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Quase 40 anos atrás, minhas duas irmãs, Carolyn Layton e Annie Moore, estavam entre as pessoas que planejaram as mortes em massa em Jonestown em 18 de novembro de 1978. 

Parte de um movimento chamado Peoples Temple, que era liderado por um pastor carismático chamado Jim Jones, elas se mudaram com outros mil americanos para a nação sul-americana da Guiana, a fim de criar uma utopia comunitária. Sob pressão de parentes preocupados e da mídia, no entanto, eles implementaram um plano de assassinato em grupo e suicídio. Jonestown é lembrada na frase “bebendo o Kool-Aid” [Kool-Aid é uma marca americana de suco artificial, e a expressão é usada quando alguém acredita em alguma ideia perigosa], porque mais de 900 pessoas morreram depois de beberem sucos envenenados. Minhas duas irmãs e sobrinho estavam entre os que morreram. 

Na esteira dessa tragédia, você poderia pensar que eu seria receptiva à ideia de que eles sofreram lavagem cerebral. Isso absolveria suas ações hediondas e ofereceria uma explicação fácil para seu comportamento. 

Muitos argumentam que as pessoas se unem a “cultos” – ou “novos movimentos religiosos”, o termo que os estudiosos preferem – porque elas sofreram lavagem cerebral. O pensamento é que eles passaram por algum tipo de programação que permite que outros os manipulem contra sua vontade. 

De que outra forma explicar por que as pessoas se tornam imersas em grupos marginais que parecem tão estranhos à sua vida anterior e mais socialmente aceitável? De que outra forma explicar o fato de que – em alguns casos – elas até cometem crimes? 

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Mas, como a palavra “culto”, o termo lavagem cerebral parece ser aplicado apenas a grupos que desaprovamos. Nós não dizemos que os soldados sofrem lavagem cerebral para matar outras pessoas; isso é treinamento básico. Não dizemos que membros de fraternidades sofrem lavagem cerebral para aplicar trotes humilhantes em seus colegas; isso é pressão dos pares. 

Como acadêmica de estudos religiosos, fico desmotivada com a maneira como a expressão “lavagem cerebral” é abusada, seja para descrever os apoiadores de um político ou indivíduos que são devotadamente religiosos. 

Rejeito a ideia de lavagem cerebral por três razões: ela é pseudocientífica, ignora as explicações baseadas em pesquisas para o comportamento humano e desumaniza as pessoas ao negar seu livre-arbítrio. 

Sem base científica 

A expressão lavagem cerebral é usada com tanta frequência para descrever as conversões religiosas que ela tem uma certa pompa, como se fosse baseada em teoria científica. 

Mas a lavagem cerebral apresenta o que os cientistas chamam de “hipótese não testável”. Para que uma teoria seja considerada cientificamente confiável, ela deve ser falsificável; isto é, ela deve ser capaz de ser provada incorreta. Por exemplo, assim que as coisas caírem para cima ao invés de para baixo, saberemos que a teoria da gravidade é falsa. 

Como não podemos realmente provar que a lavagem cerebral não existe, ela não atende aos critérios padrões do método científico. 

Além disso, parece não haver maneira de conversar sobre lavagem cerebral: ou você aceita ou não aceita. Você não pode discutir com alguém que diz "Eu sofri uma lavagem cerebral". Mas a ciência real busca argumentação e discordância, quando estudiosos contestam as teorias e os pressupostos de seus colegas. 

Finalmente, se a lavagem cerebral realmente existisse, mais pessoas se juntariam e permaneceriam nesses grupos. Mas estudos mostraram que membros de novas religiões geralmente deixam o grupo dentro de alguns anos após a adesão. 

Mesmo defensores de teorias de lavagem cerebral estão abandonando o termo em face de tais críticas, usando expressões mais científicas como “reforma do pensamento” e “persuasão coercitiva” em seu lugar. 

Conversão, condicionamento e coerção 

Uma vez que superamos o conceito da lavagem cerebral como uma explicação para os comportamentos das pessoas, podemos realmente aprender um pouco sobre por que os indivíduos são atraídos por novas ideias e religiões alternativas ou fazer escolhas em desacordo com seus estilos de vida anteriores. 

Existem pelo menos três termos científicos, neutros e precisos que podem substituir a lavagem cerebral. 

A primeira é "conversão", que descreve a mudança marcante de atitude, emoção ou ponto de vista de um indivíduo. Ela é normalmente usada no contexto da transformação religiosa, mas pode descrever outras mudanças radicais – desde votar no candidato “errado” até ingressar no Earth First! [grupo de defesa ambiental radical dos Estados Unidos]. 

Pode ser repentino e dramático, como no caso de São Paulo, que estava perseguindo a igreja primitiva, mas parou depois de supostamente ouvir uma voz do céu. Ou pode ser um processo lento e gradual, semelhante ao modo como Mahatma Gandhi passou a compreender seu papel e sua missão como líder da independência indiana. 

