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O chefe da máfia, James "Whitey" Bulger (à direita), e o tenente do FBI Stephen Flemmi (à esquerda), na década de 1980
O chefe da máfia, James “Whitey” Bulger (à direita), e o tenente do FBI Stephen Flemmi (à esquerda), na década de 1980| Foto: Wikipedia

Agente do FBI desde 1965 até 1986, supervisor do programa do combate ao crime organizado em Boston por cinco anos a partir de 1981, em 2013 o agente especial do FBI Robert Fitzpatrick se apresentou ao tribunal para depor no julgamento do ex-chefe da máfia em Boston, James “Whitey” Bulger, detido em 2011 como resultado de uma caçada digna de filmes. Fitzpatrick havia inclusive publicado um livro sobre sua atuação durante as investigações a respeito de Bulger, Betrayal: Whitey Bulger and the FBI Agent Who Fought to Bring Him Down [Traição: Whitey Bulger e o agente do FBI que lutou para derrubá-lo, em tradução livre].

Mas, em 2016, Fitzpatrick, então com 76 anos, foi condenado pela Justiça americana por perjúrio e obstrução à justiça. O motivo: ele havia mentido durante o julgamento de 2013. Inventara uma série de informações com o objetivo de ajudar o trabalho de defesa do mafioso. Ficou claro então que, ao longo de anos, o agente do FBI havia orientado seus subordinados a fazer vistas grossas para os crimes de Bulger, a pretexto de manter uma boa relação com o mafioso e, assim, conseguir informações em primeira mão – mas, na prática, protegendo o capo.

Juízes culpados 

O caso dá uma ideia do grau de envolvimento de policiais com o crime organizado, com impacto direto no trabalho da Justiça. Ainda em Boston, por exemplo, outro ex-agente do FBI, John Connolly, foi mais longe ainda e ajudou Bulger a escapar das tentativas de prender o chefe mafioso – sempre que os agentes honestos se aproximavam do capo, ele era informado a tempo de se deslocar novamente. Connolly acabou sendo acusado em 1999 e condenado a 10 anos em prisão federal a 40 anos em cela comum (resultado da acusação de ter cometido assassinato em segundo grau). Saiu em 2021, aos 82 anos. Teria acumulado mais de 230 mil dólares em dinheiro do crime e cobrança de propinas.

Há outros relatos, em outros locais. Como escreveu em 1998 o especialista em crime organizado, professor emérito da Universidade Rutgers e ex-diretor do Instituto Nacional de Justiça dos Estados Unidos, James O. Finckenauer, a influência da máfia sobre as instituições policiais e a Justiça havia diminuído, mas não acabara.

“Nos últimos três anos, houve um punhado de casos de corrupção envolvendo a aplicação da lei e uma ou duas envolvendo juízes ligados às famílias de La Cosa Nostra. Em Chicago, por exemplo, uma investigação federal de corrupção nos tribunais e no governo municipal em geral levou a 26 indivíduos – incluindo juízes, políticos, policiais e advogados – se declarando culpados ou sendo condenados em julgamento em 1997”.

Finckenauer aponta em sua análise que casos de acusações contra investigadores, tentativas de manipular a escolha do júri ou a emissão de sentenças judiciais duvidosas foram registradas, ao longo das décadas, em cidades como Nova York, Nova Orleans, Chicago, Kansas e Filadélfia.

“Também mobilizou seus contatos no Legislativo para tentar influenciar a aprovação de projetos legalizando os jogos de azar em uma série de estados, como a Louisiana”, ele informa. O capo Joseph Bonanno, por exemplo, fez de tudo para controlar a seleção de jurados que iriam julgar seus filhos, acusados de praticar lavagem de dinheiro para a máfia. Ambos acabaram condenados mesmo assim.

