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Elon Musk, CEO da Tesla, carrega seu filho X AE A-XII durante visita à fábrica da empresa em Gruenheide, perto de Berlim, Alemanha, no dia 13 de março de 2024.
Elon Musk, CEO da Tesla, carrega seu filho X AE A-XII durante visita à fábrica da empresa em Gruenheide, perto de Berlim, Alemanha, no dia 13 de março de 2024.| Foto: EFE/EPA/FILIP SINGER

A inclusão do empresário sul-africano Elon Musk, no último domingo (7), como investigado no Inquérito 4.874 reforça o caráter cada vez mais político desse procedimento do STF, conhecido como Inquérito das Milícias Digitais. Crescentemente, novos indivíduos ou entidades vêm sendo incluídos como investigados em razão de visões políticas expressadas, sob alegação de que elas implicariam participação ou colaboração com a suposta “milícia digital” investigada.

O ministro Alexandre de Moraes incluiu de ofício Musk no inquérito em resposta a diversas postagens do empresário na rede social criticando o próprio ministro. Na decisão, o ministro alegou que o empresário, ao fazer as postagens, teria praticado “dolosa instrumentalização criminosa” da rede social; isto é, Musk foi acusado de intencionalmente pôr sua rede social a serviço da organização criminosa investigada no Inquérito 4.874.

Que organização criminosa seria essa? Constituída por integrantes da direita brasileira, tem sido repetidamente definida com as mesmas palavras em múltiplos documentos nos autos do inquérito: seria uma organização “focada nos [...] objetivos [de] atacar integrantes de instituições públicas, desacreditar o processo eleitoral brasileiro, reforçar o discurso de polarização, gerar animosidade dentro da própria sociedade brasileira, promovendo o descrédito dos poderes da República, além de outros crimes”.

Apesar da expressão “além de outros crimes”, nenhum dos itens anteriores constitui, em princípio, crime à luz da legislação brasileira.

Além da prática de crimes previstos em lei, o conceito legal de “organização criminosa” exige uma coordenação consciente, com hierarquia e divisão de tarefas definidas. Inicialmente, quando o Inquérito das Milícias Digitais foi aberto, atribuía-se ao jornalista Allan dos Santos o papel de líder da suposta organização criminosa, com outros indivíduos (inclusive parlamentares bolsonaristas) acusados de ter “atuação satélite”, subordinada ao jornalista.

Com a evolução do inquérito, até mesmo este requisito deixou de estar presente nas novas investigações. O caso da fraude nos cartões de vacina, por exemplo, envolvendo o ex-presidente Bolsonaro, nada tinha a ver com Allan dos Santos, nem com os fatos originalmente investigados. Mesmo assim, foi também atribuído ao Inquérito das Milícias Digitais, o que permitiu que fosse entregue sem sorteio às mãos do mesmo ministro, Alexandre de Moraes.

A justificativa da Polícia Federal para assim fazer foi que todos esses casos constituiriam, cada um a seu modo, “atuação no sentido de proteger e garantir a permanência no poder das pessoas que representam a ideologia professada”. Ou seja, o único elemento em comum entre todas as condutas é que envolviam integrantes do grupo político bolsonarista — transformado ele mesmo, portanto, aos olhos do STF, numa “organização criminosa” investigada.

Ideias proibidas

Mas a extensão da “organização criminosa”, para os fins do inquérito, não se limitou aos bolsonaristas.

Pouco depois das eleições de 2022, por exemplo, o economista Marcos Cintra foi incluído no Inquérito das Milícias Digitais e bloqueado das redes sociais por questionar o TSE sobre urnas eletrônicas. Longe de pertencer ao grupo político bolsonarista, ele tinha concorrido contra Bolsonaro nas eleições e era crítico do então presidente. Meros cinco dias antes da decisão do ministro Alexandre de Moraes que o censurou, tinha chegado a pedir a renúncia de Bolsonaro da presidência, num contexto em que o criticava por não reconhecer publicamente o resultado da eleição e por falta de “respeito às instituições”.

Ausente o vínculo pessoal, portanto, a única ligação de Marcos Cintra com a suposta organização criminosa estaria em compartilhar, com seus integrantes, determinadas ideias. Ao expressar essas ideias, infere-se, ele estaria ajudando a suposta organização criminosa a se fortalecer na sociedade.

Foi o mesmo raciocínio que levou à criminalização dos representantes do aplicativo Telegram, pelo simples fato de mandarem uma mensagem de texto aos usuários criticando o PL 2.630 (chamado de “PL da Censura” pelos detratores e “PL das Fake News” pelos apoiadores). Era um projeto de lei defendido pelo governo Lula e por ministros do STF, ao mesmo tempo que enfrentava oposição parlamentar da direita.

Em decisão também proferida de ofício, datada de 10 de maio de 2023, o ministro Alexandre de Moraes chamou a mensagem crítica do Telegram de “flagrante induzimento e instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais investigadas no Inq 4.874”.

Em outras palavras, o suposto crime estaria em expressar ideias que coincidiam com as de grupos políticos de direita no país, fomentando e agitando esses grupos. O aparente raciocínio era que o Telegram, ao reforçar essas narrativas no mercado de ideias, estaria, à maneira de Marcos Cintra, contribuindo para os interesses de uma suposta organização criminosa direitista.

A inclusão de Elon Musk no Inquérito das Milícias Digitais – novamente por expressar ideias coincidentes com as da direita brasileira – é mais um episódio a reforçar a tendência.

Hugo Freitas Reis é mestre em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais

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