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Pouco conhecido no Brasil, o movimento "flight shame" ganha força. Mas a redução das emissões de gases pelos aviões depende de melhorias tecnológicas.
Pouco conhecido no Brasil, o movimento “flight shame” ganha força. Mas a redução das emissões de gases pelos aviões depende de melhorias tecnológicas.| Foto: Pixabay

A ativista Greta Thunberg viajou de Londres até Nova York por duas semanas em um veleiro sustentável para participar de uma conferência sobre o clima na sede da Organização das Nações Unidas (ONU). Desde 2015, ela decidiu boicotar empresas aéreas em virtude da alta quantidade de gases do efeito estufa emitidos por esse meio de transporte. Mas será que essa ideia pode ajudar o meio ambiente?

Muita gente não entendeu ou achou a ideia de Greta muito radical, mas sua ação integra um movimento que, embora ainda pouco conhecido no Brasil, vem se intensificando na Europa e já tem até nome: flight shame, ou “vergonha de voar”. Os suecos criaram até um termo - “flygskam” - para definir a vergonha de pegar um avião para curtir suas férias.

São os ativistas que levantam a bandeira de boicote às empresas áreas como forma de proteger o meio ambiente e conscientizar as pessoas sobre os impactos que pegar um avião causa no meio ambiente. De acordo com a Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci), atualmente as companhias aéreas são responsáveis ​​por cerca de 2% das emissões de dióxido de carbono (CO2) no mundo. Desde 1990, porém, o dióxido de carbono emitido pelos aviões aumentou em cerca de 87%, e o setor deve continuar se expandindo nas próximas décadas.

Um dos primeiros movimentos de boicote foi o Flight Free UK, criado pela ciclista Anna Hughes há uma década. Em seu site, lê-se: “Uma das coisas mais eficazes que você pode fazer para reduzir sua pegada de carbono é voar menos. Ajude a evitar o colapso climático comprometendo-se a não voar em 2020”.

A pegada de carbono é uma forma de contabilizar, a partir dos hábitos de um indivíduo, quanto de gases poluentes ele emite em sua vida.

Para efeito de comparação, cada passageiro de um trem com 150 passageiros emite cerca de 14 gramas de CO2 por km, enquanto no transporte aéreo essa relação é de 170 gramas de CO2 por km. Os cálculos são da London School of Economics (LSE).

Os danos que o transporte aéreo causam ao meio ambiente não param por aí. Os aviões também liberam vapor de água e óxido nitroso na atmosfera. Essas emissões acentuam o efeito estufa e, consequentemente, as mudanças climáticas.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estima que o impacto da aviação nas mudanças climáticas é de dois a quatro vezes maior do que o efeito causado apenas por suas emissões de CO2.

No caso de o passageiro não poder abdicar do transporte aéreo, as organizações que defendem o boicote às empresas aconselham precauções. Entre as recomendações estão a de levar pouca bagagem (porque quanto menos peso transportado, menos combustível é necessário), escolher rotas sem escalas (já que a maior parte do combustível é despendido na decolagem e aterrissagem), viajar de classe econômica (porque a pegada de carbono por passageiros de primeira classe é muito maior) e optar por companhias aéreas que emitam menos CO2 por passageiro.

Boicotar empresas aéreas ajuda o meio ambiente?

“No geral, a eficácia de políticas baseadas em ética e moral é muito baixa. Isso está bem documentado na área de políticas públicas”, afirma Diego Cardoso, doutorando em economia aplicada pela Universidade Cornell e estudioso da economia do meio ambiente e energia.

Ele lista diversas dificuldades para que um movimento como o do flight shame seja bem sucedido. “A primeira é a do alcance, que seria muito limitado, a menos que se gaste muito com publicidade. Depois, há a barreira de conversão. Entre a pessoa ser informada sobre algo e mudar o comportamento há um abismo”, afirma.

E, caso as duas primeiras barreiras sejam superadas, ainda há uma terceira barreira: a da continuidade. “O indivíduo pode alterar o comportamento enquanto é exposto ao estímulo, mas não persistir depois”, explica.

Apesar das dificuldades, Cardoso deixa claro que não se opõe ao flight shame: “Faz parte da livre expressão, inclusive. O que não dá é para pautar uma política pública por isso”, diz.

A preocupação de Cardoso reflete a do mundo acadêmico que pesquisa como diminuir a pegada de carbono utilizando a menor quantidade possível de recursos, isto é, diminuindo o impacto financeiro que isso pode ter na vida das pessoas.

“Pense o caso da sacola plástica. Você pode gastar milhões em propaganda para incentivar as pessoas a não usarem as sacolas, ou as usarem menos. Ou você cobra 10 centavos por sacola, o que custa muito menos e afeta as decisões de todo mundo. O retorno é maior assim”, compara.

Empresas aéreas se preocupam com meio ambiente antes de o flight shame virar moda

Ativistas apontam que, nos países em que o flygskam está mais forte, o crescimento no número de passageiros das companhias aéreas foi menor. A Suécia é o país com o maior número de adeptos e, no ano passado, registrou uma queda de 3% no número de passageiros de vôos domésticos em 10 aeroportos do país.

Mas esse número não leva em conta as mudanças na estrutura do setor e, principalmente, no preço por causa da alta nos custos. Estudos estatísticos específicos são necessários para se definir se há causalidade entre o movimento de boicote e a redução.

Além disso, já faz tempo que empresas aéreas vêm se preocupando em se reinventar, tomando medidas para diminuir a emissão de gases poluentes. A melhora na eficiência dos aviões contribui para o meio ambiente. A United Airlines, por exemplo, afirma que melhorou sua eficiência de combustível em 45% desde 1990.

Desde 2009, a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), que reúne 290 companhias aéreas em 120 países, assumiu o compromisso de, em 2050, emitir metade dos níveis de gases poluentes em relação ao ano de 2005.

A sueca SAS se comprometeu a reduzir as emissões em 25% até 2030, além de iniciar um processo de implementar vôos domésticos com biocombustíveis. Já a britânica IAG planeja investir US$ 400 milhões no desenvolvimento de combustíveis alternativos nas próximas duas décadas. E a americana United Airlines gastará até US$ 2 bilhões por ano em aeronaves que consomem menos combustível.

A holandesa KLM chegou a lançar uma campanha em julho de 2019 pedindo aos passageiros que voassem menos em virtude dos impactos ambientais dos voos comerciais.

Mas não há maneiras fáceis de reduzir significativamente as emissões - pelo menos não no curto prazo, por conta das dificuldades tecnológicas. Algumas aéreas já utilizam biocombustíveis, mas em proporções pequenas em virtude do preço. Além disso, os biocombustíveis não devem ser uma solução em longo prazo. Um relatório apresentado no painel da conferência climática da ONU de 2018 estimou que seriam necessários 7 milhões de quilômetros quadrados de terra fértil - quase uma Austrália - para suprir toda a demanda da indústria aérea.

Outra solução para a redução das emissões seria o desenvolvimento de aeronaves elétricas e híbridas. Mas elas não devem estar disponíveis em larga escala antes de 2050.

Imposto verde

Os ativistas também pedem impostos maiores sobre combustíveis, já que em boa parte da União Europeia a aviação está isenta de tributação. Nesse sentido, tanto o governo sueco quanto o holandês defendem na União Europeia a introdução de imposto sobre combustíveis na aviação.

Este ano, por exemplo, a França anunciou um imposto ecológico que varia entre 1,50 e 18 euros para todos os voos que saem do país, numa tentativa  do presidente Emmanuel Macron de conquistar o crescente “eleitorado verde”.

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