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Pais britânicos que tiveram uma experiência positiva com a educação domiciliar na pandemia decidiram continuar na modalidade após o fim da emergência sanitária
Pais britânicos que tiveram uma experiência positiva com a educação domiciliar na pandemia decidiram continuar na modalidade após o fim da emergência sanitária| Foto: Bigstock

Mais crianças do que nunca estão recebendo educação domiciliar na Inglaterra, segundo levantamento publicado no último mês pelo Departamento de Educação do governo britânico. O documento aponta 80,9 mil crianças em homeschooling no país, durante o outono do ano passado. Já na primavera deste ano (que, no hemisfério norte, começa em março), quando as preocupações com a Covid-19 diminuíram, o número subiu para 86,2 mil. O montante representa um aumento de 56% em relação aos patamares pré-pandemia (2018-2019), quando a Associação de Diretores de Serviços Infantis (ADCS, na sigla em inglês) estimava 55 mil crianças sendo educadas em casa.

A pesquisa Educação Domiciliar Eletiva, do Departamento de Educação, contabiliza apenas os casos em que os pais optaram por educar os filhos em casa, sem matriculá-los em uma escola integral (o que exclui crianças doentes que ficaram impedidas de frequentar a escola, por exemplo). Os dados foram coletados junto às autoridades locais pela primeira vez no outono de 2022 e na primavera de 2023, por isso, não há comparativos acerca de padrões sazonais disponíveis. A coleta de informações continuará a ocorrer trimestralmente durante os anos letivos de 2022/23 e 2023/24.

Entre os principais motivos para um aluno estudar em casa, durante o outono de 2022, apareceram: razões filosóficas ou preferenciais (16%), saúde mental (9%), escolha do estilo de vida (8%), insatisfação geral com a escola (6%), preocupações relacionadas à Covid (4%), insatisfação ligada a bullying (3%), outra insatisfação com a escola (2%), não obteve vaga na escola preferida (2%), saúde física (2%), razões religiosas (1%), dificuldade de acesso a vaga escolar (1%). A maioria das razões, porém, se enquadra em: outros motivos (12%), o pai ou responsável não deu uma justificativa (14%), motivo desconhecido (21%).

“O número de crianças que são educadas eletivamente em casa tem aumentado significativamente, ano após ano, mesmo antes do início da pandemia. Precisamos de mais do que apenas uma estimativa de quantas crianças estão sendo educadas dessa maneira para mantê-las seguras e garantir que recebam a educação que merecem”, afirmou Heather Sandy, presidente do comitê de política educacional da ADCS, em entrevista ao jornal inglês The Guardian.

Segundo ela, embora os pais tenham o direito de educar seus filhos em casa na Inglaterra, faltam poderes aos conselhos para garantir que as crianças sejam ensinadas de maneira eficaz. “Embora um levantamento por si só não mantenha as crianças seguras, ajudará a estabelecer exatamente quantas crianças estão sendo educadas fora da escola e a identificar quais delas são vulneráveis a danos”, disse.

Pós-pandemia 

Em janeiro, o jornal britânico The Independent ouviu pais que tiveram uma experiência positiva com a educação domiciliar na pandemia e decidiram continuar na modalidade após o fim da emergência sanitária. A reportagem considera que o número de crianças em homeschooling na Inglaterra pode ser maior do que as estatísticas oficiais apontam, uma vez que, por lá, os pais não são obrigados a informar as autoridades locais sobre essa opção de ensino.

Pai de Connor, um adolescente de 13 anos, James Buss, que mora no Condado de Cambridge, percebeu durante os meses de ensino remoto que o filho se distraía facilmente nas aulas, o que gerava dificuldade de terminar as tarefas e poderia lhe render inclusive uma reprovação. Agora, com a educação domiciliar, ele colhe benefícios de poder fazer uma pausa para andar de bicicleta durante os estudos e tem tido um aproveitamento melhor dos conteúdos, segundo o pai.

Experiência semelhante foi de Sherrylyn Balogun, que tem um filho com transtorno do espectro autista. Ela contou à publicação que conseguiu adaptar melhor a educação domiciliar às necessidades da criança, disponibilizando todo o tempo necessário para tarefas ou para que o filho aprenda desenhando, por exemplo.

Impacto no Brasil 

A advogada Isadora Palanca, autora do livro Regulamentações do Ensino Domiciliar no Mundo, recorda que, assim como na Inglaterra, onde a educação é um dever dos pais, no Brasil muitas famílias perceberam durante a pandemia que os filhos estavam atrasados na escola. Colhendo depoimentos para seu terceiro livro, que trará histórias de famílias educadoras, ela ouviu casos como o de uma mãe cuja filha de dez anos, matriculada em uma escola cara, não sabia interpretar textos e estava muito atrasada em matemática. “Ela tirou a filha da escola e começou do zero, voltou para interpretação de texto, para as dificuldades em matemática, até sanar esses vícios”, lembra.

Palanca acrescenta que, muitas vezes, a dificuldade no processo de ensino pode ter relação com o tempo que uma criança precisa para aprender algo. “Como o professor precisa terminar o ano letivo, e é totalmente engessado o ensino em uma escola, uma ou outra criança vai se perder pelo caminho”, lamenta.

Apesar disso, a escritora considera difícil esperar um impacto positivo do exemplo inglês na legislação brasileira, diante de medidas recentes do governo federal “trabalhando contra o ensino domiciliar”. Ela explica que os atuais conselheiros tutelares (que são os responsáveis por visitar as famílias após a denúncia de ausência escolar) desconhecem o homeschooling. “Eles veem os pais como criminosos, que não querem que o filho tenha conhecimento”, afirma. “Ainda assim, há famílias com o real interesse em educar os filhos em casa, ao observar o que ocorre nas escolas: uma diferença de visão de mundo, de ideologias, de valores familiares, ou escolas que mesmo indiretamente não fortalecem os vínculos familiares”, acentua Palanca.

Anamaria Camargo, presidente do Instituto Livre para Escolher (organização dedicada a divulgar o homeschooling e outras alternativas educacionais), também não acredita que o aumento de casos na Inglaterra possa impactar positivamente na regulamentação do ensino domiciliar no Brasil. “Se o crescimento em outros países pudesse ajudar, certamente já teríamos aprendido com a experiência americana. Nos Estados Unidos, dados de 2022 – pós-pandemia portanto – mostram que mais de 5% das crianças e jovens em idade escolar praticam homeschooling. Há vasta bibliografia mostrando que homeschoolers se saem bem tanto nas questões relacionadas ao acesso e ao desempenho em universidades, quanto no domínio de habilidades socioemocionais”, pontua.

Para ela, a resistência à modalidade no Brasil por parte de grupos de interesses, como sindicatos e burocratas, não é o receio de um possível prejuízo às crianças por carência de educação de qualidade. “O temor é exatamente o oposto: o de deixar a nu a total irrelevância da escola chancelada pelo Estado na educação daqueles que optam pelo homeschooling. E aqui é preciso destacar que homeschooling é escolha e não se restringe ao que acontece em casa. Cresce cada vez mais a prática de homeschooling híbrido – parte das aulas em casa, parte em uma escola”, acrescenta. “O que ajudaria a aprovação do projeto seria uma grande pressão popular”, afirma Camargo, ponderando que a dificuldade disso ocorrer reside na falta de conhecimento das pessoas sobre o assunto.

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