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Califórnia, San Francisco
Políticas devastadoras transformaram a Califórnia de um símbolo de progresso em uma lição de advertência para a nação, opina Michael Shellenberger.| Foto: Eli Vieira com Midjourney

Por cerca de 100 anos, a Califórnia foi a sinédoque dos Estados Unidos da América: a parte do país que melhor representava o todo. Era cidade e campo, metrópole costeira e zona rural do interior, oportunidade e liberdade. Era Hollywood, a indústria de defesa e a economia de alta tecnologia. Seu povo era ao mesmo tempo bem-sucedido e descontraído, capaz de desfrutar da generosidade natural do estado, das praias e falésias às florestas e Sierras. A Califórnia orgulhava-se de um sistema de educação pública pioneiro, no qual cada criança, por mais pobre que fosse, podia receber uma boa educação. Tinha subúrbios economicamente acessíveis, construídos em torno de famílias nucleares. Estava crescendo, quadruplicando sua população após a Segunda Guerra Mundial. Em uma palavra, a Califórnia representava o progresso.

Agora o estado se tornou o lado sombrio dos Estados Unidos. É verdade que é mais próspero do que nunca, tendo ultrapassado a Alemanha no ano passado para se tornar a quarta maior economia do mundo. Mas Los Angeles, San Francisco, Sacramento e cidades menores estão hoje dominadas por acampamentos de sem-teto, que pesquisadores europeus descrevem com mais precisão como "cenas abertas de consumo de drogas". O crime se tornou tão desenfreado que muitos simplesmente pararam de denunciá-lo, com quase metade dos habitantes de San Francisco dizendo aos pesquisadores que foram vítimas de roubo nos últimos cinco anos e — o que é de pasmar — um quarto dizendo que foram agredidos ou ameaçados de agressão.

Essas patologias são apenas as manifestações mais visíveis de uma podridão mais profunda. Menos da metade dos estudantes de escolas públicas da Califórnia são proficientes em leitura, e apenas um terço é proficiente em matemática (com impressionantes apenas 9% dos afro-americanos e 12% dos latinos nas escolas públicas de Los Angeles proficientes em matemática de oitava série). O sucesso educacional caiu de forma íngreme na Califórnia em 2021, quando o estado manteve as crianças estudando em casa muito depois que as crianças de outros estados já haviam retornado à sala de aula. Os californianos pagam o imposto de renda, o imposto sobre a gasolina e o imposto sobre vendas mais altos nos Estados Unidos, mas sofrem com apagões de eletricidade e serviços públicos péssimos. Os preços da eletricidade residencial cresceram três vezes mais rápido em 2021 do que no resto dos Estados Unidos. E o governo do estado, dependente do imposto de renda, enfrenta um déficit orçamentário projetado de 23 bilhões de dólares (R$ 116,5 bilhões), que só aumentará se a economia do país entrar em recessão. Talvez não seja surpreendente, dadas essas tendências, que a população da Califórnia tenha parado de se expandir em 2014 e diminuído ligeiramente desde então, resultando na perda de uma cadeira no Congresso após o censo de 2020.

A falta de moradia e a desordem são os maiores problemas. A maioria das agressões e ameaças relatadas pelos habitantes de San Francisco veio do grande número de viciados sem-teto e mentalmente doentes da cidade, que são autorizados a dormir, defecar e usar drogas em público. Los Angeles está em situação ainda pior, pois a cidade é muito maior do que San Francisco e o governo local é, contra o estereótipo, ainda mais progressista. O Skid Row [bairro da cidade] já não pode mais conter sua enorme população de sem-teto; o governo da cidade praticamente legalizou o tráfico e o consumo de drogas ao ar livre. Na última década, a falta de moradia aumentou 43% na Califórnia, mesmo tendo caído 7% nacionalmente.

