Alexandre de Moraes durante a cerimônia de diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 12 de dezembro de 2022.| Foto: EFE/Andre Borges
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O ministro do STF Alexandre de Moraes veio ao mundo numa sexta-feira, 13 de dezembro de 1968. O dia em que o AI-5 foi promulgado.

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As manchetes dos jornais matutinos noticiavam com surpresa o fato de a Câmara dos Deputados ter rejeitado a autorização para que o Supremo Tribunal Federal processasse o deputado Márcio Moreira Alves. A maioria dos parlamentares se opôs à permissão, o que significa que o STF não poderia levar adiante as acusações contra o parlamentar.

A queda-de-braço tivera início três meses antes, depois que Moreira Alves fez declarações contundentes contra o regime militar. “Creio haver chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande momento da união pela democracia”, disse ele, que pedia um boicote aos militares e prosseguia: “Enquanto não se pronunciarem os silenciosos, todo e qualquer contato entre civis e militares deve cessar, porque só assim conseguiremos fazer com que este país volte à democracia.”

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Sem a autorização ou “licença”, Moreira Alves não poderia ser responsabilizado. As repercussões políticas eram graves: por causa disso, o presidente Costa e Silva colocou as tropas do Exército de prontidão.

"Votei pela licença na presunção de optar por um mal menor. A atitude da Câmara, porém, foi corajosa, porque a maioria dos deputados assumiu o risco conscientemente", elogiou o deputado Clóvis Stenzel ao jornal O Estado de S. Paulo.

No mesmo dia 13, o Executivo decidiria por uma das maiores violações dos direitos políticos praticada na história do país: o Ato Institucional número 5. Em nome da" ordem democrática" e com base "na liberdade" e no "respeito à dignidade humana", o presidente fechava o Congresso Nacional e suspendia direitos básicos, como o habeas corpus.

A coincidência de datas talvez seja insignificante. Mas, como jurista e professor de Direito, Moraes certamente estudou com detalhes os acontecimentos daquele 13 de dezembro. Talvez ela tenha percebido que parte das pessoas está disposta a aceitar muita coisa em nome da democracia e da liberdade — até mesmo a dilapidação da democracia e da liberdade.

Jurista precoce, autor respeitado 

O jurista Alexandre de Moraes não aceitaria que o político Alexandre de Moraes se tornasse o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

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Em sua tese de doutorado, defendida em 2000, ele escreveu que o presidente da República não deveria ter o poder de indicar para a Suprema Corte alguém que tenha ocupado cargo de confiança em sua gestão. Mas foi exatamente assim que Moraes chegou ao STF: alçado por Michel Temer de ministro da Justiça a integrante da corte. Sem escalas.

Esta é uma das muitas contradições na trajetória do ministro que, tendo sido aluno exemplar, promotor implacável e político hábil, em pouco tempo se tornou o protagonista do Supremo Tribunal Federal.

De estudante de Direito a político a promotor de justiça a ministro do STF a (dizem alguns) “imperador absoluto” do Brasil, o paulistano Alexandre de Moraes já fez muito em seus 54 anos de vida.

Tanto que é fácil esquecer como, há apenas seis anos, ele era a esperança de um nome mais conservador para o STF, motivo pelo qual foi duramente atacado por figuras da esquerda.

A vida pública de Moraes tem suas raízes na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco,  a mais tradicional instituição de ensino superior brasileira. Alexandre de Moraes formou-se lá, na turma de 1990, e ainda hoje é tratado como o grande destaque da classe que também formou advogados e professores influentes.

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Ele foi considerado um jurista precoce. Já em 1997, Moraes lançou a primeira edição de um livro que o tornaria conhecido entre alunos de graduação país afora: Direito Constitucional, hoje com mais de 30 edições, apresenta de forma objetiva os dispositivos constitucionais. Ele tinha apenas 29 anos quando a obra foi publicada.

Em 2000, Moraes obteve o título de doutor também pela USP, orientado pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari — tão conhecido por sua obra acadêmica respeitada quanto por sua militância a favor do Partido dos Trabalhadores.

