Detalhe da capa de “O Problema dos Três Corpos”, o primeiro romance da trilogia de Cixin Liu: diante dos horrores do comunismo, não seria melhor deixar tudo para os aliens?| Foto: /Divulgação

O clima político nos Estados Unidos tem se tornado cada vez mais sinistro nos últimos meses, obscurecido pela bravata petulante das conferências de imprensa de Donald Trump e pela inaptidão dos republicanos em sua tentativa de impedi-lo, muito após sua indicação como candidato ter se tornado inevitável.

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E talvez essa atmosfera lúgubre tenha enviesado a minha perspectiva, mas acabei percebendo um fio condutor em muitas histórias que saíram na última primavera (no caso, o outono do hemisfério sul). Para ser direta, eu diria que há um número considerável de séries de peso que vêm tratando da ideia de que a Terra seria um lugar melhor se ela se livrasse da humanidade e começasse de novo.

Em “O Problema dos Três Corpos”, o primeiro romance da trilogia de Cixin Liu, adaptado para o cinema num filme que deverá ser lançado na China no ano que vem, a cientista Ye Wenjie se sente tão amargurada com o sofrimento de sua família durante a Revolução Cultural (um sangrento episódio da história chinesa) e com as degradações ambientais da China, que ela convida uma espécie alienígena para que venha e purifique a humanidade

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Em “O Problema dos Três Corpos”, o primeiro romance da trilogia de Cixin Liu, adaptado para o cinema num filme que deverá ser lançado na China no ano que vem, a cientista Ye Wenjie se sente tão amargurada com o sofrimento de sua família durante a Revolução Cultural (um sangrento episódio da história chinesa) e com as degradações ambientais da China, que ela convida uma espécie alienígena para que venha e purifique a humanidade, aceitando por completo que os invasores podem simplesmente varrer a nossa espécie do mapa. Na trilogia “Comando Sul”, de Jeff VanderMeer, lançada em 2014 e que também será adaptada para o cinema, com um elenco que inclui Oscar Isaac, Gina Rodriguez e Natalie Portman, parte dos Estados Unidos desaparece por trás de uma barreira e se torna um território selvagem notavelmente virgem – intocado senão por alguns detalhes perturbadores – na ausência da humanidade.

E “Game of Thrones” também revelou que os Caminhantes Brancos, a força ominosa que avança sobre Westeros vinda do norte, foram transformados no que são agora como obra das Crianças da Floresta, numa tentativa desesperada de virar o jogo dentro do equilíbrio de poder travado contra os humanos, conforme eles se vinham aproximando do seu território e cortando suas árvores sagradas.

Devo notar que nenhuma dessas obras é de uma misantropia tão profunda que os seus autores aprovem a destruição total da humanidade, pelo menos não sem reservas.

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O melhor x o pior da humanidade

Em “O Problema dos Três Corpos” e suas sequências, as pessoas lutam com valentia para procurar maneiras de defender a Terra, e, no processo, servem como belos exemplos de que a Terra vale a pena ser defendida. Os cientistas que atravessam a barreira misteriosa nos livros de “Comando Sul” acabam tocados pela experiência imensa que é testemunhar a beleza e a estranheza transformadora que encontram nos novos espaços selvagens; se eles não estivessem lá para observá-la, afinal, nós mesmos não poderíamos apreciar aquilo que eles veem.

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Game of Thrones” pode ter o péssimo hábito de matar alguns dos seus personagens mais bonzinhos e admiráveis, deixando só o que tem de pior da humanidade em posições de poder, mas também já passou seis temporadas (e cinco romances bem volumosos) mostrando o quanto os Caminhantes Brancos dão medo. Essa nova revelação não reverte o que aprendemos antes.

O horror do comunismo

Mesmo assim, essas séries todas lançam um olhar penetrante sobre os piores impulsos da humanidade – ou, então, um olhar moderadamente esperançoso sobre o que há de emergir em sua ausência.

Ao ler as cenas de abertura de “O Problema dos Três Corpos”, em que a irmã de Ye Wenjie é fuzilada num confronto entre facções estudantis, seu pai é espancado até a morte numa “sessão de luta” [uma forma de humilhação pública praticada pela China da era Mao] e sua mãe tem um colapso mental que conseguiu me deixar desesperada, na mesma medida que o gosto de Ramsay Bolton (Iwan Rheon) por estupro, tortura e parricídio me deixaram em dúvida se sequer havia qualquer chance de justiça no mundo de “Game of Thrones”. A perspectiva da possibilidade de que Ramsay se sentasse no Trono de Ferro seria a crítica definitiva aos lugares-comuns das obras de fantasia sobre reis bondosos e reinos restaurados, mas também talvez fosse sinistra demais para suportarmos.

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Dia a dia mundano

Os romances de “Comando Sul” têm uma abordagem diferente: o mundo além da Área X, a misteriosa zona de contenção, pode até ser maculado e sem graça, mas não é necessariamente definido pela crueldade. Em vez disso, descobrimos que a Área X é, na verdade, um lugar assombrosamente vivo e verdejante, num contraste brutal com as vidas atenuadas que os personagens dos romances levam em seu dia a dia mundano.

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É estarrecedor, quando não horripilante, em alguns casos, o custo que os personagens pagam para visitar a Área X. Mas é impossível negar que há algo de notável acontecendo aqui também. É uma das raras histórias que se dão ao trabalho de considerar se a humanidade deveria prevalecer contra uma força invasora – o que costuma ser dado de barato.

Seria um pouco forçado dizer que essas histórias todas respondem a um único conjunto de angústias e avaliações do comportamento humano. George R. R. Martin começou a escrever os romances que viriam a se tornar “Game of Thrones” em 1991, e o primeiro deles foi publicado em 1995. “O Problema dos Três Corpos” surgiu num contexto chinês (lá ele foi publicado em 2008) e parte de um conjunto de pressupostos muito diferentes do nosso sobre qual seria a chave da sobrevivência da humanidade no evento de uma invasão alienígena. E os livros de “Comando Sul” têm suas raízes no St. Marks National Wildlife Refuge, uma área de preservação ambiental da Flórida.

Mesmo assim, vistas assim juntas, as três obras passam uma impressão perturbadora. A humanidade pode acabar sendo vitoriosa e ainda assim descobrir-se no papel de vilã de sua própria história.