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Moradores de Roca Sales (RS) após enchente que causou dezenas de mortes em 2023: brancos são 85% da população do município.
Moradores de Roca Sales (RS) após enchente que causou dezenas de mortes em 2023: brancos são 85% da população do município.| Foto: EFE/Daniel Marenco

Por essa o meio-ambiente não esperava. Depois do buraco negro e do criado-mudo, a chuva entrou no alvo dos militantes antirracistas.

O termo "racismo ambiental" ganhou espaço no debate público depois que a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, usou a expressão ao comentar as chuvas no Rio de Janeiro. “Estou acompanhando os efeitos da chuva de ontem nos municípios do Rio e o estado de alerta com as iminentes tragédias, fruto também dos efeitos do racismo ambiental e climático”, ela escreveu, em 14 de janeiro. A publicação foi feita na rede social X, o antigo Twitter.

A publicação gerou críticas imediatas. A maioria dos 6 mil comentários ironizavam o uso do termo, que parece sugerir que a natureza pode ser racista.

O governo saiu em defesa da ministra e preparou uma espécie de guia sobre o assunto e, orgulhoso, lembrou ter criado um “Comitê de monitoramento da Amazônia Negra e Combate ao Racismo Ambiental”. A iniciativa foi anunciada em agosto do ano passado pela própria Anielle Franco.

Depois da repercussão de sua mensagem no X, a ministra dobrou a aposta e compartilhou uma publicação em que as críticas são atribuídas a “gente burra” e “racista” da “extrema-direita”.

Mas a verdade é que parte das críticas veio da esquerda, incomodada com a obsessão por raça de parte dos militantes esquerdistas. “Joguem Marx fora! A novíssima esquerda achou outra teoria social, muito mais simples e diagramável, para explicar a realidade social. É o racismo e não a economia o que explica a desigualdade. Adeus esquerda marxista, vida longa à esquerda identitária”, escreveu Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia.

Ideia com origem nos EUA

Irmão do “racismo estrutural”, o conceito de racismo ambiental é uma ideia importada da esquerda progressista dos Estados Unidos.

Como a própria nota do governo afirma, o termo foi criado pelo ativista Benjamin Franklin Chavis Jr. na década de 1980 para se referir a políticas ambientais que atingiam mais negros que brancos.

Assim como o racismo estrutural, o racismo ambiental existe na modalidade culposa (sem intenção). O racismo está nas “estruturas”. Se todos os racistas do mundo desaparecessem em um passe de mágica, ainda haveria “estruturas” racistas nas empresas, nas universidades e no governo.

A pesquisadora brasileira Tania Pacheco, também citada como referência pelo governo em sua defesa de Anielle Franco, diz exatamente isso em sua definição do termo: "O Racismo Ambiental não se configura apenas através de ações que tenham uma intenção racista, mas, igualmente, através de ações que tenham impacto “racial”, não obstante a intenção que lhes tenha dado origem”.

Tania é formada em Jornalismo, com mestrado em Educação e doutorado em História.

Argumento tem bases frágeis

Segundo os defensores dessa tese, o racismo estrutural só será eliminado quando negros e brancos forem igualmente representados em todas as estatísticas — do acesso aos cargos de liderança ao número de vagas nos presídios e o número de mortos em enchentes.

Pela mesma lógica, também seria possível falar do feminismo laboral (os homens são maioria esmagadora nas profissões mais perigosas) ou racismo (contra os brancos) desportivo, já que os negros são maioria entre os jogadores da milionária NBA.

A ideia, apesar de excêntrica, não é inofensiva. Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Pedro Caldeira explica que a noção de racismo ambiental prejudica a implementação de políticas públicas eficientes: "Usar esse conceito impede que se foque no essencial: falta de planejamento e ordenamento territorial que empurra largas faixas da população brasileira para regiões inadequadas para uso urbano (uso habitacional intensivo)", diz ele, que acrescenta: "É focar na árvore e não na floresta".

Segundo o professor Caldeira, a ideia de racismo estrutural se tornou popular nas universidades brasileiras nos últimos anos. "Esse é muitos outros conceitos abstrusos têm uma grande aceitação em boa parte da academia brasileira, que é extremamente vulnerável a essas ideias que visam a divisão populacional, pois são 'intelectualmente' desafiantes e geram sentimentos virtuosos em quem se sente no papel de defensor dos fracos e oprimidos", ele critica.

