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Saída do Supremo

Maconha, 8 de janeiro, aborto: o legado que Barroso deixa no STF 

O ex-ministro do STF, Luís Roberto Barroso (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

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O legado que o ministro Luís Roberto Barroso deixa no STF é uma mistura de participação em decisões importantes em temas como aborto, porte de maconha e condenação dos réus de 8 de janeiro, com pitadas de ativismo político e vida de celebridade. 

Barroso é uma das principais personificações do recente perfil adotado pelo STF, que cada vez se afasta mais da discrição e de suas funções jurídicas.

Entre festas onde cantou “Garota de Ipanema” ao lado do presidente do Ifood Brasil, Diego Barreto, na casa do empresário, e eventos, como o congresso da União Nacional dos Estudantes em 2023 no qual disse “Nós derrotamos o bolsonarismo”, o ministro Barroso ficou conhecido por estar frequentemente nos holofotes não só por motivos jurídicos. 

No campo jurídico, Barroso votou pela equiparação ao racismo, criminalizando discursos de ódio contra LGBTs, pela constitucionalidade das cotas para negros em instituições públicas, assim como a favor da obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 e outras (veja abaixo). 

Para além do lastro legal, o ministro Barroso deixa algumas pérolas nos registros jurídicos brasileiros. É dele a frase “perdeu, mané, não amola” e a declaração “você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”.

A primeira expressão foi dita por ele para um manifestante em Nova York que o questionava sobre o processo eleitoral. A segunda foi direcionada ao colega ministro Gilmar Mendes, em 2018, em meio a um caloroso debate sobre anulação de decisões da Lava Jato. Águas passadas, segundo o ofendido que, de lá para cá, se tornou aproximou de Barroso e se despediu do amigo com afago e elogios. 

Veja alguns dos votos mais relevantes de Barroso no STF:

1) Descriminalização do Aborto no 1º Trimestre 

Em 2016, a Primeira Turma do STF decidiu que o aborto no primeiro trimestre da gravidez não constitui crime. O veredicto foi para um caso específico de prisão em uma clínica clandestina do Rio de Janeiro, mas serviu como um precedente progressista importante sobre o tema, embora o julgamento completo sobre a descriminalização até a 12ª semana ainda esteja em andamento. 

Barroso foi o relator do processo. A decisão do colegiado acompanhou o voto dele favorável ao aborto no primeiro trimestre. O argumento do ministro é de que a criminalização do aborto nos três primeiros meses da gestação viola os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, o direito à autonomia de fazer suas escolhas e o direito à integridade física e psíquica. 

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2) Descriminalização de drogas para consumo pessoal 

O Plenário do STF decidiu no ano passado que não é infração penal adquirir, guardar, depositar ou transportar até 40 gramas de maconha para uso pessoal, desde que não seja para tráfico de drogas.  

Segundo Barroso, então presidente da casa, a definição desse parâmetro para distinguir usuário de traficante ajuda a evitar o excesso de encarceramento “forneça mão de obra para o crime organizado nas prisões brasileiras”. 

“Ninguém no Supremo Tribunal Federal defende o uso de drogas. Pelo contrário, nós desincentivamos o uso de drogas. Estamos debatendo a melhor forma de enfrentar esse problema e minimizar suas consequências para a sociedade. E constatamos que a não fixação de uma quantidade distintiva tem sido uma má política pública”. 

Gilmar Mendes diz que não guarda mágoas de Barroso em despedida. (Foto: Antonio Augusto / STF)

3) Lula: não ao habeas corpus com “dor do coração” 

Em 2018, a defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu habeas corpus no STF após ele ter sido condenado a 12 anos de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex no Guarujá (SP) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Na ocasião, Barroso foi um dos seis ministros que votou contra a liberação de Lula. 

No mês passado, em entrevista à Folha de S. Paulo, Barroso disse que votou com “dor no coração” contra o habeas corpus preventivo de Lula, por quem tem “admiração e apreço”. Mas afirmou não se arrepender do voto, pois estava cumprindo o seu dever. 