A tese de doutorado recebeu o título de “Teoria geral do direito constitucional administrativo — perfil constitucional da administração pública.” Nela, o futuro ministro do Supremo Tribunal Federal faz uma sugestão curiosa: ele propõe que figuras com vínculo com o governo não possam ser indicadas ao STF — como ele, então ministro da Justiça, acabaria sendo 17 anos depois. “É vedado para o cargo de Ministro do STF o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tenham exercido cargo de confiança no Poder Executivo [...] durante o mandato do Presidente da República em exercício no momento da escolha, de maneira a evitar-se demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam a independência da nossa Corte Constitucional”, escreveu Moraes, em suas recomendações.

O antigo Moraes também se opunha à usurpação de prerrogativas pelo Poder Judiciário. Em entrevista dada em 2008 ao site Conjur, ele afirmou que uma intervenção excessiva da Justiça sobre os outros poderes levaria a uma crise de legitimidade. “O Judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal, fica responsável por interpretar a Constituição. Pode extrapolar de vez em quando mas, se isso acontecer sempre, vai haver uma guerrilha institucional. Se o Judiciário começar a interferir muito nos outros dois Poderes, estes passam a não cumprir mais as decisões judiciais e o Judiciário perde sua legitimidade.”

O promotor do “frangogate” 

Um ano depois de se formar, Moraes passou em primeiro lugar no concurso para promotor de Justiça do Estado de São Paulo.

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Olhando em retrospectiva, a escolha pelo Ministério Público em vez da advocacia ou a magistratura talvez fosse um indicativo do perfil de alguém que prefere acusar em vez de defender. Há quem diga que Direito Constitucional, ainda hoje muito usado em cursos de graduação, dá relativamente pouco espaço a opiniões divergentes; Moraes apresenta suas ideias com eloquência, mas sem se preocupar em contemplar visões alternativas.

Em 1996, Moraes se envolveu no primeiro caso de grande repercussão na carreira. Ele e outros promotores pediram à Justiça a cassação do mandato do então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, por improbidade administrativa. Quando o juiz negou o pedido, Moraes não fez questão de esconder sua contrariedade. “A decisão é absurda e foi totalmente equivocada. A rapidez com que o juiz despachou causa muita estranheza”, ele insinuou ao jornal O Estado de S. Paulo.

Como promotor, Moraes aparecia nos jornais com frequência. Em 1999, por exemplo, ele abriu dois inquéritos contra fabricantes de cigarros. Um pedia o fim de propagandas que associassem o fumo a profissionais bem-sucedidos e a praticantes de esportes. O outro pedia uma indenização à Philip Morris e à Souza Cruz por não terem informado os clientes a respeito dos riscos oferecidos pelo cigarro.

Durante seu tempo na promotoria, ele também se envolveu em uma controvérsia. Em 1997, aos 29 anos de idade, Moraes convocou uma coletiva de imprensa para anunciar uma denúncia contra o prefeito Paulo Maluf. Moraes afirmou que a gestão do então prefeito havia comprado frangos superfaturados, e pior: de empresas ligadas a sua família.

O advogado Ênnio Bastos de Barros criticou Moraes: “Ele não guarda o necessário comedimento”, disse o defensor de Maluf. Na época, a insinuação era que Moraes teria agido politicamente para favorecer o PSDB ao lançar uma operação contra Paulo Maluf, possível adversário dos tucanos na disputa pelo governo estadual.

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Maluf foi inicialmente condenado a ressarcir os cofres públicos em R$ 21,7 mil, além de ter os direitos políticos suspensos por cinco anos. Mas recorreu e saiu vitorioso.  "Há um grande abismo entre suspeitar de algo e perpetrar a condenação pretendida. Há a necessidade de provas mais robustas de fraude ou da existência de medidas tomadas sem a menor justificativa", afirmou o desembargador Nogueira Diefenthaler, ao dar razão a Maluf.