A importação do termo também ignora as diferenças entre Estados Unidos e Brasil. A sociedade americana tem um longo histórico de segregação racial imposta por lei. Em algumas partes do país, negros não podiam morar em certos bairros — uma política que só foi completamente abolida na década de 1960. 

Os pobres brasileiros são mais propensos a sofrer com tragédias ambientais porque moram em locais mais precários. Mas não existem indícios de que esses bairros sejam deliberadamente prejudicados por terem a população negra.

A maior tragédia natural de 2023 no Brasil foi um ciclone tropical que causou cheias na região do Vale do Taquari, no interior do Rio Grande do Sul. Os dados da Confederação dos Municípios indicam que quase 100 pessoas morreram. Em Roca Sales (RS), a cidade mais atingida, 85% dos moradores são brancos. A área foi colonizada por imigrantes europeus.

Como uma ideia é importada

Mesmo entre os pesquisadores brasileiros, muitos dos quais têm predileção por ideias extravagantes, a ideia de racismo ambiental é recente. No banco de teses de doutorado e dissertações de mestrado da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), a primeira menção ao termo é de 2010. Em 2015, apenas um trabalho citou a expressão. Em 2017, foram 5. Em 2019, 9. Em 2020, 15.

César Gordon, professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que a ideia de racismo ambiental não faz sentido. "A expressão ‘racismo ambiental’ dá a entender que o fato de que populações mais pobres ocupem, em geral, áreas ambientalmente mais degradadas, mais poluídas, ou sem saneamento é devido ao racismo. Mas qual a prova disso?  Nenhuma. É uma premissa que não se sustenta em dados”, ele afirma.

Para Gordon, a tentativa de expandir a definição de racismo não se sustenta na realidade. “A ideia de racismo estrutural é uma abstração completa. Afinal, que estrutura é essa? Onde podemos localizá-la? Se ela não surge nos indivíduos, como é que ela apareceu?”, indaga.

O professor afirma que, embora seja usado com um verniz científica, a ideia de racismo ambiental é um termo político. “Hoje em dia há uma profusão de termos que circulam na mídia e nos debates públicos, naturalizados como se fossem cientificamente comprovados ou consensos, mas que na verdade são palavras de ordem para criar algum tipo de emoção”, diz ele.

Poucas menções no Congresso

No Congresso Nacional, as referência ao racismo ambiental também ganharam força apenas nos últimos anos. Não há menção ao tema no plenário da Câmara dos Deputados até 2003, quando o deputado Luiz Alberto (PT-BA) usou a expressão. Para corroborar seu argumento, ele usou dados dos Estados Unidos. “Os estudos esclarecem que a composição racial de uma comunidade é fator fundamental na aferição da existência de rejeitos tóxicos nas proximidades da área habitada. Nos Estados Unidos, cerca de 80% dos afro-americanos vivem a menos de 50 quilômetros de instalações poluidoras e emissoras de substância tóxica", disse ele. No mesmo ano, ele citou o assunto novamente ao ler um artigo de uma professora universitária da UFMG.

Em 2007, Rebecca Garcia (PP-AM) ressuscitou o termo ao falar da poluição do ar gerada por ônibus velhos, que afeta mais as pessoas mais pobres e que, por isso, pode gerar racismo ambiental.

Desde 2021, as referências se intensificaram: foram oito de lá para cá. Em março de 2023, o deputado Henrique Vieira (PSOL-RJ) misturou desigualdade econômica com racismo ao tratar do assunto: "A responsabilidade não é da chuva isoladamente. A chuva cai numa sociedade desigual”, ele disse. Depois, ele explicou o passo a passo do raciocínio: “As pessoas moradoras de favelas e de periferias são historicamente as mais prejudicadas, inclusive, no Brasil, pessoas negras. Por isso, falamos em injustiça ambiental e até mesmo em racismo ambiental, porque os efeitos trágicos das chuvas, que muitas vezes incluem mortes, atingem, especial e prioritariamente, as pessoas mais pobres, numa situação de vulnerabilidade socioeconômica.”

Em toda a história da Câmara, apenas 21 pronunciamentos trataram de racismo ambiental.

Aliás, até para Anielle Franco a expressão é uma novidade: antes de chamar de “burros” os que ironizam o uso do termo, ela jamais havia falado em racismo ambiental na sua conta na rede social X.

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