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Aos 14 anos, Alma Deutscher já compôs óperas e valsas e tem agenda disputada pelas grandes casas de concertos do mundo todo.
Aos 14 anos, Alma Deutscher já compôs óperas e valsas e tem agenda disputada pelas grandes casas de concertos do mundo todo.| Foto: NYT

Alma Deutscher ainda não é um nome muito conhecido, mas parece apenas uma questão de tempo.

Pianista e violinista competente, ela também é compositora: já escreveu concertos para piano e para violino, além de uma ópera. Em dezembro, estreará no Carnegie Hall, em Nova York, onde tocará as partes de violino e de piano em seus dois concertos, e a orquestra apresentará seleções de sua ópera e de sua obra mais recente, uma valsa vienense. Em julho, ela gravará pela Sony um álbum retrospectivo de melodias de piano que ela vem compondo desde os quatro anos.

O que, na verdade, não é tanto tempo assim, pois Alma Deutscher – que já foi chamada por alguns de "o novo Mozart" – tem 14 anos.

Sentada num sofá na sala de estar da casa de sua família em Viena, com um piano de cauda no centro, Alma, sutil mas claramente, revira os olhos quando ouve a menção a Mozart: uma comparação que ela rejeita. Ela pode até ser um dos maiores talentos musicais de sua geração, elogiada por Zubin Mehta e Simon Rattle, mas também é uma adolescente testando os limites de sua liberdade e reagindo contra as expectativas.

No caso de Alma, reagir é combater seus críticos e os comentários em debates on-line sobre sua insistência em que "a música deve ser bonita".

"Muita gente me diz que, se eu quiser crescer, tenho de compor músicas que reflitam a feiura do mundo moderno", explica. "Não quero fazer isso. Quero compor músicas que eu ache bonitas."

Sua produção mais recente é uma interpretação moderna da valsa vienense. Começa com sons da azáfama de uma rua movimentada e gradualmente se transforma numa valsa romântica que termina com uma melodia graciosa baseada numa sirene da polícia vienense. Em maio último, na estreia com orquestra completa em Sonderborg, na Dinamarca, o público aplaudiu de pé.

Johann Wildner, que regeu a apresentação, elogiou sua criatividade e imaginação harmônica, alertando que não se deve festejar a compositora apenas por sua idade.

"Ela não é boa porque é jovem", afirma Wildner. "Ela é boa porque é extremamente talentosa e amadureceu muito cedo."

Nascida em 2005, Alma passou seus primeiros cinco anos em Oxford, na Inglaterra, onde sua mãe era professora. Embora seus pais sejam acadêmicos, eles também adoram música e tocavam juntos em família, com sua mãe, Janie, ao piano e seu pai, Guy, à flauta. Mas a capacidade de Alma superou rapidamente a de seus pais.

Ela ganhou seu primeiro violino aos três anos e seu primeiro professor chegou a implorar para fazer uma pausa depois de mais de uma hora sem parar. Aos quatro anos, ela ficava horas ao piano, elaborando melodias que, segundo ela, eram canções do mundo imaginário que ela chamava de Transilvânia. Reconhecendo as habilidades extraordinárias de sua filha, Guy Deutscher tentou encontrar um professor disposto a trabalhar com uma compositora em idade pré-escolar, mas a maioria recusou. "Eles pediam que eu ligasse novamente dali a 10 anos – e esses eram os educados."

Fora da escola

Como a fama de Alma se espalhava, os Deutscher desistiram do magistério, mudaram-se para Dorking, no Condado de Surrey, e se dedicaram a administrar a agenda da menina. Guy Deutscher comenta que hoje em dia há tantas pessoas querendo trabalhar com a filha que ele passa grande parte do tempo repelindo-as. Após perceber que nenhuma escola seria capaz de satisfazer as necessidades especiais de Alma como musicista e compositora iniciante, a mãe decidiu tirá-la da escola e dar aulas em casa para ela e sua irmã Helen, agora com 11 anos. Guy Deutscher conseguiu manter um pé no mundo acadêmico, escrevendo livros em sua especialidade: linguística.

