Queda da Bastilha: quando tudo começou.| Foto: The Metropolitan Museum of Art
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O grande estadista anglo-irlandês Edmund Burke (1729-1797) passou boa parte de seus últimos oito anos de vida refletindo sobre a Revolução Francesa e tentando definir os mais importantes elementos dela. Se os britânicos não conseguissem perceber a “doutrina armada” dos revolucionários como uma seita religiosa, com os franceses almejando nada menos do que os aspectos mais violentos da Reforma Protestante do século XVI, eles tampouco conseguiriam compreender o movimento como um todo. Eles não podiam fingir que se tratava apenas de um novo partido político ou de uma nova forma de pensar o governo. Eles tinham de entender que a Revolução não descansaria sem conquistar todo o mundo. Quando isso, diz Burke surpreendentemente, os revolucionários eram superiores aos inimigos porque sabiam que tipo de guerra estavam travando.

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“É uma verdade assustadora, mas uma verdade que não pode ser omitida; em habilidade, esperteza e no caráter distinto de suas opiniões, os jacobinos são superiores. Eles perceberam a realidade desde o início. Quaisquer que tenham sido os motivos para a guerra entre os políticos, eles a percebiam, e expressavam isso a seus súditos, como uma guerra civil; e foi assim que a lutaram. É uma guerra entre partidários da antiga ordem civil, moral e política da Europa contra um grupo de fanáticos ateus que pretendia mudar tudo isso. Não é a França ampliando seu império; é um grupo cujo objetivo é o império universal que teria início com a conquista da França. Os líderes desse grupo conquistaram a essência da Europa e essa conquista, sabiam, significa que, o que quer que acontecesse nas batalhas e cercos, a causa deles sairia vitoriosa. Não importava para eles que seu território tivesse sido arrasado ou que uma ou duas ilhas tivessem se emancipado. A conquista da França era uma conquista gloriosa”.

O sucesso na França, parece, era só o começo de uma revolução mundial.

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Ainda assim, o “jacobismo”, a teologia e filosofia oficiais dos revolucionários, continuava um termo vago. Os que o defendiam eram nada menos do que monstros, com a Revolução em si sendo a “mãe de todos os monstros”. Em sua tentativa de compreender a Revolução, Burke — em seu Letters on a Regicide Peace [Cartas sobre uma paz regicida]— tentou definir três termos distintos. Primeiro, ele chamou o que tinha restado do “Estado” revolucionário francês de “República Regicida”. Ela chamava todos os governos que não o seu de “usurpadores”, questionando, assim, o próprio tecido do cristianismo.

Depois, Burke definiu o “jacobinismo” como:

“A revolta dos talentos empreendedores de um país contra sua propriedade. Quando indivíduos se associam com o objetivo de destruir leis pré-existentes e instituições do país; quando eles garantem para si um exército distribuindo entre os que não têm propriedades as propriedades dos donos por direito; quando o Estado reconhece esses atos; quando ele não confisca criminosos, mas comete crimes ao confiscar; quando tudo o que ele tem, todas as fontes são obtidas por meio da violação da propriedade privada; quando ele se vangloria de tal violação, massacrando em julgamentos ou não aqueles que lutam pelo antigo governo legítimo e suas posses legais, herdadas ou adquiridas – a isso dou o nome de ‘jacobinismo por cooptação’.”

Por fim, Burke definiu o Estado Revolucionário francês – por seu foco insano na Humanidade e em seu desejo profundo de destruir as leis da natureza – como “ateísmo por cooptação”.

“Quando, no lugar da religião da benevolência social e da autonegação individual, zombando de todas as religiões, institui-se ritos teatrais pecaminosos, blasfemos e indecentes em homenagem a suas perversões e se erguem altares à personificação de sua República sanguinária e corrupta; quando escolas e seminários são construídos com o dinheiro de impostos para envenenar a Humanidade de geração a geração com os axiomas horríveis dessa profanidade; quando, assolados pelo martírio incessante e pelos gritos do povo faminto e sedento de religião eles a permitem somente como um mal tolerado – chamo isso de ‘ateísmo por cooptação’.”