Três anos depois, Barroso votou a favor de Lula. Ele acompanhou o ministro Edson Fachin (atual presidente do STF) que anulou todas as condenações de Lula por entender que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para processar o caso. Por outro lado, Barroso foi contra a maioria da corte que declarou a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro no caso. 

4) Impeachment da presidente Dilma Rousseff 

O voto do ministro Barroso mudou o rito do processo de impeachment de Dilma Rousseff ao limitar os poderes do Senado e da Câmara dos Deputados e, com isso, de possíveis abusos. A Câmara, por exemplo, queria fazer votação secreta e admitir candidaturas avulsas para a comissão especial que seria formada para debater a deposição da ex-presidente.  

O STF decidiu que não seria assim. Sob a relatoria de Barroso, a corte determinou que a comissão especial deveria ser aberta. O Tribunal decidiu ainda que Dilma não teria direito à defesa prévia antes da decisão do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Mas garantiu que ela pudesse apresentar defesa depois de cada etapa do processo. 

5) Condenações de 8 de janeiro de 2023  

O ministro Luís Barroso acompanhou o relator Alexandre de Moraes na maioria dos pontos nos julgamentos das condenações dos réus dos atos de 8 de janeiro de 2023.  

Barroso votou pela condenação dos réus por quatro dos cinco crimes imputados (abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e associação criminosa armada), alinhando-se à pena proposta por Moraes, como os 17 anos de reclusão para réus como Aécio Lúcio Costa Pereira. 

Barroso divergiu parcialmente de Moraes em relação ao crime de deterioração de patrimônio tombado, votando pela absolvição de alguns réus nesse ponto específico, por considerar que não havia prova de envolvimento direto de todos os acusados nos danos materiais. Mas isso não alterou significativamente o resultado final das condenações. 

No dia 28 do mês passado, pouco antes de deixar a presidência do STF e de anunciar a sua aposentadoria, Barroso, no entanto, defendeu a fusão de crimes para a redução de penas dos condenados.  

Barroso no congresso da UNE, em 2023: "Derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”.Barroso no congresso da UNE, em 2023: "Derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”. (Foto: Divulgação/UNE/Yuri Salvador)

6) Autonomia do Banco Central 

Em 2021, o STF analisou a constitucionalidade da lei complementar que instituiu a autonomia formal do Banco Central (BC). Barroso votou a favor da norma, afirmando que não é papel do Judiciário interferir em decisões dessa natureza. “A política monetária precisa ser preservada da política, pois aquela é de longo prazo”, disse ele. 

Essa lei foi muito relevante porque transformou o BC em uma autarquia especial, concedendo mandatos fixos de quatro anos ao seu presidente sem coincidir com as eleições do Executivo. Até então, o Banco Central funcionava de maneira autônoma na prática, mas, era vinculado ao Ministério da Economia.  

7) Obrigatoriedade da Vacinação contra a Covid-19  

Em 2020, o ministro foi relator do processo que determinou a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 durante a pandemia. Isso permitiu que estados e municípios estabelecessem medidas restritivas e multa para quem se recusasse a se imunizar sem justificativa médica, desde que amparadas por lei.  

Em seu voto, Barroso disse que, embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais. 

8) Suspensão de despejo durante a pandemia 

Ainda durante a pandemia, Barroso suspendeu despejos e desocupações de imóveis urbanos e rurais para populações vulneráveis até o fim da pandemia. A decisão tinha validade inicial de   seis meses, mas o magistrado prorrogou o prazo duas vezes. Ao todo, a decisão teve efeito por um ano. 

Na sua decisão, ele disse que o número de famílias ameaçadas de despejo ultrapassaria a marca de 130 mil e afirmou que não é tarefa do Judiciário tratar da questão habitacional. 

9) Marco Temporal para demarcação de terras indígenas 

Em um dos casos mais importantes sobre direitos indígenas, Barroso defendeu que a ocupação tradicional não é medida apenas pela presença física na data da promulgação da Constituição de 1988, mas sim pela demonstração de um “vínculo de tradicionalidade atual com a terra”, algo que deve ser comprovado por perícia antropológica. 

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