Embora o caso propriamente dito seja prosaico (especialmente quando se leva em conta as outras denúncias que surgiriam contra Maluf), o episódio alimentou  a suspeita, até hoje sem provas, de que Moraes estivesse tentando tirar Maluf da disputa pelo governo de São Paulo em 1998 — o que favoreceria o tucano Mário Covas.

O salto para a política pelas mãos de Alckmin 

Moraes continuaria sendo promotor de Justiça até 2002, quando deixou o cargo para se tornar Secretário de Justiça do governo de São Paulo, na gestão de Geraldo Alckmin. O time também tinha Gabriel Chalita na Educação, Eduardo Guardia na Fazenda e Cláudia Costin na Cultura. Entre 2004 e 2005, Moraes acumulou o cargo com o comando da Febem. A acusação contra Maluf continuava sendo o ponto de maior destaque na sua carreira até ali. “Promotor do Frangogate assume a Justiça em SP”, noticiou o Diário do Grande ABC quando o futuro ministro do STF tomou posse.

Moraes não era o primeiro nome da lista para o cargo de secretário. Alckmin queria indicar Cláudio Lembo, professor de Direito reitor do Mackenzie. Mas uma reação de entidades de defesa dos direitos humanos contra Lembo, associado ao "retrocesso" por seu histórico no PFL.

No ano seguinte, Moraes também se filiaria ao PFL, a convite do mesmo Cláudio Lembo — uma figura peculiar que, sendo membro de um partido à direita, se notabilizou por defender bandeiras de esquerda. Moraes se aproximou de Lembo quando este era reitor do Mackenzie e Alexandre era professor. Ambos tinham em comum a passagem pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

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Em 2005, indagado se existia uma contradição entre ser membro do PFL e atuar na defesa dos direitos humanos, Moraes respondeu assim: “Os ideais do liberalismo na área jurídica são ideais que não conflitam absolutamente em nada com essa postura. Se nós formos pegar historicamente quem sempre defendeu garantias individuais, princípios de defesa do ser humano, as liberdades públicas foram os liberais.” Ele prosseguiu: “Nos Estados Unidos, o partido menos conservador, mais ligado ao liberalismo é exatamente o partido democrata, que tem as grandes bandeiras liberais”, disse ele, demonstrando não entender tão bem de política americana. A declaração foi dada no programa Roda Viva, da TV Cultura. Moraes já estava plenamente integrado aos holofotes da política, e parecia confortável nessa posição. Quem o ouvia falar podia identificá-lo como um centrista.

Como secretário, Moraes teve embates com Saulo de Castro Abreu Filho, responsável pela pasta da Segurança Pública. Linha-dura, Abreu Filho se irritava com a preocupação (a seu ver, excessiva) de Moraes com os direitos dos menores infratores.

“Ele teve desentendimentos bastante difíceis com o secretário Saulo de Abreu na época”, lembra Nagashi Furukawa, que comandava a Secretaria de Administração Penitenciária.

Furukawa tinha que lidar com Moraes com frequência. Ele diz que o futuro ministro se destacava como um gestor eficiente e de fácil trato. Ele destaca outra característica do ministro do STF: o traquejo político. “O talento de fazer política no bom sentido é imprescindível para o homem público. A pessoa tem que saber se relacionar bem, manter bom contato com outras pessoas, e isso o Alexandre sabe fazer”, afirma.

As imagens da época mostram Moraes quase sempre sisudo, sem sinais de calvície e com ternos com todos os botões fechados. Chefe de gabinete do então secretário de Justiça, o advogado e professor Claudio Tucci Junior descreve Moraes como um chefe que dava ordens objetivas e sabia ser exigente. “Naturalmente, com pressão do dia a dia e dos assuntos inerentes à secretaria, em alguns momentos não se poderia esperar por uma resposta mais lenta, então se tinha uma exigência natural. Mas sempre com tranquilidade, receptividade e sempre ouvindo a todos nós”, ele diz. O ex-chefe de gabinete afirma que, além de bom jurista, Moraes era um gestor competente. “Eu sou testemunha de que ele aliava o conhecimento técnico jurídico e a visão ampla das políticas públicas de competência da secretaria”, diz Tucci Junior, que hoje é advogado e professor da Unisanta.