Alguns sinais de esperança parecem ter surgido nessa frente. Desde que assumiu o cargo em dezembro de 2022, a nova prefeita de Los Angeles, Karen Bass, trabalhou para fechar pontos de drogas e tentou mudar pessoas para abrigos e moradias através de um programa chamado "Inside Safe" ("Seguro dentro de casa"). Os eleitores do bairro de Venice Beach elegeram para a câmara municipal uma moderada chamada Traci Park, que trabalhou com Bass para mudar as pessoas que vivem nas ruas para dentro de moradias. A prefeita de San Francisco, London Breed, fechou um local experimental de consumo de drogas financiado pelo governo em junho, em resposta a reclamações de moradores, líderes empresariais e mães de viciados sem-teto. Em novembro de 2022, os habitantes de São Francisco elegeram uma maioria de moderados para o conselho administrativo de supervisores da cidade, que, como a prefeita, favorece ações mais fortes para remover os viciados autodestrutivos das ruas. Essas mudanças seguiram a destituição por votação popular no início daquele ano de um procurador distrital radical, Chesa Boudin, cujas políticas de remoção de acusações incentivaram a desordem.

Mas esses desenvolvimentos são menos promissores do que parecem. O escritório de Bass informa que apenas 31 sem-teto no bairro de Hollywood, e menos de 100 em Venice, saíram das ruas entre 11 de dezembro de 2022 e 21 de janeiro deste ano. Para contexto, de acordo com a Autoridade de Serviços para Sem-Teto de Los Angeles, havia 41.290 sem-teto totais em Los Angeles em 2020, dos quais 70% eram "não abrigados" — vivendo em barracas ou caixas de papelão nas calçadas e embaixo de viadutos. Os eleitores aumentaram a maioria progressista no Conselho Municipal de Los Angeles e removeram o xerife do Condado de Los Angeles, que defendia uma resposta mais firme ao crime, drogas e violência, em novembro de 2022. Em San Francisco, um juiz paralisou os esforços para mudar os sem-teto vulneráveis da cidade para moradias antes que chuvas torrenciais castigassem o estado por semanas; o juiz havia se alinhado com uma ação movida pela American Civil Liberties Union [ACLU, uma famosa organização de direitos civis] contra a cidade. E seis meses após o fechamento do local de consumo de drogas, a prefeita Breed e o Conselho de Supervisores anunciaram, no início de janeiro, que pretendiam abrir 12 novos locais em toda a cidade. Nas duas principais cidades do estado, é improvável uma melhoria significativa nos índices de crime, drogas e falta de moradia sob a atual liderança política.

O que explica o dramático declínio da Califórnia? E o que seria necessário para o estado retornar à sua antiga grandeza?

Na dúvida, culpe os republicanos

As razões que os progressistas dão para os problemas da Califórnia pararam de fazer sentido há muito tempo. Desde a década de 1970, eles atribuíram grande parte das dificuldades do estado à relutância dos republicanos em financiar programas sociais. Alegaram que a causa da falta de moradia foi a decisão de Ronald Reagan de fechar manicômios e aumentar as exigências para internação civil enquanto governador e sua recusa, enquanto presidente, a financiar alternativas "baseadas na comunidade". Mas os progressistas não conseguiram fazer esse argumento de forma crível por décadas. Por 12 anos, os democratas detiveram uma supermaioria na legislatura da Califórnia e controlaram o posto de governador. A Califórnia gasta muito mais do que outros estados em sem-teto e doenças mentais, mas tem resultados piores.

Sem os republicanos para culpar, os democratas se voltaram para a escassez de moradias do estado como uma explicação para tudo. A falta de moradia realmente causa problemas na Califórnia, como Christopher Elmendorf explica. Los Angeles e a Bay Area lutam até para construir apartamentos perto de estações de transporte público. A habitação insuficiente, aumentando massivamente o custo de manter um teto sobre a cabeça, contribuiu para a queda da população do estado desde 2014, bem como para a perda de muitas empresas de tecnologia e empregos para locais mais acessíveis no Texas e na Flórida. E não é apenas a moradia que está faltando — a incapacidade dos governos locais da Califórnia de construir hospitais, lares coletivos e abrigos prejudicou a capacidade das cidades de resolver o problema da falta de moradia.

“Os californianos pagam o maior imposto de renda, imposto sobre a gasolina e imposto sobre vendas, mas sofrem com apagões e serviços péssimos.”

