Marcelo Gleiser, vencedor do Prêmio Templeton 2019 (Foto: Divulgação)| Foto:

O ganhador deste ano do Prêmio Templeton, uma espécie de Nobel do diálogo entre a ciência e a espiritualidade, é o físico brasileiro Marcelo Gleiser, 60, do Dartmouth College (EUA).

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A láurea rende a seu vencedor 1,1 milhão de libras esterlinas (cerca de R$ 5 milhões), valor que supera o do próprio Nobel, por "uma contribuição excepcional à afirmação da dimensão espiritual da vida, seja por meio de insights, descobertas ou obras práticas".

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Conhecido do grande público por seus best-sellers sobre cosmologia, pelas aparições na TV e pelas colunas que assinou na imprensa brasileira, Gleiser é o primeiro brasileiro e latino-americano a ser agraciado com o Templeton. O anúncio oficial do prêmio coincide com o aniversário de Gleiser.

Apesar do prestígio associado à láurea, o Templeton também costuma ser criticado por cientistas que defendem formas mais radicais de ateísmo. São figuras como o zoólogo britânico Richard Dawkins, para quem a premiação é dedicada exclusivamente a cientistas "dispostos a falar alguma coisa legal sobre religião".

Gleiser afirma estar tranquilo quanto a isso. Diz que receber o prêmio é uma honra enorme. "Essas pedradas eu já recebo faz muitos anos porque sou uma voz que celebra a pluralidade do conhecimento", argumenta. "A ciência é a melhor metodologia que existe para descrever a realidade do mundo físico, mas existem outras formas de se relacionar com o mundo que não podem ser desprezadas. Eu sempre convido as pessoas a conversar comigo sobre isso."

Cabeça aberta

Gleiser hoje se define como agnóstico, mas não como ateu. "No fundo, eu considero o ateísmo inconsistente com o método científico, por ser uma espécie de crença na não crença", explica. "Eu não vejo nenhuma evidência que possa comprovar a existência de Deus, mas também não acho que seja possível descartá-la. É preciso manter a cabeça aberta porque a gente não conhece suficientemente o Universo."

Nos últimos anos, em livros como "A Ilha do Conhecimento" e "A Simples Beleza do Inesperado", Gleiser tem explorado a ideia de que existiriam limites intrínsecos para o que a ciência e a razão humanas podem descobrir sobre o Cosmos. "A gente nunca vai poder ter um conhecimento final sobre o Universo, mas eu enxergo isso como uma coisa positiva. A ciência é um flerte com o mistério. Einstein definia isso como o sentimento religioso cósmico, que seria a fonte de toda a arte e de toda a ciência."

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Para Gleiser, muitos cientistas que atacavam o fenômeno da religião de forma rasa também não levam em conta o senso de comunidade e dignidade que a fé traz para bilhões de pessoas no mundo todo. "E são coisas que essas pessoas provavelmente não teriam fora das religiões. Negar isso empobrece a nossa humanidade - somos seres multidimensionais."

O físico carioca defende que parte da credibilidade da ciência é abalada quando os pesquisadores abandonam uma posição humilde e mais transparente em favor de uma posição de autoridade absoluta sobre todas as questões. "É lógico que o aquecimento global é um fato, que as vacinas fazem bem, mas não dá para fingir que a ciência tem todas as respostas sobre as origens do Universo ou da vida na Terra."

No ramo da cosmologia, alguns cientistas têm defendido que é preciso abraçar a ideia de que não existe um só Universo, mas sim uma infinitude deles, formando um Multiverso cujas leis podem variar infinitamente. Isso explicaria por que o funcionamento do nosso Cosmos parece ter sido "ajustado" com tanta precisão, a ponto de favorecer o surgimento da vida — um dos últimos argumentos de quem busca indícios científicos de uma inteligência por trás do Universo. Se a ideia do Multiverso estiver correta, dizem eles, esse argumento cairia por Terra — apenas teríamos dado a sorte de estar num universo favorável à vida entre inúmeros que não o são.

"Isso faz meio que parte do marketing da área. Físicos como o britânico Bernard Carr dizem que, se você não quer Deus, tem de aceitar o Multiverso. Eu acho isso bem problemático — dá a impressão de que os cientistas modernos se esqueceram da filosofia, ao contrário do que acontecia com a geração de Einstein."

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Gleiser, porém, abandona o tom conciliatório ao criticar grupos que desejam misturar crenças religiosas com aulas de ciência nas escolas. "É uma coisa trágica, que traz o pior da relação da ciência com a religião, que é uma tentando ofuscar a outra."