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O governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo
O governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, durante coletiva sobre o combate ao coronavírus.| Foto: David Dee Delgado / AFP

Como nossos líderes enfrentariam essa pandemia sem a “ciência”?

O significado de “ciência” nunca foi óbvio, assim como não é fácil explicar por que uma pessoa seria capaz de usar a ciência como sinônimo de verdade, mas o papel da ciência é bastante claro. Ela se tornou o equivalente contemporâneo do Oráculo de Delfos, aquela fonte misteriosa de conselhos à qual os líderes gregos recorriam durante as guerras e outras crises. Ainda que o conselho fosse tolo, o oráculo dava aos líderes uma justificativa para se furtar à responsabilidade por suas decisões – e as consequências delas.

Por que, por exemplo, a economia do estado de Nova York ficou paralisada por mais de dois meses, apesar dos poucos casos de Covid-19 nos condados agrícolas? Quando alguns escritórios e barbearias e outras empresas estavam finalmente prestes a abrir, no fim de maio, por que o governador Andrew Cuomo enfureceu as autoridades locais anunciando de repente que essa decisão não poderia ser tomada por elas – e nem mesmo por ele?

“Vamos dar todos os dados aos especialistas”, explicou ele. “E, se eles disserem que devemos prosseguir, prosseguimos”. O destino de todo mundo está agora na mão dos novos oráculos.

Por “especialistas”, Cuomo quer dizer os consultores chamados para supervisionar a reabertura do estado: um epidemiologista da Universidade de Minnesota e um estatístico do Imperial College de Londres. Ao apresentá-los, durante uma coletiva de imprensa em meados de maio, ele explicou que a reabertura não era “uma medida política”.

“Isso tem a ver com fatos, ciência e dados”, disse. “É matemático, e isso é libertador”.

Pode ser que os políticos considerem libertador culpar outros pela devastação econômica, mas é ridículo fingir que epidemiologistas e estatísticos têm uma fórmula mágica para determinar os custos e benefícios da paralisação da economia. Eles podem estimar a rapidez com que o vírus se espalha, mas não sabem exatamente o efeito que os vários tipos de lockdown têm sobre a disseminação do vírus, muito menos o efeito que eles terão na vida das pessoas.

Os números por trás das medidas tomadas em nova York parecem tranquilizadoramente precisos, como a exigência de que uma região tenha 30% dos leitos hospitalares desocupados a fim de que ela entre na fase seguinte da reabertura – e os condados no norte de Nova York tiveram finalmente permissão para reabrir no dia 29 de maio, depois que os oráculos revisaram os dados. A cidade de Nova York não se encaixou nos parâmetros porque apenas 28% dos seus leitores hospitalares estavam disponíveis.

Como os especialistas sabem que 28% é pouco e 30% é o suficiente? Eles não sabem. Eles estipularam um número. É uma estimativa baseada em informações, porque essa é a profissão deles, mas é também uma estimativa influenciada por isso. A carreira deles depende da contenção do vírus, e não da garantia de que crianças possam ir para a escola e adultos possam ir trabalhar.

Assim, quando especialistas refletem sobre os prós e contras de uma medida, eles levam em conta a defesa de sua profissão. Seria muito mais fácil se os restaurantes e outras empresas abrissem com os clientes tendo de permanecer a uma distância de dois metros, de acordo com a recomendações da Organização Mundial da Saúde. Mas as autoridades de saúde pública preferem se garantir aumentando a distância. Elas não sabem quantas vidas serão salvas e com certeza não sabem quantas empresas decretarão falência por causa dessas medidas. Não é função delas saber essas coisas.

Por mais “científicos” que pareçam, contudo, elas são influenciadas pelas mesmas tendências irracionais e incentivos perversos dos políticos e jornalistas. Ao criar modelos matemáticos e apresentar seus dados, elas são recompensadas pelo pessimismo, porque previsões assustadoras chamam mais atenção, geram mais financiamento de pesquisas e lhes dá mais poder. O cenário mais pessimista pode ser implausível, mas é digno de manchete e garante que ninguém culpará as autoridades por não terem previsto todas as mortes possíveis causadas pelo vírus.

Os danos colaterais das medidas de isolamento em todo os Estados Unidos talvez já sejam mais letais do que a pandemia em si, como concluíram Scott Atlas, do Hoover Institution, e outros pesquisadores. Eles estimam que as consequências do desemprego, da falta de acompanhamento médico e de outros fatores durante os dois meses de isolamento causarão tantas mortes que os norte-americanos perderão, juntos, o equivalente a 1,5 milhão anos de vida, quase duas vezes mais do que o que se perdeu até aqui com a Covid-19. Essas mortes não aparecem na contagem de corpos feita pela imprensa, então não consta das medidas tomadas com base em “ciência e dados” de Cuomo e outros políticos.

Cuomo prefere ouvir seus consultores sem se incomodar com as limitações deles – tampouco com seu histórico. Um deles, Samir Bhatt, é membro da equipe do Imperial College que criou o muito citado (e muito criticado) modelo matemático que projetava, no pior dos casos, que mais de 2 milhões de norte-americanos poderiam morrer por causa do vírus. Essa projeção nunca foi realista e o principal autor do projeto fez várias previsões exageradas em pandemias passadas, mas Cuomo e outros políticos confiaram no modelo do Imperial College para guiar suas decisões.

Em março, Cuomo analisou os números e disse que o estado de Nova York em breve precisaria de 110 mil leitos para pacientes com Covid-19 no auge da pandemia — mais de duas vezes a capacidade instalada. Na verde, a quantidade de leitos ocupados no pico da pandemia, em abril, acabou ficando abaixo dos 20 mil, menos da metade da capacidade instalada. Mas as autoridades estaduais temiam tanto ficar sem leitos que mandaram que os hospitais liberassem quartos transferindo pacientes com Covid-19 para asilos. Para evitar um desastre futuro, eles causaram um desastre presente ao permitirem que o vírus se espalhasse rapidamente em asilos, matando milhares de pessoas.

Ainda assim, a fé de Cuomo nos especialistas permaneceu inabalada, como explicou ele numa coletiva de imprensa recente na qual apresentou os consultores do estado. Ele concordou que os modelos matemáticos não tinham sido “100% precisos” — o que é um eufemismo, considerando que eles erraram em 90 mil a estimativa de leitos necessários para os pacientes com Covid-19. Mas deixe para lá. Temos de continuar tendo fé nos novos oráculos.

“Numa época tão dividida pela política, eleições e toda essa porcaria”, disse Cuomo, “estamos exercitando a ciência e a matemática”.

Sim, isso envolve ciência e matemática, mas é também um exercício de transferência de responsabilidade.

John Tierney é colaborador do City Journal e colunista de ciência no New York Times.

©2020 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês 
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