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Patos, na Paraíba

Falta asfalto, sobra violência: conheça o feudo eleitoral da família de Hugo Motta  

Hugo Motta vistoria obra em Patos (PB) ao lado do pai, o prefeito Nabor Wanderley, em fevereiro deste ano.
Hugo Motta vistoria obra em Patos (PB) ao lado do pai, o prefeito Nabor Wanderley, em fevereiro deste ano. (Foto: Erik Clementino/Gabinete de Hugo Motta)

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Em 8 de fevereiro de 2011, o jovem deputado federal Hugo Motta (então no PMDB) subiu à tribuna da Câmara dos Deputados pela primeira vez. Ele acabara de tomar posse no mandato, e não se esqueceu de sua cidade natal.

“Neste meu primeiro pronunciamento, gostaria de agradecer à Paraíba pela benevolência de ter me escolhido Deputado Federal para representar nosso Estado aqui nesta Casa, em especial minha cidade de Patos, no sertão da Paraíba, que há 12 anos não tinha um filho da terra deputado Federal”. 

O deputado tinha apenas 21 anos e era aluno de Medicina na Universidade Católica de Brasília. 

Hoje presidente da Câmara e filiado ao Republicanos, Hugo Motta está entre os políticos eleitos mais importantes do Brasil.

A trajetória de Motta, herdeiro de um clã centenário, ajuda a explicar alguns dos problemas crônicos da política brasileira. Longe de ser um jovem prodígio, ele é apenas o representante de um clã político que domina a política de Patos há décadas. 

Raio X de Patos 

Com pouco mais de 100 mil habitantes, Patos é a quarta maior cidade da Paraíba. Ainda assim, não é raro encontrar carroças no centro da cidade.  

A economia da cidade não se sustenta de pé sozinha: segundo os dados do governo Federal, Patos tem 36,1 mil pessoas beneficiadas pelo Bolsa-Família e apenas 14,1 mil carteiras assinadas. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita de Patos, que foi de R$ 18.329 em 2021, é apenas um terço da média nacional.  

Em 2010, ano da medição mais recente do Índice de Desenvolvimento Municipal (IDH-M), Patos estava na marca de 0,701. Era o quinto índice mais alto da Paraíba, e o 1866 mais alto dentre os 5.565 municípios brasileiros. Ainda assim, Patos ficou atrás de municípios considerados problemáticos nas grandes regiões metropolitanas do país, como Francisco Morato (SP) e Duque de Caxias (RJ). 

Os números não foram atualizados porque dependem de dados do Censo, e nem todos os números do Censo 2022 estão disponíveis. 

Na Educação, Patos tem um desempenho discreto, e não está entre as 30 maiores notas do Ideb no estado. A infraestrutura urbana também deixa a desejar: apenas 57,6% das ruas são pavimentadas. 

Apesar do tamanho modesto, Patos sofre com a violência: em 2023, a taxa de homicídios da cidade ficou acima dos 30 assassinatos por 100 mil habitantes — muito além da já elevada média nacional de 22,8. Poderia ser pior: no ano anterior, o índice foi de 45 mortes por 100 mil habitantes. 

E a família de Hugo Motta tem muito a ver com isso. 

Feudo eleitoral 

Já se passaram 74 anos desde que Darcílio Wanderley da Nóbrega assumiu a prefeitura de Patos (PB). Em 1955, ele foi sucedido pelo primo, Nabor Wanderley da Nóbrega. 

Depois de passar pelas mãos de outros membros da família (como Dinaldo Medeiros Wanderley e outros dois Nóbregas), o cargo passou a ser de Nabor Wanderley da Nóbrega Filho, em 2005. Ele passou oito anos no comando da prefeitura antes de ser substituído por Francisca Gomes Araújo Motta. Sua sogra. 

Em 2017, chegou a vez de Dinaldo Medeiros Wanderley Filho. E, em 2021, Nabor Wanderley da Nóbrega Filho reassumiu o posto, antes de conquistar a reeleição (e o quarto mandato) em 2024.  

Wanderley da Nóbrega Filho é pai de Hugo Motta. Por isso, eleger-se deputado federal aos 21 anos não foi um feito tão assombroso quanto possa parecer.

Na Câmara dos Deputados, o jovem parlamentar se aproximou da turma de Eduardo Cunha (então no PMDB) e começou a ganhar cargos de destaque. O primeiro deles, em 2013, foi o de presidente da CPI da Petrobras.

Em fevereiro deste ano, Hugo Motta levou a avó, a deputada estadual Francisca Motta, para visitar Lula em Brasília.Em fevereiro deste ano, Hugo Motta levou a avó, a deputada estadual Francisca Motta, para visitar Lula em Brasília. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Pai de Hugo Motta é investigado por corrupção 

A família de Hugo Motta é boa no varejo da política, e não necessariamente se identifica com um grupo de ideias ou princípios. Motta foi aliado tanto de Jair Bolsonaro quanto de Lula, sem nunca aderir completamente a um dos dois governos. A proximidade com o poder é essencial para irrigar a cidade com recursos federais e manter a base eleitoral contente. 

Como uma família tipicamente brasileira, o clã de Hugo Motta tem seus problemas. O pai é investigado por falsidade ideológica na transferência de uma emissora de rádio para a filha, e foi recentemente obrigado a devolver R$ 900 mil aos cofres públicos, por decisão do Tribunal de Contas da Paraíba. 

Ele também responde por improbidade administrativa nos primeiros dois mandatos. Segundo o Ministério Público Federal, uma série de irregularidades na gestão da prefeitura causou, entre 2004 e 2012, um prejuízo de R$ 4,9 milhões aos cofres municipais (equivalentes a mais de R$ 12 milhões atualmente). 

Coronelismo se modernizou 

Para o cientista político Robson Carvalho, especialista em Gestão Pública e pesquisador da Universidade de Brasília, a história da família de Hugo Motta revela uma modernização do coronelismo. “Muitos grupos políticos familiares são sucessores das velhas oligarquias e do velho coronelismo. Ao invés deles se renovarem em relação à forma de fazer política, eles acabam se transformando em herdeiros, inclusive das antigas práticas, que vão passando de pai para filho — como patrimonialismo, coronelismo, nepotismo e assistencialismo”, ele afirma. 

Carvalho diz que a presença de uma estrutura familiar na política permite que os cargos públicos sejam alocados dentro do grupo familiar — o que explica a eleição de Hugo Motta para a Câmara Federal aos 21 anos. “Cada espaço de poder passa a ser utilizado como uma estrutura, como um trampolim para conquistar outros espaços de poder”, diz. 

Clãs políticos não se limitam ao Nordeste 

A história eleitoral da família de Hugo Motta não pode ser explicada simplesmente com base na coerção. Por que eleitores de diferentes gerações continuam votando em representantes de clãs políticos? Porque, na prática, a escolha não é tão livre assim. 

Um estudioso do tema, o cientista político José Marciano Monteiro, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), diz que esses clãs desenvolveram um aparato poderoso capaz de garantir a própria perpetuação no poder: “Como esses grupos controlam partidos, recursos dos partidos, mídia local, empresas, dentre outros, o eleitor passa a escolher aquele que o partido escolhe. E, como os partidos no Brasil não possuem democracias internas, o eleitor escolhe o que essas famílias escolhem”, ele analisa. 

Segundo Monteiro, os clãs políticos são um fenômeno da política nacional, e não se limitam ao Nordeste. “Hugo Motta é apenas um exemplo da forma como historicamente tem se constituído o poder político em nosso país”, afirma. 

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