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Damares Alves denunciou ofensas de jornalista em solenidade do dia do enfrentamento à violência contra a mulher.
Damares Alves: alvo de ataques constantes, ela não desperta a mesma indignação por parte de uma parcela da sociedade que se diz preocupada com as mulheres.| Foto: Marcos Correa / PR

Comentando o depoimento de Hans River, ex-funcionário de uma empresa de marketing político, na CPI das Fake News (mais especificamente, ressaltando que River tinha repetido o mesmo discurso ao Ministério Público), Bolsonaro disse a jornalistas em frente ao Palácio da Alvorada: “A jornalista queria um furo, ela queria dar o furo, a qualquer preço, contra mim”.

O comentário faz referência à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. Mais do que uma piada de mau gosto, a fala opõe o presidente do País e uma jornalista no exercício de sua profissão, ferindo a credibilidade dela. Declarações como essa geram questionamentos sobre o decoro do cargo e o cerceamento da liberdade de imprensa.

Essa não é primeira vez que o presidente dá uma de suas “caneladas”. Ele tampouco é o primeiro mandatário da nação a utilizar esse tipo de linguagem, ou já se esqueceram de que Lula se queixou, embora já não fosse presidente, da falta de mulheres de “grelo duro”?

Mas não demorou para se espalhar entre os bem-pensantes o furor indignado (how dare you?) em que a defesa da honra da jornalista se misturava a toda  sorte de acusações ao presidente. O cientista político Leonardo Sakamoto chegou a escrever que Bolsonaro cometeu “violência sexual” contra a jornalista ao mesmo tempo em que ressaltava sua “incompetência para governar”.

As mulheres da bancada do PT da Câmara, entre elas Benedita da Silva (RJ) e Margarida Salomão (MG), manifestaram solidariedade à jornalista e informam que entregariam uma nota de repúdio ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A indefectível deputada Maria do Rosário aventou até mesmo um possível impeachment do presidente, por quebra de decoro. A hashtag com o termo chegou a ter 14 mil tuítes na noite desta terça-feira (18).

Indignação seletiva

Mas onde estavam os indignados quando outras mulheres, de orientação política diferente, sofreram ofensas semelhantes ou piores? Onde estavam quando o deputado estadual Enio Tatto (PT-SP) disse que Janaína Paschoal estava sentada “no colo” de João Dória? Ou quando José de Abreu xingou a atual secretária especial de Cultura Regina Duarte, dizendo que “Fascista não tem sexo. Simone de Beauvoir falava (em) 'tornar-se mulher'. Vagina não transforma uma mulher em um ser humano”.

Os exemplos são muitos. Num tuíte, o senador Renan Calheiros disse sobre a jornalista Dora Kramer: “A Dora Kramer (Veja) acha que sou arrogante. Não sou. Sou casado e por isso sempre fugi do seu assédio. Ora, seu marido era meu assessor, e preferi encorajar Geddel e Ramez, que chegou a colocar um membro mecânico para namorá-la. Não foi presunção. Foi fidelidade.”

Até as cantoras sertanejas Maiara e Maraísa, que não apitam nada em política, foram associadas gratuitamente ao nazismo pelo colunista da Folha de São Paulo Anderson França.

Damares: alvo preferido

Mas em matéria de discriminação não há quem tenha sofrido cerco maior que a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.

Antes mesmo de assumir a pasta, ela relatou seu drama pessoal de ter sido abusada sexualmente quando criança e, após muito sofrer, estar prestes a se suicidar numa goiabeira. Mas, segundo seu testemunho, Cristo apareceu para ela e evitou a tragédia. Isso poderia ter servido de enredo para um romance de Georges Bernanos, mas virou motivo de chacota pra muita gente.

O caso serviu até de inspiração um grupo de compositores carnavalescos que resolveu inventar uma marchinha cujo refrão é: “Quem deu, deu/ Quem não deu/ Não Damares/ Na goiabeira/ Ou em todos os lugares/ Quem deu, deu/ Quem não deu/ Não Damares!”.

Mesmo no Congresso Nacional, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), Damares foi provocada pela deputada federal Érika Kokay (PT-DF), que disse à ministra, em tom irônico: “nem todas as meninas vítimas de violência podem ser salvas por um Jesus na goiabeira”.

E o que dizer desta crítica do advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, feita em um grupo de juristas, em relação à política da ministra Damares para desestimular o sexo na adolescência: “Foi uma pena os pais desta idiota não terem feito o que ela prega. Se não tivessem trepado, estaríamos livres dela”?

O mais escandaloso, contudo, foi o caso de um homem em São Paulo que enviou um áudio para um grupo de WhatsApp dizendo que deveriam “soltar ela [a ministra Damares Alves] no meio de um presídio, com uns 15 presidiário (sic), que não veem mulher há 10 anos, para f**** ela 24 horas, pra ver se ela sossega essa b***** velha.” O sujeito vai responder por incitação ao estupro coletivo.

Ruído

Os casos demonstram que de fato, muito há que se melhorar na sociedade brasileira em relação ao trato com as mulheres. Mas se a questão é realmente a dignidade feminina, por que há mais barulho em relação a umas que a outras?

E, em relação às baixarias vistas na CPI das Fake News, talvez toda essa controvérsia sirva mais para gerar um ruído que desvie o foco das questões substantivas, ou seja, a investigação se houve, de fato, disparos em massa pelas redes sociais, quem as fez e se foram ilegais.

Conteúdo editado por:Paulo Polzonoff Jr.
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