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Exame de HIV
Nos Estados Unidos, do total de 38.793 novos diagnósticos em 2017, 70% estavam entre homens gays e bissexuais, adolescentes e adultos| Foto: BigStock

Em maio de 2018, o Ministério da Saúde divulgou a pesquisa HIV prevalence among men who have sex with men in Brazil. Assinado por 26 pesquisadores, o trabalho, que atualizou um estudo anterior produzido em 2009, se baseava em entrevistas com 4.176 homens, de 12 diferentes cidades. Concluiu que, entre homens que fazem sexo com outros homens na cidade de São Paulo, 24,8% são portadores do vírus HIV. Em Recife, o percentual é de 21,5%. Em Curitiba, 20,2%. Em Belém, 19,2%. 

A taxa de infecção, segundo o estudo, varia bastante: em Salvador é de 8,6%; em Brasília, 5,8%. A média dos entrevistados ficou em 18,4%. Ainda assim, são percentuais elevados: segundo o Ministério da Saúde, na população em geral, 0,4% das pessoas são portadoras do vírus HIV.

Entre os entrevistados, 75% declararam fazer sexo apenas com homens. “Apesar de a evidência global indicar uma redução de casos de Aids em muitos países, a epidemia do vírus entre homens que fazem sexo com homens parece estar aumentando, em países de renda baixa, média e alta”, afirma o relatório”.

Foi esse estudo a que se referiu o jornalista Leandro Narloch no dia 8 de julho, na programação da rede de TV CNN Brasil. O contexto era outro, a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de revogar a decisão de proibir a doação de sangue de homens que fazem sexo com outros homens. A medida foi adotada pela Anvisa depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que essa proibição era discriminatória.

Reação

Narloch se posicionou a favor da decisão do STF, porque, em sua avaliação, existem outros critérios para reduzir o risco na coleta de sangue. “A mudança é pequena, vai restringir mais a conduta e não a opção sexual”, declarou, e complementou: “Não há dúvida, os homens gays têm uma chance muito maior de ter Aids. Em 2018, uma pesquisa mostrou que 25% dos homens de São Paulo [que fazem sexo com outros homens] têm HIV”. Dois dias depois, a CNN demitiu o jornalista.

Em nota enviada ao portal UOL, a CNN Brasil afirmou "que decidiu rescindir o contrato do jornalista e escritor Leandro Narloch. A empresa agradece pelos serviços prestados no período em que ele fez parte de nossa equipe de analistas e deseja sucesso no seguimento da carreira". De acordo com o colunista do UOL, a direção da emissora considerou o comentário de Narloch homofóbico.

A Aliança Nacional LGBTI+ divulgou uma nota afirmando que reconhece a "boa-fé" do jornalista Leandro Narloch, "que compreende a mudança [do entendimento do STF sobre a doação de sangue de homossexuais masculinos] de modo positivo", mas que ele reforçou uma visão negativa sobre a diversidade sexual ao usar expressões como "opção sexual". O mesmo comunicado afirma que as "cifras estatísticas podem dar a falsa impressão de que os gays são mais vulneráveis ao HIV/aids, quando na verdade esse é um problema que atinge significativamente toda a sociedade."

Narloch se pronunciou nas redes sociais. "A cultura de cancelamento me pegou. A CNN informou agora que, depois da polêmica desta semana, decidiu rescindir meu contrato. Lamento pelo motivo. Não sou nem fui homofóbico, tenho horror a homofobia e concordei explicitamente com a doação de sangue por homossexuais. Me preocupa o clima da sociedade hoje, em que é impossível discordar até mesmo de termos ou terminologias sem causar histeria, sem que o outro lado seja considerado um monstro que precisa ser banido."

Incidência entre jovens

Dados do Ministério da Saúde apontam que 73% dos novos casos de HIV registrados em 2017 atingiram o sexo masculino. “Entre homens na faixa etária de 20 a 24 anos a taxa de detecção de aids cresceu 133% entre 2007 a 2017”. Entre jovens de 15 e 24 anos, em contato com parceiros ocasionais, apenas 56,6% usam preservativo.

Na avaliação de Alexandre Grangeiro, sociólogo, especialista em saúde pública e pesquisador científico do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), é fundamental que os adolescentes recebam orientações sobre doenças sexualmente transmissíveis nas escolas.

“Do ponto de vista da saúde pública, sabemos como eliminar o HIV. Cada morte de aids representa uma falha do poder público, seja na prevenção, no diagnóstico ou no tratamento”. A prevenção, diz ele, é mais eficiente por duas formas: com o uso de camisinha e da Profilaxia Pré-Exposição, um novo método que consiste na tomada diária de um comprimido que impede que o vírus causador da aids infecte o organismo, mesmo que entre em contato com o vírus durante uma relação sexual. “Entre homens que fazem sexo com homens, a profilaxia reduz em até sete vezes o risco de infecção”, afirma o pesquisador.

Riscos variados

Homens que fazem sexo com outros homens são uma das populações mais atingidas por HIV. “O maior problema é a falta de proteção durante a relação anal, que é provocada por diferentes razões, incluindo falta de informação, falta de acesso aos meios prevenção e serviços, violência, etc”, afirma Grangeiro, que lembra que, sem a devida proteção, o risco de contrair o vírus varia de acordo com a atividade sexual.

De acordo com o CDC, o Centro de Controle de Doenças do governo americano, “o sexo anal carrega o maior risco de transmissão de HIV, caso um dos parceiros seja soropositivo”.

Além disso, segundo o CDC, “no sexo anal, o parceiro passivo apresenta mais riscos do que o ativo” – um levantamento publicado no International Journal of Epidemiology indica que o risco é 18 vezes maior. Já “o sexo vaginal apresenta risco menor, e atividades como sexo oral, manipulação ou beijos nos genitais têm pouco ou nenhum risco de transmissão”, indica o CDC. Nos Estados Unidos, do total de 38.793 novos diagnósticos em 2017, 70% estavam entre homens gays e bissexuais, adolescentes e adultos.

Alexandre Grangeiro lembra que o sexo anal também é praticado por mulheres, e todos os adeptos devem se prevenir. “O sexo anal apresenta maiores riscos porque essa é uma área mais vascularizada, e que contém células de defesa com as quais o vírus precisa interagir. Além disso, é um tipo de relação que tem maiores riscos de rompimentos e sangramentos”, que facilitam a transmissão do vírus de uma pessoa para outra.

Mais casos

Contrariando uma tendência mundial, o número de casos no Brasil vem aumentando. Dados apresentados pelo Unaids, a agência da Organização das nações Unidas dedicada à doença, indicam que, entre 2010 e 2018, o Brasil sofreu um aumento de 21% no número de novos casos. Sem o Brasil, a América Latina teria registrado uma queda de 5% no total de casos.

Com a impacto proporcionado pelo país, os novos casos no continente cresceram 7%. No mesmo período, o número de casos novos caiu 16% no mundo -- no planeta como um todo entre os novos casos, 54% acontecem entre usuários de drogas, homossexuais, transgêneros, trabalhadores do sexo e presidiários.

Quando os dados foram apresentados, o diretor regional da Unais, César Nuñez, declarou: A epidemia de HIV na América Latina está concentrada em populações-chave. Gays e outros grupos foram responsáveis por mais de 40% das novas infecções por HIV na região”.

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