenso, Alexander Nix, admitiu abertamente que as coisas ‘não necessariamente precisam ser verdade, desde que acreditem nelas’. Isso é neocolonialismo de dados, a mesma interferência estrangeira que Kenyatta fingiu ser contra.”

Mas a Cambridge Analytica, é claro, não é a primeira nem a única empresa a participar dessas artes das trevas eleitorais. Desde quando há eleições, há calculistas e manipuladores ansiosos para ajudar a arranjar os resultados. Também não é o motivo para acreditar com certeza que a empresa foi essencial para determinar os resultados eleitorais recentes, incluindo a vitória do presidente Trump e o sucesso do referendo de Brexit.

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“É possível argumentar que o modelo de negócios da Cambridge Analytica é uma versão sobrecarregada de algo que os partidos políticos tem feito por anos – identificar potencial apoiadores, compilar cenários detalhados do que os afeta e então criar mensagens sob medida para grupos diferentes dependendo do que eles querem ouvir”, apontou a colunista do Guardian, Gaby Hinsliff – apesar de ela ter adicionado que a mineração agressiva de dados pode marcar um “ponto de inflexão”.

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De qualquer modo, a empresa encontrou sucesso e riqueza se envolvendo em uma rica rede de raiva pública. Christopher Wylie, fonte de uma investigação publicada pelo Observer, resumiu a missão: “Exploramos o Facebook para coletar perfis de milhões de pessoas. E construímos modelos para explorar o que sabemos sobre elas e provocar seus demônios”.

Wylie sugeriu que a Cambridge Analytica “encontrou um alto nível de alienação entre americanos jovens brancos com tendências conservadoras” muito antes de Trump declarar sua intenção de concorrer à presidência. Eles continuam: “em análises para testar mensagens para as prévias de 2014, esses eleitores responderam a pedidos para construir um novo muro para impedir a entrada de imigrantes ilegais, a reformas com o objetivo de ‘limpar a sujeira’ impregnada na comunidade política de Washington e a formas de racismo levemente velado contra afro-americanos chamado de ‘realismo racial’, [Wylie] recontou”.

“A única coisa estrangeira que testamos foi Putin”, disse Wylie. “Descobrimos que há vários americanos que gostam dessa ideia de um líder autoritário muito forte e as pessoas ficaram muito defensivas sobre a invasão de Putin na Crimeia.”

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“No centro da fantasia está a ideia de que o mundo é melhor quando é mudado de modo privado, de cima, pelos ricos e poderosos, e não democraticamente, por meio de reforma política”

Anand Giridharadas Escritor

Um grupo de cientistas políticos americanos está realmente preocupado com essa camada de sentimento “autoritário” americano que foi usada como munição na campanha de Trump (e possivelmente pela Cambridge Analytica). Um novo relatório de Lee Drutman, associado sênior na New America, think tank em Washington, alertou que a polarização crescente no governo Trump está provocando atitudes autoritárias no seu partido. A liberação dos “demônios” identificados por empresas como a Cambridge Analytica pode levar a um desgaste drástico da democracia.

O que ainda é hipotético nos Estados Unidos é muito real em outros lugares. Na quinta-feira (21), a Bertelsmann Foundation, uma think tank alemã respeitada, publicou o mais novo índice de saúde da democracia e governo em 129 países em desenvolvimento. Suas descobertas, com base em dois anos de pesquisa e dados, foram sombrias: houve um crescimento de desigualdades sociais em redução da aplicação da lei e das liberdades políticas em cerca de 40 países, incluindo alguns países com democracias avançadas.

“Em cada vez mais países, os líderes do governo estão deliberadamente atrapalhando os números que devem responsabilizar o executivo, portanto, não apenas assegurando seu poder, mas um sistema de patrocínio e a capacidade de desviar recursos estatais para ganhos pessoais”, alertou o relatório. “Ao mesmo tempo, protestos contra desigualdade social, ingerência e corrupção estão crescendo.”

Não está clara a extensão em que as redes sociais exacerbaram essas linhas de falha crescentes. Mas esse turbilhão é um terreno fértil para o lucro. Anand Giridharadas, autor de um livro prestes a ser publicado sobre desilusões das elites de tecnologia no Silicon Valley, desdenha da ideia de que o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, poderia ser um potencial sucessor de Trump.

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“No centro da fantasia está a ideia de que o mundo é melhor quando é mudado de modo privado, de cima, pelos ricos e poderosos, e não democraticamente, por meio de reforma política”, disse Giridharadas para a minha colega Margaret Sullivan.

Esperançosamente, temos mais discernimento. Mas empresas como a Cambridge Analytica estão apostando que não.