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Europa e Estados Unidos divergem sobre responsabilidade de redes sociais em relação a conteúdos veiculados
Europa e Estados Unidos divergem sobre responsabilidade de redes sociais em relação a conteúdos veiculados| Foto: Bigstock

As redes sociais e as plataformas de internet acabam de vencer uma grande batalha na Suprema Corte dos Estados Unidos. Twitter, Facebook e Google foram inocentados em um processo que as acusava de cooperar com o terrorismo por permitirem a disseminação de conteúdos dessa natureza.

Os dois casos julgados pelo Supremo norte-americano são semelhantes. No primeiro, a família de Nohemí González, assassinada nos atentados terroristas de Paris em 2015, processou o Google e outras empresas por divulgarem conteúdos capazes de transformar cidadãos em terroristas, principalmente por meio do YouTube. No segundo, os familiares do jordaniano Nawras Alassaf, morto em 2017 durante um ataque do Estado Islâmico em Istambul, acusou aplicativos e serviços como Twitter, Google e Facebook por não controlar conteúdos terroristas em suas plataformas e por não fazerem o suficiente para evitar casos como o que tirou a vida de Nawras.

Os juízes foram explícitos: “Transmitir informações a bilhões de pessoas — a maioria das quais usa as plataformas para interações que antes ocorriam por correio, telefone ou em locais públicos — é insuficiente para afirmar que os réus prestaram assistência substancial conscientemente e, portanto, ajudaram e instigaram os atos do ISIS. Uma conclusão contrária responsabilizaria qualquer provedor de comunicação pela prática de crimes pelo simples fato de saber que criminosos estavam usando seus serviços e não impedir suas ações”.

O caso de Trump

A questão da responsabilidade pelo conteúdo das redes sociais vem de longa data e foi agravada após a campanha eleitoral de 2016 nos Estados Unidos que deu a Donald Trump a presidência. Em abril de 2017, o jornal inglês Financial Times escolheu para manchete de sua primeira entrevista com o presidente uma declaração significativa de Trump durante sua conversa com o então diretor Lionel Barber: "Sem o Twitter eu não estaria aqui". E ele provavelmente estava certo.

O impacto da chegada do espalhafatoso empresário ao cargo mais poderoso do mundo surpreendeu os cientistas políticos e uma das respostas dadas a essa ascensão foi a influência das redes sociais nas mensagens políticas, algo que, até então, nunca havia se manifestado naquela magnitude. Investigações posteriores mostraram como milhares de contas fantasmas lançaram milhões de mensagens falsas para desacreditar a oponente de Trump, Hillary Clinton. Ainda trouxeram o agravante de que essas mensagens tratavam dos temas que mais preocupavam os usuários do Facebook e do Twitter, graças a informações detalhadas sobre eles. Ainda hoje, o suposto envolvimento do governo russo nessas campanhas segue em discussão.

O debate foi geral e choveram críticas aos responsáveis ​​pelas redes sociais por não saberem travar a tempo a desinformação que confundia os cidadãos e por não assumirem qualquer responsabilidade pelas consequências geradas.

Corrigir o Facebook

Em janeiro de 2018, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, declarou, no post dirigido anualmente aos usuários da rede social, que propunha "consertar o Facebook" naquele ano por reconhecer que algo não estava funcionando bem. Mas, ao mesmo tempo, ele se recusou a mudar seus objetivos de que o Facebook seja uma ferramenta para “compartilhar tudo com todos”. "Não queremos ser árbitros da verdade nem desencorajar a troca de opiniões." Depois, veio o escândalo da Cambridge Analytica e a venda de dados de usuários [Nota do tradutor: a empresa conseguiu dados dos usuários da rede a partir dos quais criou perfis com mais de 9 mil aspectos de cada pessoa, desde o volume de compras, até preferências, medos e desejos]. No final, Zuckerberg cedeu: contratou milhares de pessoas para moderação e modificou os algoritmos. Criou, inclusive, um Conselho Consultivo de Conteúdo independente do Facebook e presidido pelo prestigiado jornalista britânico Alan Rusbridger – ex-diretor do jornal The Guardian. Sua função seria revisar a política sobre os conteúdos que circulavam na rede social.