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A agenda de Moraes à época mostra que ele se divida entre temas complexos, como o combate ao crime organizado, e eventos de pouca importância, como casamentos comunitários. Moraes também recebeu lideranças do MST para tratar da reforma agrária e criou a “Comissão de Promoção de Ações Afirmativas” em 2002. No ano seguinte, ele se declarou a favor das cotas. “Não se trata da hegemonia do negro sobre o branco, mas de justiça e igualdade de oportunidades.”

Moraes tirou a carteira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em 2005. No mesmo ano, deixou a Secretaria de Justiça após ser indicado pela Câmara dos Deputados para uma vaga no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), onde permaneceu até 2007.

Subalterno de Kassab 

Em 2007, depois da passagem pelo CNJ, Moraes foi indicado para outro cargo político: o de Secretário de Transportes da Prefeitura de São Paulo na gestão de Gilberto Kassab. No posto, ele chegou a acumular o cargo de presidente da CET, a Companhia de Engenharia de Tráfego paulistana.

Como secretário, Moraes lidou com temas prosaicos. Lançou, por exemplo, o Bilhete Amigão (quatro viagens em oito horas com um bilhete). A pedido da OAB do bairro de Pinheiros, ele também autorizou a criação de uma linha de microônibus ligando o Fórum de Pinheiros ao metrô Vila Madalena. Ele fez o mesmo com os advogados de Santana: criou uma linha conectando o Fórum de Santana ao metrô Santana. Neste período, Moraes aparecia nos jornais sobretudo como alguém que tentava colocar ordem no trânsito caótico da capital paulista.

Talvez por ser proativo, Moraes ganhou espaço e concentrou atribuições na gestão Kassab. Passou a comandar também a pasta de Serviços, que cuida da coleta do lixo. Mas, em 2010, o futuro ministro deixou o cargo por se opor à criação da Autoridade Metropolitana de Transportes. À época, outro motivo para a saída foi o desgaste causado pela demora na entrega da motofaixa da Rua Vergueiro, um corredor importante na região central de São Paulo.

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Advogado do PCC? 

Fora de Prefeitura, Moraes decidiu advogar. Essa foi a sua ocupação principal entre julho de 2010 e dezembro de 2014.

Entre julho de 2010 e dezembro de 2014, atuou como advogado. O escritório “Alexandre de Moraes Sociedade de Advogados” ocupava o nono andar de um prédio espelhado no bairro do Itaim Bibi, um dos mais caros da capital paulista.

Em abril de 2014, por exemplo, ele se reuniu com o então Secretário de Transportes da capital paulista, o petista Jilmar Tatto. Moraes também advogou para o PSDB e para Aécio Neves na campanha presidencial de 2014 e entregou um parecer jurídico encomendado pelo Conselho Federal de Farmácia por R$ 150.000.

Mas o caso mais controverso deste período envolve o PCC (Primeiro Comando da Capital).

A rigor, ninguém é “advogado do PCC” porque o PCC não existe formalmente. Mas a organização criminosa opera em muitas frentes. Uma delas, o transporte alternativo. E essa seria conexão de Moraes com a facção criminosa. O escritório de advocacia comandado por ele defendeu a Transcooper, uma cooperativa de transporte com vínculos com a organização criminosa.

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O ministro nega saber de qualquer ligação entre a cooperativa e o bando. “Jamais fui advogado do PCC e de ninguém ligado ao PCC”, disse ele, na sabatina no Senado quando foi indicado ao STF.

Na mesma ocasião, Moraes fez comentários que hoje soam reveladores: ele se demonstrou incomodado com as afirmações de que ele tinha advogado para o PCC, e sugeriu algum tipo de controle sobre as “calúnias” divulgadas na internet. “É inegável que as redes sociais, a internet, foram, são e continuarão sendo um grande avanço de comunicação, de informação, mas é também inegável — isto é algo em que todos nós, em determinado momento, vamos ter de pensar, uma forma razoável de equilíbrio — que se proliferam calúnias, difamações e injúrias em relação a inúmeras pessoas.”

