O candidato de centro-direita Sebastián Piñera lidera as pesquisas de opinião| Foto: CLAUDIO REYESAFP

O Chile que vai às urnas neste domingo (19) eleger um novo presidente, 23 senadores e 155 deputados acaba de fechar um ciclo e vive uma dispersão político-partidária inédita desde a redemocratização, em 1990, quando o general Augusto Pinochet deixou o poder após 17 anos. Estão concorrendo ao pleito o candidato de centro-direita Sebastián Piñera - líder nas pesquisas de opinião-, Alejandro Guillier (centro-esquerda), Beatriz Sánchiz (esquerda), Carolina Goic (centro-esquerda), José Antonio Kast (direita) e Marco Enríquez Ominamo (esquerda). "Dos 14 partidos que tínhamos até 2016, fomos para 28, e a maior parte dos novos tem um espírito antiglobalização, protecionista, tanto à esquerda como à direita", disse à Folha o cientista político Guillermo Holzmann, da Universidade de Valparaíso.

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Analistas ouvidos pela Folha concordam que essa fragmentação resulta da diluição da histórica aliança de partidos de centro, centro-esquerda e esquerda na primeira frente contra a ditadura pinochetista, a Concertação. Fundada antes do plebiscito pelo fim da ditadura (então com o nome "Concertação de Partidos pelo 'Não'"), governou o Chile por 20 anos após o fim do regime. 

Depois, passou a chamar-se Nova Maioria, incorporando mais partidos. É por essa aliança que a atual presidente, Michelle Bachelet, governa hoje em seu segundo mandato (não consecutivo). "O fim da ditadura foi um momento histórico e romântico de aliança de forças por um objetivo comum, pôr fim à ditadura. Isso foi útil em seu momento", diz Hollzman. 

 "Nos últimos tempos, a Nova Maioria foi desiludindo seus eleitores por não conseguir derrubar o legado pinochetista, devido às acusações de corrupção e pela mudança de conjuntura histórica, que favoreceu o desmembramento dos partidos." 


Já para Patricio Navia, sociólogo e professor da Universidade de Nova York, desde que a ditadura chegou ao fim, o bloco de centro-esquerda se beneficia da polarização com Pinochet (1915-2006). "Primeiro, com ele vivo. Depois, com ele morto, ao se posicionar contra sua herança, seu modelo econômico, sua Constituição. Mas, agora, essa coalizão, que avançou ao devolver a democracia ao Chile, lida com o desgaste e um fracasso, que é não ter podido substituir a Carta de Pinochet", explica. 

De fato, uma das bandeiras eleitorais de Bachelet para este mandato, que termina em março, era convocar uma assembleia constituinte e redigir um novo texto. Mas, com as dificuldades na relação com o Congresso, no qual Bachelet não tem maioria, isso não foi possível. "Das mudanças que prometeu, que eram muito radicais, Bachelet conseguiu algumas, mas sem mudar a Carta por completo", avalia Fernando García Naddaf, da Universidade Diego Portales.

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Entre as reformas alcançadas, estão a legalização do aborto em casos de estupro, inviabilidade do feto e risco de morte da mãe (antes a interrupção forçada da gravidez era proibida em todos os casos), o aumento da população universitária com direito à gratuidade do ensino (embora sem atingir os 100% prometido), o casamento gay e parte das reformas tributária e trabalhista que propôs. 

Para o ex-presidente socialista Ricardo Lagos (2000-2006), a dissolução da Nova Maioria "é muito negativa". "Torço para que o próximo domingo seja uma espécie de primária, e que depois disso volte a haver uma convergência entre as forças de centro-esquerda e esquerda", diz.

Pinochetista quer Estado mínimo

"Muitas coisas do período Pinochet foram boas, como as medidas econômicas, a saúde e a educação. Eu proponho resgatar o que houve de positivo naquele tempo", diz o candidato presidencial José Antonio Kast, 51, que tem 6% da preferência do eleitorado para o pleito do próximo domingo (19), segundo pesquisas de opinião.

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Em entrevista em Santiago, Kast diz reconhecer que houve abusos de direitos humanos durante a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-90), em que mais de 3.000 pessoas morreram, mas que se trata de um assunto para o Judiciário.

"A Justiça chilena, nos últimos tempos, se deixou levar muito por um espírito de vingança. Defendo que haja um indulto ou uma progressão de pena (passando à prisão domiciliar) para repressores que estejam na cadeia, mas já tenham idade avançada, doenças graves ou terminais."

