A partir da meia-idade, o sucesso chega com mais dificuldade, as recompensas se tornam menos satisfatórias e as relações familiares ficam mais escassas. Incapazes de lidar com essas mudanças, acabamos sentindo raiva, medo e frustração — justamente quando imaginamos que estaríamos felizes, realizados e orgulhosos.
Esse é o ponto de partida de 'Cada Vez Mais Forte: Como Encontrar Sucesso, Felicidade e Propósito na Segunda Metade da Vida', novo livro do cientista social, especialista em gestão e professor de Harvard Arthur C. Brooks.
Lançado neste mês no Brasil pela editora Intrínseca, o livro propõe uma nova forma de lidar com o envelhecimento: encarando-o como um período de transformação e crescimento espiritual.
No recorte a seguir, Brooks sugere um exercício de três partes "para evitar as ciladas do workaholism" e investir em relacionamentos que tragam "verdadeira satisfação".
1. Aloque o tempo bem antes do tempo
Pessoas de sucesso são boas em análise marginal: garantir que cada hora seja gasta da melhor maneira possível no momento. O problema é que isso sempre marginaliza as coisas que não têm uma recompensa no curto prazo — como relacionamentos.
É por isso que uma hora extra no trabalho, mesmo quando você está exausto e improdutivo, pode tomar o lugar da primeira hora em casa, dia após dia, ano após ano — levando a problemas de solidão e alienação.
Para evitar esse erro, separo uma hora de uma tarde de domingo por mês e começo a me imaginar no fim da minha vida, cercado pelas pessoas que amo. Penso no que elas estão falando sobre mim.
Então, volto para o presente. Penso em como quero alocar meu tempo nas semanas seguintes.
O que quero fazer com meu tempo nesta semana para cultivar os relacionamentos que vão resultar naquele cenário final imaginado? Talvez eu decida sair do trabalho na hora, deixar o escritório, chegar em casa para jantar e assistir a um filme com a minha família em seguida.
2. Faça o seu trabalho principal
Muitos negócios dão errado por causa do que chamamos de “problema de Edsel”, baseado no famoso caso do carro de 1958 que os executivos da Ford amavam, mas os consumidores odiavam. Eles vendiam o que eles gostavam, e não o que o cliente queria ou precisava.
Podemos ser assim em nossos relacionamentos, principalmente quando nossa competência diminuiu depois de anos de negligência. Damos aos nossos familiares e amigos a oportunidade de passar tempo conosco de acordo com a nossa conveniência, fazendo o que é interessante para nós. E isso faz sentido: se sou o rei no trabalho, também sou o rei em casa!
Mas as coisas não funcionam dessa forma, óbvio. Relacionamentos amorosos não são hierárquicos, e sim recíprocos. Exigem dar o que as pessoas querem e precisam, e não o que é mais conveniente para quem está ofertando.
Eu escrevo regularmente uma lista com as pessoas com quem preciso fortalecer o relacionamento. Então, faço uma lista ao lado de cada uma delas com o que precisam de mim, coisas que só eu posso dar. Por exemplo, só eu posso fazer determinadas coisas pela minha esposa, assim como pelos meus filhos adultos. Quando essas ações são negligenciadas, os relacionamentos definham
3. INVISTA DE FORMA INTELIGENTE
Certa vez, quando um dos meus filhos estava no ensino médio, ele me perguntou quais eram as três coisas que eu queria que ele tivesse na vida. Passei alguns dias pensando naquilo, e minha resposta me surpreendeu.
Eu não disse felicidade, porque, embora isso seja importante, uma boa vida com propósito e significado também exige infelicidade. Com toda a certeza não disse dinheiro nem fama, como vocês já devem imaginar.
No fim, falei para ele: “Honestidade, compaixão e fé.” São as coisas que achei que fariam dele o melhor homem no qual poderia se tornar.
Depois disso, decidi escrever três coisas para cada uma das pessoas que mais amo e depois perguntar para mim mesmo: estou investindo para que isso aconteça na vida deles? Estou colocando meu tempo, minha energia, meu afeto, conhecimento e dinheiro para o desenvolvimento desses ativos e dessas qualidades? Estou sendo um exemplo com o meu comportamento? Preciso de uma nova estratégia de investimento?