“Quem, dentro desta Comissão e fora dela, está nos ouvindo e vendo e já foi caluniado, difamado ou injuriado pela internet sabe a dificuldade ou mais, eu diria, a quase impossibilidade de você retirar totalmente essas versões mentirosas.”

Em 2015, o período de Moraes como advogado chegou ao fim. Ele aceitou o convite do governador Geraldo Alckmin para assumir a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Ali, atuou como uma espécie de xerife: reprimiu protestos contra o impeachment de Dilma Rousseff na Avenida Paulista e foi incisivo contra manifestantes que haviam invadido escolas públicas paulistas.

Moraes sairia de lá para o Ministério da Justiça na gestão de Michel Temer.

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Pai bolsonarista 

O ministro do STF é casado desde 1992 com a advogada Viviane Barci de Moraes. Formada na UNIP (tanto em Direito quanto em Propaganda e Marketing), ela comanda o escritório Barci de Moraes, que já atuou em 23 processos no Supremo Tribunal Federal — muitos deles depois que Alexandre já havia se tornado ministro.

O endereço e o CPF do escritório de Viviani Barci de Moraes são exatamente os mesmos daquele comandado pelo marido na década passada. Na verdade, o escritório também é o mesmo: somente o nome mudou. O ex-deputado Gabriel Chalita também advoga lá. O time inclui dois ex-colegas de Moraes na prefeitura paulistana: Mágino Alves e Olheno Ricardo Scucuglia.

Com Viviane, o ministro do STF teve três filhos: Giuliana, Alexandre e Gabriela. Todos seguiram carreira no Direito. Mas as ceias de Natal na família Moraes não devem ser das mais harmônicas.

O pai do ministro, Leon Lima de Moraes, é apoiador declarado de Jair Bolsonaro. Ao lado da madrasta do ministro do STF, Elizete Gomes Lima, Leon exibe suas preferências políticas no Facebook. A madrasta disse estar de “luto” no dia que Bolsonaro perdeu a reeleição. No ano passado, o casal se mudou para Toledo, nos Estados Unidos, onde vive uma filha de Elizete.

Leon é conterrâneo e contemporâneo de Michel Temer: ambos se criaram na cidade de Tietê (SP). Do pai, o ministro do STF herdou a torcida pelo Corinthians.

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A chegada ao STF 

Moraes sempre foi hábil em construir relacionamentos no poder. Ainda em 2002, quando lançou o livro “Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional”, ele convenceu o então ministro do STF Celso de Mello a assinar o prefácio da obra. Nele Mello afirma que o livro tem um “alto nível científico”. Moraes tinha 33 anos. Ainda em 2002, Moraes já estava sendo citado pelo mesmo Celso de Mello como integrante de um grupo de “eminentes autores.”

Na mesma época, Moraes também assinou um artigo na Folha de S. Paulo em que apresenta medidas do governo paulista a favor dos direitos humanos. O artigo tem trechos de difícil leitura, como este: “A previsão dos direitos humanos fundamentais direciona-se basicamente para a proteção à dignidade humana em seu sentido mais amplo, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar.”

O grande momento da carreira de Moraes viria uma década e meia depois. A nomeação feita por Michel Temer para a Suprema Corte em 2017 seria a primeira a partir de um presidente não-petista desde 2002, quando Fernando Henrique Cardoso escolheu Gilmar Mendes para o cargo. A indicação se deu em circunstâncias incomuns: o ministro Teori Zavascki morreu em um acidente de avião na região de Angra dos Reis.

A relação de Moraes com os petistas não era das melhores. Em março de 2016, por exemplo, ele foi hostilizado por militantes petistas que se manifestavam contra o impeachment de Dilma Rousseff. Aos gritos de “fascista”, deixou o local cercado por policiais.