Kast tem formação como advogado e pertencia à UDI (União Democrata Independente, de direita), da qual saiu para concorrer de forma independente, evitando assim disputar a primária com o agora favorito no pleito, Sebastián Piñera.

O candidato diz que, caso seja eleito, uma de suas primeiras medidas será pedir a revogação da Lei do Aborto, que permite o recurso a mulheres que foram vítimas de estupro, cuja vida esteja em risco ou em casos de má-formação do feto. Antes dela, o Chile era dos poucos países que proibiam o aborto em qualquer circunstância.

"Defendo valores, princípios, e um dos principais é o da defesa da vida", disse. Católico, Kast tem nove filhos. O candidato tece críticas à primeira gestão do centro-direitista Sebastián Piñera (2010-14), que para ele não atuou "com suficiente energia contra a delinquência, o terrorismo e o narcotráfico", além de ter "aumentado o tamanho do Estado, quando eu defendo um Estado austero".

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Seu plano de governo prevê cortes nos gastos sociais, redução do funcionalismo público, fim da gratuidade universitária --durante a gestão Bachelet, houve a implementação da gratuidade para 60% dos estudantes-- e uma reforma da Previdência.

"As aposentadorias precisam ser mais flexíveis. A expectativa de vida do chileno está entre as maiores da América Latina, por volta dos 80 anos. Se temos cidadãos se aposentando entre os 60 e os 65, o Estado tem de cuidar deles por 20 anos", explica. Sua proposta é que a aposentadoria seja construída a partir de aportes dos próprios cidadãos, "e o Estado apenas complementaria no caso das famílias mais carentes".

Quanto à violência no sul do país, que vem crescendo devido à insurgência de grupos extremistas mapuche que reivindicam sua soberania sobre territórios da Araucania, Kast diz que é preciso usar mais o Exército e a Lei Antiterrorista --que permite prisões preventivas e contempla condenações mais duras.

"Minha concepção de terrorismo não está ligada diretamente à etnia mapuche. O terrorismo não tem etnia, o terrorismo é coisa de covardes. Se, no caso de nosso país, delitos graves como incêndios e assassinatos estão ocorrendo por conta da reivindicação violenta de alguns grupos mapuche, defendo uma linha mais dura na abordagem desse problema."

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Jornalista representa movimento estudantil de 2011 

Há um ano, a jornalista Beatriz Sánchez, 46, nem sonhava com uma carreira política quando foi contatada por um grupo de jovens congressistas e líderes de movimentos estudantis. A proposta do coletivo era que ela fosse a candidata presidencial da então recém-criada Frente Ampla, uma coalizão de pequenos partidos e organizações sociais de esquerda, críticos à gestão de Michelle Bachelet. 

Além da afinidade política, Sánchez tinha o que faltava aos principais líderes da Frente Ampla. Os deputados Giorgio Jackson e Gabriel Boric, surgidos das manifestações de 2011, assim como a também congressista Camila Vallejo, não poderiam concorrer à Presidência por causa da pouca idade --no Chile, é preciso ter mais de 40 anos para disputar o cargo. 

No primeiro semestre, a candidatura de Sánchez despontou, chegando aos 18%. Agora, estacionou na casa dos 14%, e possivelmente ela ficará de fora de um provável segundo turno. Ainda assim, seu eleitorado vem sendo cobiçado pelo centro-esquerdista Alejandro Guillier, que, segundo as pesquisas, passaria para essa disputa final com Piñera, no próximo dia 17 de dezembro. 

A Frente Ampla por ora se recusa a anunciar um apoio a Guillier na segunda fase da eleição. "Disse e repito: não vamos jogar a final antes da semifinal. Não tem sentido adiantar conversas ou negociações para um segundo turno se ainda não sabemos o resultado de 19 de novembro", afirma Sánchez. 

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Além de se propor a avançar nas reformas iniciadas por Bachelet (por exemplo, para alcançar os 100% de gratuidade no ensino superior e aumentar a participação do Estado no sistema de aposentadorias, hoje privatizado), a Frente Ampla é das poucas coligações a defender políticas de integração social de imigrantes --uma população que vem crescendo nos últimos anos, com a chegada de grandes contingentes de venezuelanos e de haitianos.

Outro ponto que o grupo de legendas pretende levar ao debate é o da soberania da população mapuche, etnia indígena não reconhecida pela Constituição chilena que busca dar visibilidade a sua causa tanto por meio de protestos pacíficos quanto de atentados planejados por alas extremistas.