Mas a moradia cara não é o principal motor da desordem nas ruas. Defensores do desenvolvimento, como o senador estadual progressista Scott Wiener, insistem cinicamente em público que aluguéis caros fazem com que milhares de pessoas acabem vivendo e morrendo nas calçadas das cidades, mas admitem livremente em outros contextos que a recusa dos líderes a obrigar tratamento psiquiátrico ou para o vício é a verdadeira culpada. Se a Califórnia lidasse com viciados sem-teto e doenças mentais não tratadas em nível estadual, como em Massachusetts, e não localmente, então a população de rua poderia receber tratamento em comunidades de recuperação de drogas, hospitais, e casas de apoio em partes do estado com menor custo de vida, como o Vale Central.

A história é pouco melhor quando se trata de educação básica. A Califórnia gasta mais nisso do que a maioria dos estados, também, com resultados lamentáveis. Se o estado permitisse que os pais escolhessem as melhores escolas para seus filhos e injetassem competição na administração escolar, o desempenho dos alunos sem dúvida melhoraria.

Mas tais reformas sensatas enfrentam forte oposição das organizações sem fins lucrativos ideologicamente extremas e dos sindicatos do setor público que dominam a política da Califórnia. Os provedores de serviços para sem-teto fazem doações políticas aos mesmos políticos que lhes dão bilhões em contratos para ajudar os sem-teto, criando um complexo industrial sem-teto que desencoraja a mudança real.

E a razão pela qual as crianças da Califórnia tiveram que ficar em casa quando outras crianças voltaram para a escola durante a pandemia, por exemplo, é a influência desmedida do sindicato dos professores. Depois que a ex-presidente do senado estadual Gloria Romero aprovou uma lei de "gatilho para os pais", dando aos pais o direito de assumir escolas de baixo desempenho, em 2010, a Associação de Professores da Califórnia (CTA) gastou milhões em anúncios para prejudicar sua candidatura para superintendente de escolas, descarrilando sua carreira política no processo. Os legisladores estaduais democratas, ela lembrou mais tarde, "sempre queriam saber qual era a posição da CTA" porque ela é "o sugar daddy [patrocinador] deles."

Conflitos de interesse à parte, os líderes dessas organizações tendem a ser motivados mais pelo poder do que pelo dinheiro. Os funcionários do sindicato dos professores "andam por aí [em Sacramento] como se fossem Deus", observou Romero. Uma ativista de ONG chamada Jennifer Friedenbach, que dirige a Coalizão dos Sem-teto, acumulou tanto poder em San Francisco através de pura influência ideológica, manipulação de linguagem e intimidação que ela efetivamente controla centenas de milhões do orçamento da cidade gasto nos sem-teto. O Conselho de Supervisores do condado de Los Angeles, dominado por ativistas, controla tanto o gasto da cidade quanto o do condado em saúde mental e educação e é, portanto, mais poderoso do que os legisladores estaduais.

Ou considere as ONGs ambientalistas. Grupos como o Sierra Club, Natural Resources Defense Council e Climate Works muitas vezes ditam que infraestrutura pode ser construída e combinam o ambientalismo pró-escassez com o identitarismo "woke" [vulgo "lacrador"]. Por meio século, esses neo-malthusianos [pessoas que insistem que haverá um colapso populacional] bloquearam novas moradias, usinas de energia e armazenamento e dessalinização de água no estado.

Muitos dos grupos de ativismo apoiam políticas que promovem o comportamento autodestrutivo, o verdadeiro motor do crime e da falta de moradia. Nenhuma cidade precisa ter moradores de rua desabrigados. Abrigos podem ser construídos; pode-se exigir que as pessoas durmam neles. As cidades da Califórnia não fazem isso porque políticos progressistas, por décadas, exigiram que os recursos dos contribuintes fossem para unidades de apartamentos caras, em vez de camas de abrigo de baixo custo. Grupos como a Coalizão dos Sem-teto de Friedenbach protestam, fazem lobby e processam para impedir que a cidade exija que as pessoas durmam em ambientes fechados. Os líderes, juízes e eleitores progressistas da Califórnia enfraqueceram a polícia, reduziram as populações de prisões e cadeias do estado em quase um terço e permitiram a propagação de acampamentos públicos, uso de drogas e prostituição.