Por isso, não surpreendeu que, quando Moraes foi indicado à vaga na Suprema Corte, a Executiva do PT tenha reagido com uma nota incisiva: “A indicação do ministro da Justiça do governo golpista, Alexandre de Moraes, para a vaga no STF aberta com a morte do ministro Teori Zavascki é um profundo desrespeito à consciência jurídica do país e ao espírito republicano que deve reger esse tipo de indicação. Sua nomeação e resumida trajetória como ministro da Justiça do governo ilegítimo de Temer tornaram evidente seu despreparo, seu desprezo pelas instituições e sua parcialidade”, disse o comando do partido, em nota pública.

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Diante de Moraes, na sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou: “Nunca houve, nas indicações ao Supremo Tribunal Federal, uma reação contrária, da sociedade civil organizada, tão grande quanto nesse caso da indicação do Dr. Alexandre de Moraes.” Dentro do Senado, não houve reação significativa. A indicação foi aprovada por 55 votos a 13 contra em plenário. Outros 13 senadores não votaram.

Ascensão rápida dentro do STF 

No Supremo Tribunal Federal, o tempo de casa produz uma espécie de hierarquia: os ministros mais novos prestam deferência aos mais antigos.

Com Moraes, as coisas aconteceram de forma mais rápida. Ele tem duas características únicas em relação a seus colegas: a ampla experiência política e o histórico de procurador de Justiça. Moraes é o único integrante da corte a ter sido membro do Ministério Público.

A mudança do status do ministro novato aconteceu de forma mais marcante em abril de 2019, quando o novato recebeu uma missão do então presidente da corte, Dias Toffoli: investigar “ataques” e “ameaças” contra membros da corte.

O então presidente da corte — que, assim como Moraes, frequentou a Faculdade do Largo de São Francisco — se baseou numa argumentação frágil: o artigo 43 do Regimento Interno do STF afirma que o presidente poderá instaurar inquérito (tarefa que normalmente cabe ao Ministério Público) se a infração penal ocorrer “na sede ou dependência do tribunal.” O dispositivo foi criado para tratar de casos internos, como atos de vandalismo dentro do prédio da corte. Mas, em uma canetada, Toffoli passou a considerar que qualquer “ataque” publicado na internet era equivalente a um pedrada nas vidraças do prédio do Supremo.

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“O objeto deste inquérito é a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros; bem como de seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos Ministros”, escreveu Moraes, em seu primeiro despacho no inquérito.

O primeiro ato relevante de Moraes foi determinar que o site O Antagonista e a revista Crusoé retirassem do ar reportagens que ligavam o empresário Marcelo Odebrecht, envolvido em escândalos de corrupção, ao ministro Dias Toffoli. Na figura de defensor da honra dos ministros da corte, Alexandre de Moraes ganhou importância aos olhos dos colegas.

Mas o inquérito das “fake news” rapidamente se tornou o pretexto perfeito para abusos das prerrogativas.

Dali surgiram desdobramentos e mais desdobramentos que, junto com o inquérito dos “atos antidemocráticos”, permitiram que Moraes acumulasse poder de forma inédita. Ele censurou parlamentares e figuras públicas nas redes sociais, autorizou operações de busca e apreensão com base em conversas privadas e jocosas de Whatsapp, e reagiu às críticas à sua atuação como se elas fossem afrontas ao próprio Estado Democrático de Direito.

A investigação sobre a possível fraude no cartão de vacina do presidente Bolsonaro faz parte do mesmo mesmo inquérito que apura xingamentos a autoridades por perfis do Twitter. Tudo sob a condução de Moraes — ele mesmo acusador, juiz e vítima.

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O inquérito aberto em 2019 é o mesmo que levaria à cadeia figuras como o blogueiro Oswaldo Eustáquio, acusado de disseminar notícias falsas.

Moraes também contou com a sorte para presidir o TSE justamente durante o período eleitoral, em 2022. A troca no comando da corte segue padrões pré-estabelecidos, mas, para o cada vez mais poderoso Alexandre de Moraes, não poderia vir em melhor momento. Na condução das eleições, ele repetiu o modus operandi: censura contra qualquer conteúdo que possa ser vagamente interpretado como “fake news”, que com Moraes deixou de significar “informação falsa propagada com o propósito de espalhar desinformação” para significar “afirmação de fato não 100% confirmado por todas as instâncias da Justiça.”