Foco no lucro 

Ao longo dos últimos 130 anos, o crime organizado originário da Itália penetrou nos Estados Unidos com grande sucesso. As famosas cinco famílias de Nova York, Colombo, Bonanno, Gambino, Genovese e Lucchese, tornaram-se mitológicas. Especialmente entre as décadas de 1920 a 1950, experimentaram o auge do poder e da influência. Durante a Segunda Guerra Mundial, chegaram a ajudar o governo americano a firmar uma parceria com os mafiosos do sul da Itália, uma aliança que acabou facilitando as ações militares aliadas no sul do país.

Em 1945, Salvatore C. Luciano, o Lucky Luciano, pediu clemência à Justiça americana alegando precisamente que havia contribuído para o serviço de inteligência da Marinha, com informações e contatos. Foi quando veio a público a informação de que a contribuição do mafioso havia sido útil para os esforços militares – e também havia evitado qualquer greve de estivadores no Estado de Nova York durante o conflito. A sentença de Luciano foi de fato retirada em 1946, quando ele e outros cinco mafiosos foram deportados para a Itália sem nenhuma condenação em território americano.

“A relação entre as máfias italiana e ítalo-americana no pós-guerra é interessante e acredito que não tenha sido necessariamente totalmente explicada. É uma conexão complexa porque seus desenvolvimentos foram paralelos e interligados”, explica Felia Allum, professora da Universidade de Bath, na Inglaterra, dedicada a analisar corrupção e fazer análises comparadas de grupos de criminosos organizados.

Após ganhar escala em suas ações em decorrência da venda de bebidas alcóolicas durante a vigência da Lei Seca, entre 1920 e 1933, os grupos criminosos organizados de origem italiana diversificaram as atividades. Entre cobranças de mensalidades a pretexto de oferecer proteção, manutenção de cassinos e controle de sindicatos de grande expressão, passando também pela posse de grandes empresas de construção e saneamento, lavanderia e alimentação, além de contrabando de cigarros, prostituição e agiotagem, as famílias mafiosas ocupavam espaços de poder e renda.

“A Cosa Nostra atua com foco em retorno econômico, mais do que ganhos políticos. Sempre que houve envolvimento com política, foi com o propósito de ampliar a lucratividade das operações”, aponta Finckenauer. E foi nesse contexto que o apoio de policiais corruptos e a busca por exercer influência no Judiciário se enquadram. É uma prática centenária no sul da Itália, que influenciou as ações dos colegas americanos.

“Nos Estados Unidos, havia grupos de crime organizado fundados a partir das diásporas de comunidades de imigrantes irlandeses, judeus e italianos”, explica a professora Allum. “A proximidade se manteve, ainda que as organizações que se desenvolveram nos Estados Unidos convivessem com diferentes contextos socioeconômicos. Em 1957, por exemplo, os líderes ítalo-americanos e sicilianos se encontraram em Palermo, no Grand Hotel et des Palmes. E em 1987 as máfias siciliana e americana foram julgadas sob a acusação de manter uma rede de tráfico de heroína utilizando uma rede de pizzarias em Nova York”.

Influência menor 

A situação mudou nos últimos anos e o alcance da máfia junto ao Judiciário diminuiu, avaliam os criminologistas Michael Tonry e Peter Reuter, editores do estudo Organizing Crime: Mafias, Markets, and Networks [Crime organizado: máfias, mercados e redes, em tradução livre], produzido pela Universidade de Chicago. “O mundo em que a Cosa Nostra se tornou poderosa já se foi. Eles não podem mais facilmente se infiltrar em sindicatos ou dominar cartéis nas indústrias locais, e os próprios sindicatos são muito menos poderosos”, relatam.

“As máquinas políticas que deram à Cosa Nostra entrada nos corredores do poder e acesso a prefeitos, policiais, promotores e juízes corruptíveis estão muito mais fracas”. Mas elas ainda existem, em busca de oportunidades na política e no judiciário, reconhecem os autores: “A Cosa Nostra está abatida, mas não caída”.

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