A defesa progressista do caos urbano afirma que é cruel, racista e imoral insistir que criminosos, viciados e doentes mentais obedeçam à lei. Quando um homem sem-teto atirou em um carteiro de Oakland e o matou em janeiro de 2023, um político local veio em auxílio da família do criminoso, não da vítima. Esse comportamento é típico. Na Califórnia, viciados e doentes mentais são tratados como vítimas sagradas e têm permissão para tomar grandes partes das cidades. Para vítimas, tudo deve ser dado, e delas, nada é exigido. Uma vez rotulados como vítimas, eles se tornam inocentes; se eles prejudicam os outros, é culpa do sistema. Essas ideias, que eram radicais, hoje são as visões convencionais das pessoas que governam a Califórnia, desde a sua legislatura até o escritório do governador e as inúmeras organizações que os influenciam.

Ideologia de niilismo

Para entender as raízes intelectuais dessa mistura tóxica de políticas, Friedrich Nietzsche é um guia esclarecedor. Escrevendo no século XIX, Nietzsche previu uma crise iminente do niilismo. O niilismo tinha pelo menos duas manifestações, em sua visão. Uma era a noção de que a vida não tem significado, valor ou propósito inerente. Humanos não são diferentes de sapos, como explicou o anti-herói niilista, ou vilão, do romance de Ivan Turgenev de 1862, “Pais e Filhos”. Pensar e sentir são apenas excreções de órgãos corporais; não há nada divino nos humanos. O niilismo também era uma psicologia e ideologia de destruição.

Para Nietzsche (e outros que o seguiram), a primeira forma de niilismo precede a segunda. Se a vida não tem significado inerente, então os humanos podem, digamos, buscar prazer vazio, seja por meio de drogas ou sexo ou alguma outra forma de escapismo, sem custo. Mas outra resposta à perda de significado tem sido inventar novas religiões, geralmente na forma de ideologias políticas totalizantes que fornecem a intoxicação do poder. Assim como o comunismo foi a alternativa niilista ao capitalismo industrial e o fascismo a alternativa niilista ao liberalismo, o progressismo "woke" pode ser visto como a alternativa niilista à nossa sociedade pós-industrial e pós-escassez, cujas estruturas institucionais são inimigas das identidades raciais e sexuais sacrossantas. É uma ideologia política, uma psicopatologia e uma religião em uma coisa só.

Os niilistas de hoje estão ocupados destruindo as instituições que tornam a civilização possível. Claro, opor-se à civilização só é possível se a tomamos como garantida. Nossos avós talvez soubessem o que era a pobreza real, mas poucos de nós sabemos. O niilismo de hoje é a ideologia dos privilegiados, os filhos das pessoas que trabalharam duro e tiveram sucesso — uma queda dos bem-sucedidos agricultores russos do século XIX em "Pais e Filhos" para os "trustafarianos" [um trocadilho com "rastafariano" e "truste" para denotar jovens ricos mimados que aderem a modas ideológicas] da Califórnia dos anos 1960, que herdaram pequenas fortunas e nunca precisaram trabalhar, até os sem-teto contemporâneos de San Francisco, que recebem US$ 700 [cerca de R$ 3.500] por mês em assistência social do dinheiro da cidade e provavelmente gastam em drogas. Que tal niilismo tenha se enraizado no estado mais próspero e libertino da América não deve nos surpreender: sempre houve mais bares do que igrejas em San Francisco, a última cidade americana a fechar as casas de ópio.