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Geralmente pensamos na conversão como um processo voluntário. Mas quando olhamos para os relatos de respeitados convertidos – Santo Agostinho nos vem à mente – encontramos exatamente o que o filósofo William James disse que encontraríamos: os convertidos começam sendo recipientes passivos de um evento transcendente e transformador de vida. Eles não planejam isso; apenas acontece. Mas eles não podem voltar a ser como eram antes de sua experiência. 

Em seguida, há o condicionamento, que se refere ao processo psicológico de aprender a se comportar de certa maneira em resposta a certos estímulos. À medida que crescemos e experimentamos a vida, somos condicionados por pais, professores, amigos e sociedade a pensar e sentir de certas maneiras previsíveis. Somos recompensados por algumas coisas que fazemos e punidos por outras. Isso influencia como nos comportamos. Não há nada de mau ou nefasto nesse processo. 

Estudos mostraram que muitas das pessoas que buscam novas religiões podem estar predispostas ou condicionadas a encontrar um grupo que favoreça sua visão de mundo. 

Mas e as pessoas legais que, em casos raros, acabam fazendo coisas terríveis depois de se juntar a um novo movimento religioso? 

Novamente, o processo de condicionamento parece oferecer alguma explicação. Por exemplo, a pressão dos colegas tem a poderosa capacidade de condicionar as pessoas a se adequar às funções específicas que lhes são atribuídas. No Experimento da Prisão de Stanford, os participantes foram aleatoriamente designados para o papel de guarda ou prisioneiro – com os guardas logo se tornando abusivos e os presos se tornando passivos. Enquanto isso, a deferência à autoridade, que Stanley Milgram estudou em seu famoso experimento de 1961, pode encorajar as pessoas a fazer o que sabem ser errado. No caso do experimento de Milgram, os participantes aplicaram o que acreditavam ser choques elétricos em indivíduos, mesmo quando ouviam gritos simulados de dor. 

E, finalmente, a coerção também pode ajudar a explicar por que as pessoas podem agir contra seus próprios valores, até cometendo crimes de vez em quando. 

Se alguém é instruído a fazer algo – e ameaçado com danos físicos, emocionais ou espirituais, se não o fizer – isso é coerção. Só porque alguém cumpre uma ordem, isso não significa que concorde com ela. Prisioneiros de guerra podem denunciar publicamente o seu país de origem ou reivindicar fidelidade ao inimigo apenas para sobreviver. Quando eles são libertados do cativeiro, no entanto, eles retornam às suas verdadeiras crenças. 

Em outras palavras, coerção – ou exaustão, ou fome – podem fazer as pessoas fazerem coisas que de outra forma não fariam. Nós não precisamos de uma teoria da reforma do pensamento para entender o poder do medo. 

Uma negação da agência 

Crentes verdadeiros certamente existem. Minhas irmãs entram nessa categoria. Elas sinceramente promoveram a causa do Peoples Temple – não importando o quão equivocada estivesse sob a liderança de Jim Jones – por causa de seu profundo comprometimento com seus ideais. Esse comprometimento surgiu de suas experiências de conversão e de sua aceitação gradual e condicionada do mau comportamento ético. 

Não considero que elas tenham sofrido lavagem cerebral, no entanto. Elas tomaram decisões e fizeram escolhas mais ou menos livremente. Elas sabiam o que estavam fazendo. O mesmo vale para os membros do Ramo Davidianos: Eles aceitaram e acreditaram na palavra de Deus como interpretada por David Koresh. 

Se realmente existisse lavagem cerebral, teríamos a expectativa de ver muito mais pessoas perigosas por aí, planejando realizar esquemas repreensíveis. 

Em vez disso, descobrimos que as pessoas frequentemente abandonam suas crenças assim que deixam ambientes coercivos. Este fato não aborda a dificuldade de deixar certos grupos, sejam eles partidos políticos, movimentos religiosos, clubes sociais ou mesmo organizações empresariais. 

No entanto, as pessoas podem deixar esses grupos e abandonar suas crenças – e elas fazem isso. 

Deveríamos considerar como lavagem cerebral situações com obstáculos e pressão por pares? Se fosse esse o caso, então tudo – e nada – constituiria o controle da mente. 

Temos estudos que esclarecem processos de conversão e condicionamento. Temos exemplos históricos que demonstram o que as pessoas fazem sob compulsão. 

A explicação da lavagem cerebral ignora essa pesquisa científica social. Ela infantiliza os indivíduos negando-lhes a agência pessoal e sugerindo que eles não são responsáveis por suas ações. 

Os tribunais não compram a ideia de lavagem cerebral. Por que nós deveríamos?

Rebecca Moore é professora emérita de Estudos Religiosos na San Diego State University. Ela gerencia o site Alternative Considerations of Jonestown and Peoples Temple, um arquivo digital hospedado pela San Diego State University.

©2018 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês

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