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Uma escolha difícil? Por que jornais americanos decidiram não apoiar nem Trump, nem Kamala

Sede do Washington Post, de Jeff Bezos: manobra de última hora vetou um editorial em apoio a Kamala Harris.
Sede do Washington Post, de Jeff Bezos: manobra de última hora vetou um editorial em apoio a Kamala Harris. (Foto: Wikimedia Commons/Daniel X. O'Neil)

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Tempos polarizados pedem um jornalismo com posicionamento firme? Ou, no mínimo, coerente? Se depender dos 250 mil leitores do Washington Post que cancelaram suas assinaturas nos últimos dias, a resposta é sim.

De propriedade do bilionário Jeff Bezos, fundador da Amazon, o jornal endossou os candidatos democratas à presidência dos EUA nas duas últimas eleições. Trata-se de uma prática comum na imprensa americana, que remonta ao final do século XIX e se limita aos editoriais.

Porém, numa manobra inesperada e de última hora, Bezos vetou, na última sexta-feira (25), a publicação de um editorial em apoio à vice-presidente Kamala Harris. E então o caos se instaurou no Post – tanto na redação quanto no departamento comercial. 

Uma matéria apresentada pela National Public Radio (NPR) calcula que o veículo perdeu 10% de sua base de assinantes em menos de uma semana.

Boa parte desse público migrou para concorrentes como Philadelphia Inquirer, Boston Globe e da versão americana do jornal britânico Guardian, todos apoiadores da candidata democrata (a informação é do site da Fundação Nieman para o Jornalismo, mantida pela Universidade de Harvard).

Internamente, a opção pela “neutralidade” também pegou mal: três dos mais importantes editorialistas pediram para deixar o conselho e se dedicar apenas à reportagem, enquanto outros 21 colunistas assinaram uma declaração de repúdio ao recuo do bilionário. Segundo o texto, “a recusa do empregador em apoiar um candidato presidencial é um erro”.

Mesmo William Lewis, editor-executivo do jornal, e que ficou do lado de Bezos, fez um mea culpa. “Reconhecemos que isso será lido de várias maneiras, incluindo um endosso tácito de um candidato, ou uma condenação de outro, ou ainda uma abdicação de responsabilidade. Isso é inevitável.”

Na segunda-feira (28), foi a vez do próprio Bezos se pronunciar nas páginas do Washington Post. De acordo com o segundo homem mais rico do mundo (o primeiro é Elon Musk), os endossos a políticos “não fazem nada para influenciar a balança de uma eleição” e “criam uma percepção de parcialidade”.

Tendência de não endossar candidatos tem crescido entre os jornais dos EUA 

A neutralidade defendida por Jeff Bezos segue uma tendência recente na mídia americana. Na mesma semana do anúncio feito pelo Post, o Los Angeles Times também desistiu de apoiar Kamala Harris – o que causou a renúncia do coordenador de editoriais e de outros dois membros do conselho.

O jornal é igualmente comandado por um bilionário, Patrick Soon-Shiong, do ramo biofarmacêutico. Ele afirma que tomou a atitude, vista como um ato de censura pelos jornalistas, por temer endossar um político que aumentasse a divisão do país. 

Glenn Taylor, dono do time de basquete Minnesota Timberwolves, é outra figura riquíssima que saiu desse “jogo”. Em agosto, ele proibiu os editorialistas de seu jornal, o Star Tribune, de explicitar qualquer tipo de defesa a um dos candidatos.

A lista não para por aí. O fundo de investimento Alden Global Capital, proprietário de mais de 200 veículos de imprensa (entre eles o Chicago Tribune e o Denver Post), já havia declarado em 2022 que não apoiaria mais candidatos nacionais em seus espaços de opinião.

Aliás, permitir a parcialidade apenas no âmbito regional é outra propensão do mercado. Um bom exemplo – e de grande escala – é o do USA Today, um dos jornais com maior circulação do país.

Na última segunda-feira (28), o grupo entrou na nova onda e abriu mão de endossar um presidenciável. No entanto, liberou os editores das cerca de 200 publicações de sua rede espalhadas pelo país para “apoiar em nível estadual ou local”. 

As justificativas são sempre as mesmas: não acirrar ainda mais um debate público já radicalizado, buscar a imparcialidade que está (em tese) na raiz do jornalismo e conquistar os leitores de centro, abandonados há mais de uma década.

Jeff Bezos, dono do Washington Post, é acusado de adotar postura “preventiva” em relação a possíveis retaliações de Donald Trump.Jeff Bezos, dono do Washington Post, é acusado de adotar postura “preventiva” em relação a possíveis retaliações de Donald Trump. (crédito: Wkimedia Commons/Daniel Oberhaus) (Foto: Wkimedia Commons/Daniel Oberhaus)

Campanha nas redes também incentiva o boicote ao Amazon Prime 

Mas nem toda guinada para a dita neutralidade é bem aceita pelo público, como se vê no caso dos 250 mil ex-assinantes do Washington Post – a maioria eleitores democratas descontentes com o recuo do veículo em apoiar Kamala Harris.

Para eles, Jeff Bezos e outros magnatas da mídia estão tomando esse tipo de decisão movidos por uma postura “preventiva” em relação a possíveis retaliações de Donald Trump (que, segundo os analistas, aumentou suas chances de ser eleito nas últimas semanas).

Bezos, por exemplo, precisa de apoio federal para expandir a Blue Origin, sua empresa de foguetes e voos espaciais com tripulantes – um mercado dominado pela SpaceX de Elon Musk, defensor ferrenho de Trump.

E não pense que os republicanos estão do lado de Bezos. Ao contrário, querem mais é ver o circo pegar fogo. Afinal, o bilionário tem uma rixa antiga com o ex-presidente, e o jornal passou os quatro anos de seu governo o tratando como um tirano fascista.

Muitos “trumpistas”, inclusive, entraram de cabeça numa campanha informal que vem ganhando força nas redes: “Não cancele apenas sua assinatura do Washington Post. Cancele também o Amazon Prime!”.

O debate, portanto, vai além da questão da neutralidade jornalística – pelo menos neste episódio protagonizado por Jeff Bezos e outros empresários de olho nos próximos quatro anos.

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