Em 2011, dois antes antes de vir à tona que os EUA espionava o governo brasileiro, o presidente americano Barack Obama foi recebido pela presidente brasileira Dilam Rousseff, em Brasília| Foto: EFE/ FERNANDO BIZERRA JR/EFE
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A relação do Brasil com os Estados Unidos (EUA) é complexa. Segue a linha “amigos, amigos, negócios à parte”.

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Em diferentes momentos da história, o Brasil tentou se posicionar de forma independente, ou até confrontar interesses diretos de Washington, e pagou o preço.

De um lado, ambos são parceiros comerciais importantes, lutaram do mesmo lado na Segunda Guerra Mundial e mantêm uma diplomacia cordial (quase sempre).

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Do outro, divergem sobre segurança, desarmamento, quais líderes apoiam e, às vezes, sobre liberdade – como durante o período da ditadura militar e agora.

As derrotas brasileiras nem sempre foram declaradas oficialmente, mas as consequências políticas e econômicas mostram os rastros que estes atritos deixaram.

A seguir, relembramos cinco momentos em que o Brasil enfrentou os EUA no campo diplomático (e perdeu):

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1. A crise do petróleo e o alinhamento com o mundo árabe (anos 1970)

Contexto: em 1973, Arábia Saudita, Irã, Iraque e Kuwait eram os principais fornecedores de petróleo quando estourou a Guerra do Yom Kipur (ou Guerra Árabe-Israelense). Em retaliação a quem ficou a favor de Israel, como Estados Unidos, Japão e Europa Ocidental a Israel, os países árabes embargaram a exportação de petróleo. Isso elevou absurdamente o preço do barril em quase todo mundo e causou recessão em vários lugares. Para amenizar os efeitos da crise causada, o Brasil buscou estreitar seus laços com os países árabes.

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Conflito com os EUA: a aproximação brasileira com países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) acendeu um alerta ao governo americano, que via com preocupação a posição do Brasil.

Consequência: não houve um conflito direto com os EUA, mas a proximidade do Brasil com os países árabes abalou a relação com o governo americano. Mais tarde, esta posição dificultou o acesso brasileiro a financiamentos e tecnologias estratégicas (inclusive nucleares).

Por que foi uma derrota: o Brasil enfrentou resistência aberta dos EUA no seu acordo para produzir energia nuclear em parceria com a Alemanha, houve desentendimentos comerciais e atrito do governo americano frente ao desrespeito do regime militar aos direitos humanos.

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2. Programa nuclear Brasil-Alemanha vs. EUA (década de 1970)

Contexto: em 1975, o Brasil firmou acordo com a Alemanha para transferência de tecnologia nuclear completa. Devido à natureza do negócio e ao valor da operação, de cerca de US$ 10 bilhões, foi chamado de “o acordo do século”. A parceria previa a construção de oito usinas nucleares e a produção de enriquecimento e reprocessamento do urânio.

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Conflito com os EUA: o acordo com a Alemanha gerou uma crise política do Brasil com os EUA. O governo de Jimmy Carter alegava que era arriscado conceder tecnologia nuclear a um país que não era signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) – o Brasil só assinou o documento em 1998. Além disso, os EUA tinham interesses comerciais: eram líderes do segmento e viam no Brasil um mercado potencial.

Consequência: o acordo foi parcialmente esvaziado. A Alemanha cedeu à pressão americana e recuou, e o Brasil enfrentou sanções diplomáticas e comerciais indiretas.

“Os EUA terão que manter o desenvolvimento da capacidade nuclear brasileira sob rigoroso escrutínio. A menos que haja uma mudança radical na política nuclear americana, um novo e controverso elemento foi adicionado às relações EUA-Brasil”, diz um telegrama da embaixada dos EUA no Brasil ao governo americano, em 1979.

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3. A condenação da guerra do Iraque na ONU (2003)

Contexto: em seu primeiro mandato, Lula se opôs publicamente à invasão ao Iraque e classificou a operação liderada pelos EUA como unilateral e injustificada. Ele disse que qualquer ação militar deveria ter a aprovação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o que não foi o caso desta guerra.

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Conflito com os EUA: os EUA esperavam apoio de aliados latino-americanos e não gostaram da postura brasileira no Conselho de Segurança. O Brasil descartou o pedido de enviar tropas para ajudar os americanos no Iraque.

Consequência: o Brasil quis firmar sua soberania e prezar pelo diálogo (embora Lula tenha bons relacionamentos com governos ditatoriais como Venezuela e China). A posição do governo brasileiro, no entanto, foi um divisor de águas na relação diplomática com Washington.

Por que foi uma derrota: o episódio levou ao isolamento do Brasil em espaços relevantes na geopolítica. Há décadas o país pleiteia passar de membro rotativo para permanente no Conselho de Segurança da ONU, responsável por decisões sobre a paz e a segurança internacional (o mais importante do órgão). Os EUA, que compõem o grupo principal e tem poder de veto, são os mais resistentes à sua entrada.

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4. O caso Irã–Brasil–Turquia (2010)

Contexto: o Brasil, junto à Turquia, negociou um acordo nuclear com o Irã para enriquecimento de urânio para fins pacíficos (a geração de energia). A Declaração de Teerã, como ficou conhecida, teve inicialmente apoio do então presidente americano Barack Obama, mas ele recuou. Os EUA desconfiavam que o Irã usasse o urânio para produzir secretamente armas nucleares.

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Conflito com os EUA: Washington considerou o acordo diplomático uma tentativa de desviar o Irã do endurecimento das sanções da ONU, aliviar a pressão internacional e evitar novas sanções, enquanto continuava a avançar com seu programa nuclear.

Consequência: o acordo fracassou. Os EUA e a maior parte dos países-membros da ONU não consideraram o acordo como uma solução suficiente para suas preocupações sobre o programa nuclear iraniano e impuseram sanções ainda mais duras ao Irã.

Por que foi uma derrota: o episódio expôs o limite da influência brasileira, gerou desgaste internacional e frustrou a pretensão de protagonismo global do governo Lula.

Lula em seu primeiro discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, em 2003| Foto: Ricardo Stuckert/PR

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5. A reação brasileira ao escândalo da espionagem da NSA (2013)

Contexto: a presidente Dilma Rousseff, ministros e empresas brasileiras como a Petrobras foram espionados pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA).

Conflito com os EUA: Barack Obama, presidente na época, alegou que o objetivo era “mirar, especificamente, em algumas áreas de preocupação”, como ações contra terrorismo, armas de destruição em massa e segurança cibernética. O governo brasileiro desconsiderou o argumento e disse que o monitoramento tentava ganhar vantagens comerciais e industriais. Dilma exigiu explicações formais do governo dos EUA.

Consequência: os EUA não pediram desculpas formais nem fizeram concessões. Em setembro de 2013, na cúpula do G20 na Rússia, Obama assumiu a responsabilidade pelo que havia acontecido e se comprometeu a investigar as alegações e a responder formalmente, o que não aconteceu. A presidente cancelou a viagem a Washington que faria em outubro e,  em discurso na Assembleia Geral da ONU. condenou a espionagem, que classificou como uma violação do direito internacional e da soberania dos países.

Por que foi uma derrota: o Brasil não obteve reparações significativas e teve sua capacidade de pressão internacional duramente questionada.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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