Fora da bolha: os usuários de internet interessados em política consultam, em média, 4,5 diferentes veículos| Foto:

Relatório divulgado no início deste mês por acadêmicos britânicos e da América do Norte, baseado no resultado de uma pesquisa envolvendo 14 mil internautas de sete países, conclui que as notícias de que a democracia agoniza, intoxicada pelo fluxo radioativo da internet, foram largamente exageradas. 

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O resultado talvez surpreenda muita gente. Em novembro do ano passado, quando a opinião pública mundial ainda cambaleava, tentando entender a inesperada vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas, a revista Wired, uma das principais referências do mundo digital, publicou artigo com o título apocalíptico “Sua Bolha de Filtro Está Destruindo a Democracia”, numa referência à suposta tendência dos usuários da internet de isolarem-se em grupos de opinião comum, imunes ao contraditório. Em seguida, ergueu-se um coro global de alerta quanto aos perigos da disseminação de notícias falsas pelos meios digitais. 

Rapidamente, formou-se o consenso de que os pressupostos do diálogo político democrático — a exposição a argumentos diversos e à informação confiável — tinham sido comprometidos pelo estado atual da Web, com sua dinâmica de algoritmos de busca e redes sociais. 

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Filé malpassado

Popularizada pelo ativista online Eli Pariser em um livro publicado 2011, a expressão “bolha de filtro” se refere à possibilidade — para alguns, a certeza — de que os algoritmos de mecanismos de busca como o Google, cada vez mais refinados para nos trazer os resultados que desejamos, acabem nos confinando em “bolhas” autocomplacentes e nos afastam dos resultados de que realmente precisamos: em vez do médico que faz a melhor prescrição possível, a internet estaria se transformando no garçom que sempre sugere o filé da casa, malpassado. 

Para muitas pessoas, resultados políticos como a já citada eleição de Trump, a opção dos britânicos pela saída da União Europeia e, no Brasil, a ascensão de figuras como o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) parecem sugerir que a distopia de Pariser, ao menos no que diz respeito ao mundo político, encontra-se visível no horizonte. 

Mas, se há uma distopia a caminho, culpa não é dos motores de busca e nem das redes sociais – em outras palavras, do Google e do Facebook –, aponta o estudo “Search and Politics” (“Busca e Política”), divulgado pelo Centro James and Mary Quello da Universidade Estadual de Michigan (EUA), mais conhecido como Quello Center. O trabalho dessa instituição é financiado pelo Google, o que talvez explique a linguagem entusiasmada que se encontra em certos trechos do estudo, assinado por pesquisadores da Estadual de Michigan, da Universidade de Ottawa e de Oxford. Mesmo se lidos com um grão de sal, no entanto, os dados e conclusões apresentados merecem reflexão. 

Ecossistema de mídias

A base do relatório é uma pesquisa realizada com 14 mil usuários da internet baseados na Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Reino Unido e Polônia, à qual foram agregados dados do próprio Google sobre hábitos e frequências de pesquisa online. 

Os resultados mostraram variações significativas entre os países quanto ao consumo de mídia na hora de se informar sobre questões políticas – poloneses, espanhóis, italianos e americanos sendo os que mais usam a internet para este fim e franceses, alemães e britânicos, os que menos se fiam na rede. No apanhado geral, a mídia mais usada para a obtenção de informação política ainda é a televisão. 

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Os autores encontraram as redes sociais e os mecanismos de busca integrados a um complexo ecossistema de mídias e, também, de interações interpessoais offline, em que as pessoas usam a internet para checar informações obtidas nas mídias tradicionais, ou vão às mídias tradicionais cotejar o que viram online, ou discutem o que leram com amigos, colegas de trabalho e parentes. Citando o estudo: 

“O argumento da bolha de filtro é exagerado, já que os usuários da internet se expõem a uma diversidade de opiniões e pontos de vista online por meio de uma variedade de meios. A busca online precisa ser vista no contexto de múltiplos meios de comunicação”.

O trabalho determinou que os usuários de internet interessados em política consultam, em média, 4,5 diferentes veículos e “encontram uma diversidade de informações que (...) desafia seus pontos de vista”. 

Câmaras de eco

Outros dois fenômenos que, segundo a pesquisa, têm sua relevância para a cena política “desproporcionalmente exagerada” são as “câmaras de eco” e as notícias falsas. “Câmaras de eco” representam, de certa forma, o oposto das “bolhas de filtro”: enquanto estas últimas seriam uma imposição da tecnologia – algoritmos – sobre o meio social, as “câmaras” surgiriam quando usuários de redes sociais se fecham em grupos ideologicamente homogêneos, ou decidem deliberadamente só visitar sites que dizem o que querem ouvir, criando um filtro social de conteúdo. 

“Nossa evidência contradiz essa visão também”, afirmam os autores. “A maioria das pessoas que busca informação política online se expõe a pontos de vista diferentes”.

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Ao todo, 79% dos respondentes disseram ler notícias contrárias a suas posições políticas, sendo 36% “muito frequentemente” e outros 43% “às vezes”.

Menos de 20% dos pesquisados já bloquearam ou “desamigaram” alguém numa rede social por diferenças políticas. Além disso, a experiência online mais frequente descrita pelos usuários da internet, em cada um dos sete países, é a de “descobrir uma coisa nova”. 

E como a experiência dos usuários da internet com o ecossistema de mídias online e offline é muito mais rica e complexa do que os modelos de “bolhas de filtro” e “câmaras de eco” sugerem, o problema das notícias falsas atrai “níveis desproporcionais de preocupação”, prossegue o relatório.

“Mais de 50% dos usuários informam que ‘com frequência’ ou ‘com muita frequência’ usam motores de busca para checar fatos”, e que mais de 80% fazem essa checagem de tempos em tempos. 

O relatório faz a ressalva de que há, realmente, pessoas que se deixam enganar por notícias falsas, mas essas são minoria; e que a perícia no uso da internet para checar fatos e alegações varia de um usuário para outro. Os autores apontam que esforços educacionais poderiam mitigar essa vulnerabilidade. 

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Os autores do estudo ainda reconhecem uma série de limitações de seu trabalho – por exemplo, a de se basearem em respostas a um questionário, e não no acompanhamento real do comportamento dos voluntários – mas é difícil negar-lhes o mérito de indicar que o universo das interações midiáticas, e da formação de opiniões políticas, é muito mais complexo do que as teorias simplistas da moda sugerem, e de lembrar que a relação do indivíduo com os meios de comunicação raramente é tão passiva e bovina quanto os analistas mais apocalípticos pressupõem.