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Os administradores russo de uma página que incentiva a separação do Texas conseguiram incentivar os seus seguidores a realizarem um protesto armado anti-Islã em Houston | Pixabay
Os administradores russo de uma página que incentiva a separação do Texas conseguiram incentivar os seus seguidores a realizarem um protesto armado anti-Islã em Houston| Foto: Pixabay

No começo de 2016, enquanto pesquisava alguns dos grupos separatistas mais populares dos EUA na internet, eu encontrei uma das contas do Facebook controladas por russos que estavam atraindo milhares de americanos.

Na época, eu estava escrevendo sobre o relacionamento da Rússia com separatistas americanos do Texas, Havaí e Porto Rico. Eles eram pessoas que voaram até Moscou para trocar táticas, oferecer conselhos e encontrar apoio. Eles haviam encontrado socorro nas sombras do Kremlin. 

Foi assim que eu eventualmente achei o caminho até a página no Facebook do “Heart of Texas” (assim como o seu perfil no Twitter @itstimetoecede). Pouco tempo depois, o Heart of Texas cresceu e se tornou a página separatista texana mais popular no Facebook – e chegou a, em um momento de 2016, reunir mais seguidores do que as páginas oficiais dos partidos Democrata e Republicano do Texas juntas. Quando o Facebook desativou a página recentemente, ela tinha 250 mil seguidores. 

A página começou aos poucos – apenas algumas postagens por semana. Diferentemente de outros sites separatistas que eu encontrei, esse nunca divulgou nenhuma informação para contato, nunca identificou nenhum dos indivíduos por trás dos panos. Até mesmo com o crescimento, não havia nada que pudesse localizá-la no Texas – ou em qualquer outro lugar, aliás. Foi difícil ignorar a suspeita de que poderia haver algum envolvimento russo. 

Havia outros detalhes curiosos sobre o site. Seus administradores tinham uma ideia estranhamente unilateral sobre o assunto. Eles pareciam pensar, por exemplo, que texanos bebiam Dr. Pepper o tempo todo: enquanto dirigiam suas caminhonetes gigantes, enquanto balançavam suas bandeiras da batalha dos Confederados, enquanto reclamavam sobre os Yankees e os liberais e os vegetarianos. 

Mas o Heart of Texas, infelizmente, não era uma piada. Em dado momento, os administradores da página até conseguiram incentivar os seus seguidores a realizarem um protesto armado anti-Islã em Houston. Conforme se tornou mais claro com o tempo, isso era parte de uma estratégia maior. Os patrocinadores da página estavam interessados nas divisões internas exacerbadas na América. Em certos momentos, eles ofereciam apoio ao movimento Black Lives Matter, enquanto em outros momentos tocavam no racismo latente (e óbvio) da base aliada de Donald Trump

Erros de ortografia

Mas em meados de 2016, outros temas começaram a aparecer. As postagens começaram a seguir um caminho perceptível de extrema direita, enfatizando o status do Texas como um “estado cristão” ou promovendo a Segunda Emenda da Constituição dos EUA como um “símbolo de liberdade... para podermos ser livres para sempre de qualquer tirania”. Alguns dos colaboradores da página falaram sobre a necessidade de “manter o Texas texano”, seja o que for que isso significa.

Também houve uma dose generosa de teorias de conspiração. Houve postagens sobre a morte supostamente não natural do juiz da Suprema Corte, Antonin Scalia, e a suposta ordem federal de invasão por trás do exercício militar de Jade Helm. Citações falsas dos Fundadores dos EUA misturadas com afirmações anti-muçulmanas e hinos a Sam Houston. E o número de seguidores caminhou firmemente até chegar às centenas de milhares. 

Apesar dos autores do site entenderem bem o seu público, havia algo estranho nos seus textos. A seção “Sobre” da página declarava que “Texas é a terra protegida por Senhor (sic)”. Erros gramaticais e ortográficos estavam em todo lugar: “Apaixonado por Formato do Texas”, “Feira Estadual do Texas – Vocês Já Visitou?”, “Sempre Esteja Pronto para um Tamanho Texas”, “Sem Hypoclintos no Texas Abençoado por Deus”. (Ou podemos observar a legenda de uma foto do cantor de música country, George Strait: “A vida não é os suspiros que você toma, mas momentos que tiram o seu fôego (sic)”.) Ainda assim, os erros não pareciam despertar suspeitas na cabeça dos leitores. 

Até mesmo os pedidos da página para protestos em todo o estado no começo de novembro – em parte pró-separatismo, em parte anti-Clinton – eram ilegíveis. Uma postagem declarou que “nós somos cidadãos livres do Texas e cansamos desse show barato na tela”. O site convidava aqueles que comparecessem para “fazer fotos”. 

O Heart of Texas explodiu depois das eleições, reunindo dezenas de milhares de novos seguidores em 2017 que não se incomodaram com o seu inglês mutilado, o seu nativismo rançoso e os seus pedidos para romper os Estados Unidos. 

Farsa

Até que então, em agosto, a página havia desaparecido. De repente, a página separatista texana mais popular no Facebook foi revelada como uma farsa russa, operada pela notória Internet Research Agency, com o Facebook removendo o acesso público a todas as suas postagens. (Vale destacar que outro perfil no Instagram começou a postar materiais do Heart of Texas assim que a página original do Facebook foi removida.) 

Apesar das suas alegações de transparência, o Facebook na verdade impediu que o público pudesse examinar essas postagens e páginas. Até agora o Heart of Texas permanece como o único exemplo de um perfil russo que eu e outros pesquisadores conseguimos estudar detalhadamente antes do Facebook puxar o tapete. 

Sabemos que os russos por trás desses sites trataram todos os seus leitores, e principalmente aqueles que foram aos seus protestos em locais como Twin Falls, Fort Myers e Houston, como trouxas. Considerando que a soma dos seus seguidores chegou a milhões de pessoas – com algumas estimativas considerando o número total de visualizações na casa dos bilhões – eles provavelmente estavam certos. 

Os criadores do Heart of Texas visaram não apenas as tensões sociopolíticas dos Estados Unidos. Eles também exploraram a nossa ingenuidade, que acabou sendo muito maior do que eu poderia imaginar. E ao ajudá-los nessa grande mentira, o Facebook permitiu uma das maiores fraudes na história recente dos Estados Unidos.

Casey Michel é um jornalista de Nova York.

Tradução de Andressa Muniz
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