O Twitter também teve problemas com Trump, quando descreveu como "enganosa" uma publicação do presidente na campanha eleitoral de 2020 que acusava o governador da Califórnia de fraude nas votações por correio. Após o ataque ao Capitólio em janeiro de 2021, o Twitter fechou a conta de Trump, que foi reaberta por Elon Musk algumas semanas atrás.

Para muitos, esses dois exemplos mostram como o Facebook e o Twitter deixaram de ser canais por onde simplesmente circula a informação — como a rede telefônica, por exemplo — para se tornarem mídias nas quais há responsáveis ​​por moderar as informações que os usuários divulgam.

Cooperação com o terrorismo

Chegamos às duas recentes decisões sobre Twitter e Google mencionadas no início do texto, nas quais os juízes da Suprema Corte decidiram que as plataformas não são responsáveis ​​por cooperação com o terrorismo. O argumento é de que elas, mesmo tendo divulgado comentários de apoio ou incitação à violência, agem de forma similar a uma empresa de telefonia que não pode ser responsabilizada por cooperação com o narcotráfico se os criminosos fizerem uso de telefones celulares para cometer seus crimes.

Deve-se levar em conta que a Suprema Corte norte-americana não adentrou o mérito da questão, o que está determinado no artigo 230 da Lei de Decência nas Comunicações de 1996: "Nenhum provedor ou usuário de serviço de informática interativo será tratado como editor ou disseminador de informação fornecida por outro provedor de conteúdos informativos”. Uma simples mudança neste artigo afetaria radicalmente o futuro das plataformas.

E é precisamente isso que a Comissão Europeia pretende fazer com a regulamentação da Lei dos Serviços Digitais (DSA) que está sendo elaborada. Em acordo com a nova legislação, a vice-presidente da Comissão, Magrethe Vestager, disse que "o Twitter terá de cumprir a legislação europeia". Segundo a nova regulação criada pela Comissão, as Big Techs – Google, Twitter, Facebook, Amazon, Tik Tok, etc – passarão a ser responsáveis ​​pelo monitoramento e controle dos conteúdos, produtos e serviços que circulam em suas plataformas. Deste modo, poderão responder diante dos tribunais caso haja qualquer transgressão às leis.

Meros canais ou meios de comunicação?

A questão subjacente, nos Estados Unidos, na Europa e em todo o mundo, é se estas plataformas devem ser consideradas como meros canais, por onde circula a informação, ou já se transformaram em meios tradicionais de comunicação e que, como tais, devem ser tratados pela legislação. Essa é a posição defendida pela Comissão Europeia.

Quando um conselho consultivo determina quais conteúdos podem ou não circular na rede, como fez o Facebook, ou quando os gestores decidem que uma conta deve ser encerrada, como no caso do Twitter, as redes não estão assumindo a responsabilidade de retirar todo o conteúdo e de fechar todas as contas que não cumpram a lei ou que espalhem informações falsas? Ou seja, não estão se comportando como um meio de comunicação tradicional — jornais, emissoras de televisão —, cujos diretores e a própria empresa são os responsáveis ​​pelos conteúdos que transmitem?

Se a Justiça pode multar um jornal por crimes de injúria e calúnia ou por difamação de pessoa pública, não pode fazer o mesmo com uma rede social se esses comentários injuriosos não forem detectados no processo de moderação e chegarem a ser divulgados? Em suma, ao se tornarem mídia, não deveriam ser tratados dessa forma, com todas as consequências que o status impõe? O futuro das redes depende disso e, claro, do ruído que elas geram no universo da informação.

Copyright Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: ¿Son las redes sociales responsables de toda la información que difunden?
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