Num vídeo que circula nas redes sociais, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) está num cantinho do plenário do Congresso, conversando com seus colegas sobre algo que só posso cogitar ser muito sério e importante – como são todas as conversas entre os nobres parlamentares. Provavelmente ela está se convencendo (ou sendo convencida), ainda que a contragosto, que a reforma da Previdência é mesmo necessária.
De repente, ela dá as costas para o grupo. Furiosa. Maria do Rosário veste um terninho branco e bege. A luz não lhe favorece. Por sob o paletó, uma blusa alaranjada ou vermelha. Não, sem dúvida vermelha. Maria do Rosário não usaria outra cor que não o vermelho.
Exaltada daquele jeito que só Maria do Rosário sabe ser, ela sai pisando forte. Não há qualquer sinal de sorriso em seu rosto. Por trás dos óculos, os olhos muito pequenos sabem que estão sendo filmados. E quase dá para ver estampada na testa da parlamentar a rota de colisão que ela estabelece como recurso dialético.
Dois ou três passos adiante, ela encontra um obstáculo que, na verdade, é uma oportunidade. Ela esbarra no deputado Delegado Éder Mauro (PDS-PA) e imediatamente dá meia-volta, o semblante transformado numa mistura de indignação e raiva pura.
“Vai me empurrar?!”, grita Maria do Rosário com sua voz rouca. “Vai me empurrar?!”, repete ela para o deputado cujo único crime foi ter ficado no caminho da parlamentar. Depois de um pequeno alvoroço, ela se recolhe a um canto. Se aquele grupo de deputados do início do vídeo conseguiu mesmo convencê-la da necessidade da reforma da Previdência, todo o esforço foi por água abaixo.
A Terceira Lei de Newton
Formada em pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a nobre deputada seguramente se lembra da Terceira Lei de Newton que aprendeu nas aulas de física do ensino médio. Para cada ação há uma reação igual na direção oposta, reza a lei, publicada por Isaac Newton em 1687 e que até hoje, mesmo tendo na parlamentar uma feroz opositora, governa todos os princípios relacionados ao movimento dos corpos.
Ao se chocar contra o deputado Delegado Éder Mauro parado, o corpo de Maria do Rosário acabou oprimido por essa lei evidentemente machista e misógina da física. Seu corpo sofreu um tranco que lhe feriu os brios e a honra. Em seu universo livre das consequências newtonianas, ela acredita ter sido agredida. Ela acredita ser vítima.
Não é a primeira vez que um político brasileiro desafia os princípios estabelecidos por Newton. Em 1971, o prefeito de Palmeira dos Índios (sim, a mesma cidade da qual o escritor Gracialiano Ramos foi prefeito – e dizem que dos bons), Minervo Pimentel, ao ficar sabendo que havia uma tal de “lei da gravidade” impedindo a construção de uma caixa d´água por causa de um declive, não hesitou: chamou seu líder na Câmara de Vereadores e exigiu a revogação da tal lei que teimava em impedir a construção da caixa d´água.
Diante do pedido, o líder não deixou por menos: “Senhor prefeito, não se sabe se esta lei é municipal ou estadual. Pode ser até federal. Melhor não mexer no assunto para não criar problemas”, teria dito.
O confronto como ideal político
Não foi a primeira e possivelmente não será a última vez em que Maria do Rosário tentou causar confusão na Câmara dos Deputados. Longe de ser manifestação de algum transtorno mental, esse tipo de comportamento revela uma forma de ver a vida e, pior para uma parlamentar, uma forma autoritária de ver a política.
Reza o lugar-comum que a política é a arte da discussão que busca uma solução por meio de um consenso. Maria do Rosário não acredita nisso. De formação marxista, ela acredita que há sempre, em quaisquer situações, até mesmo numa caminhadinha daqui até ali, opressores e oprimidos. Os opressores precisam ser severamente castigados e os oprimidos precisam ser protegidos e exaltados. Não à toa, Maria do Rosário se vê como oprimida. Sempre. Uma hora pelo fato de ser mulher, outra pelo fato de ser gaúcha, aqui por ser alvo de piadas, ali por esbarrar num homem – um ser opressor por excelência.
Para Maria do Rosário e muita gente à esquerda e à direita, a vida (e, por consequência, a luta política) nada tem a ver com a busca por um entendimento pacífico, um consenso. Essa coisa de “tornar a vida em sociedade melhor” é apenas retórica. Para essas pessoas, a vida é uma sucessão de confrontos, alguns bastante legítimos, outros tão-somente expressão de um ressentimento contínuo contra tudo que lhes soe como ameaça.
É uma visão autoritária de mundo. A visão de alguém que não vê múltiplos caminhos para um fim maior. Para Maria do Rosário só há um caminho certo – o seu. E ela trilhará por essa estrada com seu passo pesado, a testa franzida, os olhos semicerrados num ódio por tudo o que ela enxerga como obstáculo.
Para pessoas assim, não há realidade capaz de contrariar a vontade. Se há uma tal de Lei de Newton em seu caminho, ela não hesitará em ocupar a tribuna para gritar: “Revoguem a Lei de Newton!”.