Eles são seletivos na programação de apresentações. No ano passado, Alma deu concertos na China, na Alemanha e na Suíça, além de vários na Áustria, país que a adotou e onde já é uma celebridade há anos. Depois de passar meses em 2016 em Viena para os ensaios de sua ópera "Cinderela", a família decidiu mudar-se para lá no ano passado, para que as meninas pudessem aprender alemão e Alma pudesse aproveitar a ampla gama de oportunidades musicais oferecidas pela cidade.

"Morei na Inglaterra, mas cresci com a música de Mozart, Schubert, Beethoven e Haydn", comenta Alma. "Musicalmente falando, acho que meu lugar sempre foi Viena."

Mudar-se para uma capital no continente europeu também deu a Alma e Helen a liberdade de se locomoverem sozinhas, indo de metrô até a casa de ópera ou até os vinhedos nos arredores da cidade. Ali, saindo dos caminhos percorridos por Beethoven, Alma Deutscher faz longas caminhadas, acompanhada por sua família e pela corda de pular rosa-choque que ela tem desde criança.

"Quando era mais jovem, eu realmente achava que minha inspiração vinha da corda", conta ela, com um sorriso maroto dirigido à sua infância. Embora ela ainda use vestidos, salte na cama elástica e suba em árvores, a menininha que aos oito anos encantou a plateia do programa de Ellen DeGeneres foi substituída por uma jovem alta.

"Agora já sei que não é a corda, na verdade. É o estado de espírito em que entro quando começo a pular."

Esforço

Ao conversar sobre amigas e livros, ela ferve de entusiasmo e arregala os olhos de curiosidade. Mas, quando o assunto muda para a música, ela joga o longo cabelo loiro por cima do ombro e fica intensamente concentrada, falando de técnicas musicais e de tonalidade com uma desenvoltura e uma compreensão muito além de sua idade.

A ópera "Cinderela" – que ela compôs aos dez anos – estreou em Viena em dezembro de 2016 e lotou o Opera San José, na Califórnia, no ano seguinte. Mas, ultimamente, ela vem lutando com a trama de uma ópera encomendada pelo Teatro do Estado de Salzburgo. Grande parte da música está em sua cabeça, diz ela, mas desta vez o enredo vem exigindo mais esforço.

"Com 'Cinderela', foi fácil. Era minha história preferida quando criança", comenta Alma. Embora ela seja uma leitora voraz, "não tenho mais nenhuma história favorita".

Além de fazer a escola em casa, Alma tem aulas de dança de salão e teatro. Cantar em dois corais diferentes a ajudou com o alemão e lhe trouxe um círculo de amigos, que ela encontra em cafés para uma fatia de Sachertorte ou um palatschinke de damasco, um crepe vienense.

"Eu adoraria ir dançar nos bailes vienenses. E talvez dançar ao som da minha própria valsa."

Ela diz que, no futuro, gostaria de compor um poema sinfônico, uma sinfonia completa e, algum dia, um musical. Mas agora ela está mesmo ansiosa para sua apresentação no Carnegie Hall, onde será um dos mais jovens compositores a apresentar suas próprias obras.

Mas, enquanto o mundo se concentra em suas habilidades, Alma diz estar grata pela oportunidade e pela aventura que sua vida lhe ofereceu. Na sala de estar, está pendurado um retrato da irmã de Mozart, Maria Anna ou Nannerl, cujos talentos se obscureceram à sombra de seu irmão e que acabou sendo forçada a abandonar a música para se casar.

"Sou enfaticamente feminista e estou muito feliz por ter nascido agora, quando as meninas podem desenvolver seu talento", acrescenta. "Porque, se eu tivesse nascido antes, provavelmente não teria permissão para me tornar compositora. Teria de ser dona de casa."

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