O declínio da Califórnia, então, flui das mesmas forças que destroem todas as civilizações outrora grandiosas. Tornou-se decadente e niilista, escapista e intoxicada. Vítima de seu próprio sucesso, foi derrubada pelos filhos mimados de seus criadores bem-sucedidos. Incapaz de criar uma civilização tão cintilante quanto a criada após a Segunda Guerra Mundial, com uma sequência de ótimas escolas, vias navegáveis e cidades, a geração do baby boom usou seu poder para desancorar a civilização — e as usinas de energia, a meritocracia e a lei e a ordem das quais ela depende. O que o governador Edmund Brown ajudou a construir após a Segunda Guerra Mundial, seu filho, o governador Jerry Brown, procurou desfazer. Isso pode parecer paradoxal. Mas até mesmo a vontade de arruinar, como Nietzsche observou, é uma espécie de vontade de poder. Para que os progressistas pós-Guerra Fria deixassem sua marca no mundo, eles não poderiam simplesmente modificar a cintilante civilização da Califórnia que seus antecessores criaram. Eles tinham que destruí-la.

Humanismo e civilização

É possível ser otimista em relação ao futuro da Califórnia? A disseminação do niilismo, da decadência e do secularismo pode parecer inelutável. Os eleitores afirmam que estão insatisfeitos com o problema dos sem-teto, mas os habitantes de Los Angeles votaram nos democratas progressistas para prefeito e câmara municipal. Em grupos focais, eleitores brancos em Los Angeles expressaram horror ao pensar em votar em um homem branco em vez de uma mulher negra; eles não gostaram do que pensavam que tal voto diria sobre eles. Nem os cidadãos latinos nem os negros eram tão antibrancos quanto os eleitores brancos. Em outros grupos de pesquisa de opinião, os eleitores expressaram a crença — absurda — de que usinas de energia centralizadas não deveriam ser necessárias e que painéis solares e baterias deveriam ser suficientes. Poucos moradores hoje estabelecem as conexões entre essas duas tendências e a disponibilidade cada vez menor de eletricidade confiável e barata.

Enquanto os políticos de todos os partidos são mais pró-polícia do que eram no verão de 2020, eles não estão fazendo nada para lidar com a super-regulamentação da polícia pela legislatura do estado, que está afastando bons policiais de cidades perigosas. Quando as cidades tentam trazer pessoas sem-teto para abrigos, juízes progressistas as bloqueiam. No entanto, ninguém está falando sobre a necessidade de centralizar abrigos, bem como cuidados psiquiátricos e para o vício, no nível estadual, a fim de abrigar os sem-teto do estado e, espera-se, reabilitá-los. E embora os lockdowns da Covid-19 tenham alienado muitos pais, eles não se organizaram em uma força suficiente para resistir aos sindicatos dos professores, muito menos para garantir o direito à escolha da escola.

É compreensível, portanto, que muitos tenham desistido da Califórnia e a tratem simplesmente como um exemplo do que não fazer. Mas a mudança nos EUA geralmente começa na Califórnia e se move para o leste. E nenhum dos partidos apresentou uma alternativa convincente ao modelo californiano. Liberais e conservadores anti-woke [contra o identitarismo] que optaram por permanecer na Califórnia devem aproveitar a oportunidade para construir um novo movimento político baseado em uma avaliação realista da situação, em uma visão expansiva e em princípios fundamentais. Uma coalizão política que se diferenciou da ala progressista do Partido Democrata, enquanto retinha o apoio dos democratas moderados, poderia comandar imenso apoio político concentrando-se em apenas duas questões — a dos sem-teto e a das escolas. Adicione a ordem pública, energia nuclear, dessalinização da água e políticas de habitação sensatas, e tal movimento poderia ser de importância geracional.

Primeiros princípios primeiro. Tal aliança deve ter o humanismo como fundamento. Ser pró-humano é ser pró-saúde e pró-civilização. A possibilidade de que a vida não tenha um significado inerente poderia até levar alguns que sustentam essa visão a infundi-la com significado como um ato de fé, dizendo sim à vida e à sociedade bem organizada. O niilismo poderia, tomado como um estímulo à ação, servir como uma espécie de meditação sobre a morte: uma consciência de que nosso tempo na Terra é finito e que devemos aproveitá-lo ao máximo.