A essa altura, Moraes só poderia ser parado por Moraes — ou pelo Senado Federal, a quem cabe processar ministros do STF por crime de responsabilidade. O governo de Jair Bolsonaro tentou, em agosto de 2021, levar um processo de impeachment adiante. Mas a petição não encontrou apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Num Congresso onde vige o foro privilegiado, cada parlamentar pode facilmente se tornar alvo do STF. E não há instância superior a quem recorrer.

Moraes já foi promotor e político. Nunca foi juiz. Talvez isso explique por que costuma agir de forma imperiosa e com um permanente tom acusatório — e dificultar a vida dos advogados sempre que possível.

Para o advogado Renor Oliver, que representa o Canal Terça Livre, os problemas de Moraes vão muito além. “Muitos promotores viram juízes, mas são garantistas e jamais conduziriam uma investigação como essa. Não existe parâmetro no judiciário para o que está acontecendo”.

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Em fevereiro de 2021, Moraes determinou a prisão do deputado Daniel Silveira sob a alegação de que ele havia ameaçado ministros da corte (inclusive ele próprio). Ao contrário do que aconteceu em 1968, o STF mandou prender primeiro e só depois perguntar à Câmara dos Deputados se autorizava a medida.

O advogado Roberto Mohamed, que atua no STF, foi aluno de Moraes em uma pós-graduação no Mackenzie. Ele diz que o futuro ministro do STF era respeitado como jurista e visto como alguém de perfil técnico, apesar de o carisma não ser o seu ponto forte. “Não era um cara muito simpático, mas nunca se recusou a abrir espaço para questionamentos”, diz Mohamed.

Agora, o advogado acredita que o ministro tem se excedido em algumas decisões. “Ele mudou bastante. Quando ele deu aula ele era promotor de Justiça e sempre foi um garantidor dos direitos individuais, e por isso me surpreendem algumas decisões dele”, diz.

Mohamed, que faz questão de deixar claro seu repúdio a Daniel Silveira, afirma que o ministro tomou uma decisão injustificada ao mandar o parlamentar à prisão. O próprio inquérito das fake news, afirma o advogado, surgiu com base em uma interpretação dúbia do regimento do STF, que foi tolerada em nome do que era então tido como o combate a um mal maior: Jair Bolsonaro e seus aliados. “Eu acho que ele atuou, no início, como um defensor do tribunal; mas hoje é isto é desnecessário. Acabou a situação de emergência”, diz o professor.

A advogada Ana Paula Thabata Fuertes, que já ouviu com admiração uma aula magna de Alexandre de Moraes na faculdade e hoje critica a atuação do ministro, afirma que, embora tenha sido um professor competente e um autor capaz de explicar a Constituição em termos didáticos, Moraes não teria chegado ao cargo no STF se o saber jurídico fosse o único critério de seleção.

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“Ele é só mais um bom jurista. Você encontraria advogados com mais saber jurídico que ele no mínimo em 100 escritórios de SP”, compara. Para Ana Paula, a passagem pela promotoria deixou marcas no modo de atuação de Moraes. Para ela, Moraes continua atuando como promotor vinte anos após ter deixado o Ministério Público. “A formação dele foi na promotoria. Quem já foi promotor não perde o acusatório. Além disso, se ele se propôs a entrar numa promotoria, ele provavelmente já gostava de ser acusador”, diz ela.

Em muitos aspectos, incluindo o vocabulário e o preparo intelectual, o deputado Daniel Silveira está muito longe de ser um Márcio Moreira Alves. Mas a situação abstrata era a mesma: o Supremo Tribunal Federal, em nome da proteção da liberdade e da democracia, pedia que a Câmara dos Deputados entregasse um dos seus membros à mercê da Justiça. Desta vez, os parlamentares consentiram.

Se Moraes cumprir o tempo que lhe resta para a aposentadoria compulsória, ficará no cargo até 13 de dezembro de 2043. Ele — e o AI-5 — completarão 75 anos naquele dia.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]