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A Revolução não queria nada menos do que a abolição completa de Deus, o que conseguiria transformando o novo Estado no único Estado, uma igreja na forma de um Leviatã político e social.

“O projeto é mal, imoral, pecaminoso, opressivo; mas é vívido e ousado; é sistemático; é simples em seus princípios; ele é unido e consistente na perfeição. Naquele país, não lhes custa nada acabar com o comércio, extinguir a manufatura, destruir a circulação de dinheiro, violar o crédito, interromper o ciclo da agricultura e até queimar uma cidade ou arruinar uma província inteira. Para eles, o desejo, a vontade, o querer, a liberdade, a morte e o sangue de indivíduos não significam nada. A individualidade foi tirada de seu projeto de governo. O Estado é tudo. Tudo está destinado à produção da força; depois tudo é empregado em seu uso. Seus princípios são militares, assim como seus axiomas, seu espírito e seus movimentos. O Estado tem domínio total sobre seus súditos; domínio sobre a mentes por meio do proselitismo e dos corpos por meio das armas”.

A carta mais curta das quatro, a segunda, dá continuidade a essas definições, ampliando-as, aperfeiçoando-as e expondo suas implicações.

“Os que não amam a religião a odeiam. Os que se rebelam contra Deus desprezam o Autor do ser. Eles O odeiam ‘de todo o coração, de toda a mente, de toda a alma e com todas as suas forças’. Ele nunca se apresenta nos pensamentos dessas pessoas, mas os assusta e ameaça. Eles não podem tirar o Sol do Céu, mas são capazes de criar fumaça a ponto de obscurecê-Lo. Incapazes de se vingarem de Deus, eles se deleitam em vilipendiar, degradar, torturar e destruir a imagem Dele aos homens”.

Assim, sejam quais forem seus objetivos e fins declarados, a Revolução, por essência, deve espalhador o desumanismo sobre si e o mundo.

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Além disso, lembrou Burke à sua plateia, a Revolução nunca pretendeu melhorar a condição da Humanidade e da França. Ao contrário, ela almejava nada menos do que o poder puro e inalterado.

“A Revolução foi feita não para libertar a França, e sim para torná-la formidável; não para transformá-la num vizinho, e sim numa amante; não para torná-la mais obediente às leis, e sim para colocá-la em posição de impor as leis. Para que a França se tornasse formidável era necessário remodelá-la. Os que não se submeteram ao processo foram levados, por meio da mentira (e a mentira fazia parte do plano), a conceber que este modelo novo de Estado no qual nada escapa à transformação (...)”

Novamente, reforçava Burke, os revolucionários não se contentariam com a mera revolução na França. Eles eram radicais e queria a guerra civil não só na França, mas em todo o cristianismo. O Reino Unido, juntamente com outras potências europeias, deveria erradicar a Revolução. Não se pode ceder a tal doença.

“De tudo isso, o que entendo? Que este novo sistema de roubo na França não pode ser considerado de forma alguma seguro; ele deve ser destruído ou acabará destruindo toda a Europa; que, para destruir esse inimigo de alguma forma, a força oposta a ele deve ser semelhante a força e ao espírito que esse sistema desperta; a guerra deve ser travada contra seus aspectos vulneráveis. Eis o que entendo. Em resumo, com essa República nada de independente pode coexistir”.

A França, lamentava Burke, acabou. O que era a França tinha desaparecido e os que a controlavam o faziam agora como força de ocupação. Se os britânicos não conseguissem deter a revolução, ela seria o destino do mundo todo.

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Bradley J. Birzer é cofundador e colaborador do Imaginative Conservative. 

© 2020 The Imaginative Conservative. Publicado com permissão. Original em inglês
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