A recompensa
Em 2009, pesquisadores da Universidade de Rochester publicaram um estudo no qual recrutaram 147 recém-formados na universidade e lhes perguntaram seus objetivos pós-formatura. Os pesquisadores descobriram que os objetivos se enquadravam em duas categorias básicas: objetivos “intrínsecos” e objetivos “extrínsecos”.
Os intrínsecos tinham a ver com satisfação a partir de relacionamentos duradouros e profundos. Já os extrínsecos tinham relação com ganhar muito dinheiro, ter muitas coisas, conquistar poder, reputação ou fama — em outras palavras, os desejos que formam o denominador da equação da satisfação.Essas são aquelas para cortar da sua lista.
Os estudiosos seguiram com a pesquisa um ano depois para descobrir como os participantes andavam. Para começar, a maioria dos recém-formados tinha alcançado seus objetivos: aqueles que desejavam ótimos relacionamentos os tinham, enquanto aqueles que desejavam dinheiro e poder estavam no caminho para consegui-los.
Eis uma descoberta importante: você provavelmente vai obter o que deseja para a sua vida. Isso torna o velho ditado “Tome cuidado com o que você deseja” ainda mais verdadeiro
A segunda descoberta, porém, é a mais profunda: os que tinham objetivos intrínsecos desfrutavam de uma vida mais feliz um ano depois. Enquanto isso, os que buscavam objetivos extrínsecos experimentavam emoções mais negativas, tais como vergonha e medo, e também sofriam de doenças.
Em outras palavras, se os seus objetivos de vida se resumem a muito dinheiro, prestígio e outras coisas mundanas, você está no caminho de ter desejos de mais e satisfação de menos. Você já sabia disso, não sabia?
Talvez tenha sido viciado em objetivos extrínsecos a vida toda e se alimentado desse vício ao longo da subida em sua curva da inteligência fluida. Se você é maduro e tem experiência de vida — outra forma de dizer que está ficando velho, como eu —, sabe que as recompensas extrínsecas são metas tolas. Mas saber disso é exatamente o que nos leva às frustrações.
Na juventude, você mantém a esperança de que, algum dia, “ter” vai trazer satisfação. Conforme os anos passam, você percebe que isso nunca vai acontecer. Mas os seus hábitos já estão tão enraizados e sua habilidade de buscar as velhas recompensas tão aguçada…
Você busca uma esperança apagada de que, se tiver isso ou conquistar aquele objetivo mundano, vai enfim alcançar a satisfação que tanto busca. Esse é um exercício em vão, que deixa você emperrado no seu declínio da inteligência fluida, o único lugar que conhece para procurar recompensas.
Apenas uma mudança para os objetivos intrínsecos vai proporcionar o que você realmente deseja e trazer um preparo para que se chegue à segunda curva, que requer relacionamentos e sabedoria compartilhada no espírito do amor.
É possível ter novos objetivos mais tarde na vida? Lógico que sim, mas você precisa manifestar seus valores intrínsecos de forma mais aberta.
Vou ensinar um truque: visualize a si mesmo em uma festa. Alguém pergunta o que você faz, e você responde não com coisas extrínsecas como o nome do seu cargo, e sim com aquilo que sabe que vai proporcionar mais propósito, significado e alegria.
Envolva sua vida espiritual, seus relacionamentos e a forma como você serve aos outros. Não se imagine dizendo que é advogado. Imagine-se dizendo: “Sou esposa e mãe de três filhos adultos.”
Não se preocupe se, no começo, não acreditar que é isso que você é e faz. Você vai tornar essas coisas verdadeiras ao verbalizá-las. É difícil explicar de forma adequada a profundidade das recompensas de que um indivíduo desfruta quando os relacionamentos se tornam sua fonte “oficial” de propósito e satisfação.
As pessoas comparam a encontrar um tesouro enterrado, e a única tristeza é que isso não tenha ocorrido antes.
Os escritores fazem tributos ao êxtase do amor e da amizade. Assim como Ralph Waldo Emerson escreveu em seu alegre ensaio ‘Amizade’:
Acordei esta manhã devotamente agradecido por meus amigos, os velhos e os novos. Não devo chamar Deus de Belo já que todos os dias Ele se mostra para mim em seus presentes? Eu censuro a sociedade, aceito a solitude, e ainda assim não sou tão ingrato a ponto de não ver as mentes sábias, amáveis e nobres que de tempos em tempos passam pelo meu portão. Quem me escuta, quem me entende, se torna meu — uma propriedade para toda a vida.
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