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A atriz Daniella Perez, morta em 1992 por seu colega de elenco Guilherme de Pádua e a esposa dele na época, Paula Thomaz: assassinos ficaram menos de sete anos presos
A atriz Daniella Perez, morta em 1992 por seu colega de elenco Guilherme de Pádua e a esposa dele na época, Paula Thomaz: assassinos ficaram menos de sete anos presos| Foto: Reprodução HBO Max

Perto de completar três décadas, o assassinato da atriz e bailarina Daniella Perez voltou a repercutir nos últimos dias, com o lançamento do documentário "Pacto Brutal", que, em menos de uma semana, se tornou a série original mais assistida da HBO Max. Ao tratar de um dos crimes de maior comoção popular na história do país, a produção traz novamente ao debate a permissividade da legislação brasileira para atentados contra a vida: enquanto a vítima foi brutalmente morta aos 22 anos, seus assassinos, Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, ficaram presos menos de sete anos e já estão há mais de duas décadas em liberdade, sem dívidas com a lei.

Nos anos 1990, o caso Daniella Perez chegou a resultar em uma emenda popular para incluir homicídio qualificado na Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), aqueles inafiançáveis e sem direito a benefício de progressão, ou seja, em que o réu teria que cumprir a pena em regime integralmente fechado. A mudança na lei ocorreu em 1994, graças a uma iniciativa popular com 1,3 milhão de assinaturas, encabeçada pela mãe da vítima, a novelista Glória Perez. Como o crime ocorreu dois anos antes, Pádua e Thomaz, condenados a 19 anos e 18 anos e meio, respectivamente, tiveram direito a progressão de regime, sendo soltos após o cumprimento de um terço da pena.

O dispositivo que passou a vedar esse tipo de benefício em casos de homicídio qualificado, no entanto, teve vida curta. Em 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a proibição da progressão de regime e, em 2007, o Congresso aprovou a nova mudança na legislação.

“Nosso problema é ideológico. Se formaram no Brasil várias gerações que aprenderam desde cedo que o bandido é um pobre coitado que não deve ser punido. Parece um conceito simplório, mas essa é a base da legislação criminal e do sistema de justiça criminal do país”, analisa o engenheiro, mestre em gestão e ex-consultor do Banco Mundial Roberto Motta, autor do livro “A construção da maldade – Como ocorreu a destruição da segurança pública brasileira”.

Na opinião de Motta, “a sentença do criminoso não pode ser mais leve que a sentença da vítima”. Segundo ele, alguns crimes, como o estupro, “equivalem para a vítima a uma condenação perpétua”. “No Brasil, o cara comete um  crime sexual, cumpre uma pena ridícula e ainda tem direito a visita íntima. Falam tanto em proteção à mulher, mas é só lacração. Nos Estados Unidos, por exemplo, há um cadastro de criminosos sexuais, o cara entra lá e não sai, qualquer pessoa pode consultar pela internet, e eles são barrados de exercer uma série de profissões”, compara.

O escritor ressalta que, em casos como o de Daniella Perez, outras democracias ocidentais puniriam os envolvidos com pena de morte ou prisão perpétua. “Não tem democracia mais consolidada que a do Reino Unido, que acabou de condenar um garoto de 14 anos por ter matado uma criança de cinco anos. No Brasil, ele passaria no máximo três anos internado.”

Nossas convicções: Dignidade da Pessoa Humana 

Mudança de mentalidade 

Atualmente, 40 anos é o tempo máximo que um criminoso pode ficar preso no Brasil. A Lei 13.964/2019, originada do Pacote Anticrime, elevou em dez anos (sem efeito retroativo para crimes praticados antes de 2019) o limite previsto até então no artigo 75 do Código Penal. Ainda assim, Roberto Motta traz em seu livro uma extensa lista de “crimes bárbaros” em que o autor “não ficou nem dez anos preso”. “Os assassinos do Tim Lopes [jornalista torturado e assassinado por traficantes em 2002], um com cinco anos progrediu para o semiaberto e fugiu, o outro com sete anos progrediu para o semiaberto e também fugiu”, recorda.

Vencer a guerra contra o crime no Brasil é possível, mas, para Motta, depende de uma mudança profunda “na cabeça” dos operadores do Direito. “Tem que ter uma massa crítica de legisladores, mas, acima de tudo, uma massa crítica de vozes da sociedade dizendo que isso é absurdo e tem que mudar. É preciso acabar com a progressão de regime, a coisa mais absurda, que não existe em nenhuma outra democracia, e com a audiência de custódia [dispositivo pelo qual um acusado preso em flagrante tem direito a ser ouvido por um juiz, para avaliar eventuais ilegalidades em sua prisão]”, defende.

“A situação é tão ruim no Brasil, que três ou quatro coisas que se fizer já causam um alívio tão grande, para que as outras coisas possam ser feitas ao longo do tempo”, completa Roberto Motta.

Decisão do STF 

A proibição da progressão de pena foi derrubada pelo STF durante o julgamento do pedido de habeas corpus do pastor evangélico Oséas de Campos, condenado por molestar três crianças, em Campos do Jordão (SP). O relator do processo na época, ministro Marco Aurélio Mello, avaliou que havia violação do princípio constitucional da isonomia e da individualização da pena, no que concordaram os ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau e Sepúlveda Pertence. Votaram contra a progressão Ellen Gracie, Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Nelson Jobim.

Até então, a lei previa regime integralmente fechado para pessoas condenadas por homicídio qualificado, latrocínio, extorsão mediante sequestro, extorsão qualificada pela morte, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte e  falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Embora vedasse decisões judiciais de progressão nesses casos, a norma já dividia o Supremo e vinha sendo mitigada em algumas decisões.

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