No coração da civilização estão as cidades, que, para prosperar, devem tornar seus espaços públicos disponíveis para todos utilizarem. Isso significa que as pessoas devem ser proibidas de acampar nas calçadas, não importa quão vitimizadas sejam. Embora muitos problemas de saúde mental possam ser melhorados por meio de exercícios, terapia cognitivo-comportamental e cuidados psiquiátricos, a Califórnia falhou em aumentar o exercício físico entre suas crianças ou investir em capacidade psiquiátrica suficiente para internação, apesar de os eleitores votarem repetidamente para taxar mais a si mesmos para investir em saúde mental. Uma nova aliança anti-woke deve proteger a civilização melhorando a saúde humana, desde a melhor educação física nas escolas públicas até a aplicação de leis anti-acampamento e até o atendimento de saúde mental de maior qualidade, padronizado e em todo o estado para os residentes da Califórnia.

Acredito que esta agenda seria popular. Uma grande maioria dos eleitores da Califórnia diz que apoia a exigência de cuidados psiquiátricos ou reabilitação para pessoas que violam leis contra acampamento, uso de drogas e defecação em público. Mesmo na San Francisco progressista, quase três quartos do público apoiam a remoção de pessoas sem-teto das ruas e exigem que elas se mudem para abrigos, vão para a reabilitação ou obtenham cuidados psiquiátricos. Na medida em que os políticos em Los Angeles e San Francisco são capazes de lidar com a segurança pública, é graças à reação popular contra o aumento da criminalidade.

Outras crises na Califórnia estão estimulando a mudança na direção certa. Blecautes em série e mudanças de atitude em relação à energia nuclear resultaram na decisão do governador Newsom de continuar com a última usina nuclear em operação do estado no ano passado. Os anti-malthusianos devem exigir em seguida a retomada da estação nuclear de San Onofre, no sul da Califórnia, mais reatores em Diablo Canyon e mais usinas a gás natural, para que o estado não tenha que continuar a depender de geradores a diesel antigos em bairros de minorias.

A Califórnia antecipa o futuro demográfico do país, e seus líderes devem forjar uma aliança pan-racial que contabilize injustiças passadas sem criar novas. Os eleitores da Califórnia em 2020 rejeitaram preferências raciais na educação, emprego e contratação por uma margem maior do que haviam um quarto de século antes. Os membros da classe trabalhadora de grupos minoritários não compartilham obsessões ideológicas da elite; eles querem ordem pública, bons empregos e melhores escolas. Agora, o movimento anti-woke deveria buscar a liberdade de escolha escolar e a recriminalização da permanência ociosa suspeita em locais públicos ("loitering") com a intenção de praticar prostituição, roubo e traficar drogas. E o estado deveria considerar maneiras inovadoras de facilitar não apenas a recuperação do vício, mas também a reintegração ao local de trabalho e às famílias, enquanto mantém os limites do sistema de justiça intactos até que os californianos com maior distúrbio psiquiátrico sejam tratados.

No cerne dessa oferta da nova aliança anti-woke aos eleitores da Califórnia está a memória do que a Califórnia já foi — e a raiva contra aqueles que impedem sua restauração. As cidades da Califórnia deveriam ser seguras, suas escolas as melhores e suas pessoas as mais saudáveis, mas não são — e o dinheiro dos contribuintes muitas vezes piora as coisas. Nas garras do pessimismo ecológico e humano, os líderes do estado estão perseguindo uma agenda anti-humana.

Tal raiva deve ser motivadora. É grotesco que, em nome da reparação da escravidão, estejamos privando todas as crianças, mas especialmente as negras, de uma educação adequada. É abominável que, em nome da ajuda às vítimas, estejamos deixando-as serem agredidas, sofrerem overdoses e morrerem em nossas calçadas. Não podemos mudar o fato de que a Califórnia é a sinédoque dos Estados Unidos da América, a parte que representa o todo. Sendo assim, devemos mudar a sinédoque.

Michael Shellenberger é o fundador do Environmental Progress e autor de “San Fransicko: Why Progressives Ruin Cities”. [“San Francisco Doente: Por que progressistas arruinam cidades”, trad. livre].

©2023 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.
Conteúdo editado por:Eli Vieira
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