• Carregando...
Legendas de aluguel vs progressistas: a briga para tornar as eleições menos livres
| Foto: Pixabay

No dia seguinte às eleições municipais, foi possível dividir as manchetes entre as idiotas e as não-idiotas. As idiotas são aquelas que se preocupam com o piu-piu e a cor dos prefeitos das capitais. De uma ampla gama de assuntos a serem destacados, resolveram revelar ao leitor a chocante notícia de que quase todos os novos prefeitos têm piu-piu, e só uma periquita. Quanto à “raça”, nenhum deles declarou ao TSE ter um corpinho da cor do pecado.

A obsessão por piu-pius, periquitas e tons de pele, mais apropriada à literatura erótica do que à política, é uma marca e um selo do PT. Estava presente no PSDB também, mas com alguma discrição. No começo do governo Lula, tinha-se uma SEPPIR, criou-se uma Cartilha de Politicamente Correto, mas não era nada muito além de sinecuras. Tratava-se de babar Fidel e apresentar-se na luta contra o imperialismo.

Hoje, o PT mimetiza a esquerda dos EUA, apoia candidato do establishment de lá, e festeja empresários amigos explicitamente. (Vide Djamila Ribeiro, ex-secretária de Haddad, bajulada por Luíza Trajano da Magalu.) Se tomarmos as tendências atuais do Roda Viva, da TV estatal paulista, podemos dizer que o progressismo é uma marca das elites políticas de São Paulo. Não há nada de admirar, dado que os barões do café foram os principais entusiastas do racismo no século XX, e o progressismo é só mais uma forma de racismo.

Pois muito bem: o Plano de Reconstrução do Brasil do PT, publicado este ano, põe “raça e gênero” até pra tratar do 5G . Alinhado a isso, temos a cúpula do Judiciário, petista, impondo cota racial às candidaturas. As eleições ficaram menos livres em 2020, e podem ficar ainda menos livres em 2022, caso se instaurem tribunais raciais. Essas cotas se sobrepõem às cotas para político fêmea.

Tabata Amaral — que votou no barbado Boulos, e apoiou seu namorado João Campos contra a prima Marília Arraes — é a maior propagandista das cotas para o próprio parlamento, não só para candidaturas e despesas. Tudo isso porque em Ruanda é assim e é bom. O progressismo luta, cada vez mais, contra as eleições livres.

Creio que a razão disso é o crescimento das legendas de aluguel, que, bem ou mal, possibilitaram candidaturas de neófitos.

Gambiarra democrática

A burocracia eleitoral, neste país continental, é um tremendo empecilho à entrada de neófitos na vida pública. De certa forma, tinha-se um cartel eleitoral no Brasil: um Zé das Couves não podia, no Acre, ingressar na política formal sem pedir as bênçãos dos coronéis, que executavam essa difícil tarefa de constituir um partido nacional, com filiados lá no Rio Grande do Sul. Partidos no Brasil têm que ser nacionais, e candidaturas não podem ser avulsas.

Esse problema só veio à tona em 2014, quando Marina Silva – por acaso, uma mulher parda – conseguiu mobilizar gente o suficiente pelo país para quase formar um partido em torno de sua candidatura alternativa. A Rede Sustentabilidade não foi reconhecida pelo TSE a tempo, e ela aceitou aderir à campanha de Campos como vice. Ele morreu, e ela acabou candidata.

Já nas eleições seguintes, quem enfrentou o problema foi Jair Bolsonaro – por acaso, um homem branco. Recorreu a uma legenda de aluguel, elegeu-se, e sua estratégia foi um exemplo para todo o país. Antes dele, o outsider mineiro Kalil já se elegera prefeito pelo extinto PHS. Hoje Bolsonaro não tem partido, e Kalil mudou para o PSD.

Definamos uma legenda de aluguel assim: se você for um cidadão comum querendo se candidatar, a legenda — que não tem cor, cheiro nem sabor — vai aceitá-lo e deixá-lo à vontade para dar seus pulos e correr atrás de voto, mandando zape pra todo mundo. Se você ganhar votos, a legenda está no lucro. Se você se eleger, então foi bom pra você também. É um partido-negócio feito para burlar a burocracia. Essa burocracia criou um verdadeiro cartel de partidos.

A meu ver, esse ataque às eleições livres decorrem do crescimento das legendas de aluguel, que é uma expressão tanto do fim do ciclo paulista do Brasil (1994-2018), como do crescimento populacional do Norte e do Centro-Oeste.

A população da Amazônia é a que mais se multiplica

O Brasil de 1970 já é urbano, e já tem uma imensa população nordestina assentada nas favelas do Sudeste. Em 1970, o Brasil tinha 95 milhões de habitantes; em 2010, a população era o dobro: 190 mi. Hoje, o censo estima que somos 212 milhões, mas fiquemos em 2010, porque é o ano mais recente da série histórica populacional do IBGE.

As regiões do Brasil em 1970 estavam aproximadamente assim, em ordem de tamanho da população: Sudeste (40 milhões), Nordeste (30 milhões), Sul (16 milhões), Centro-Oeste (4,6 milhões) e Norte (milhões). Havia duas regiões gigantes, uma média e duas nanicas. Em 2010, o Norte tinha saído da lanterna. Foi o que mais cresceu: ele mais que triplicou (15 milhões) e passou o Centro-Oeste, que cuja população triplicou (14 milhões). O Sudeste duplicou (80 milhões). O Sul (27 milhões) e o Nordeste (53 milhões) nem chegaram a duplicar. O Nordeste é a região que menos cresce, e o Norte é a que mais cresce. Antes o Sul era o dobro das nanicas somadas; em 2010 as nanicas somadas o ultrapassam.

Que o Centro-Oeste cresça muito, é compreensível. A capital do Brasil foi para lá. A agricultura tecnológica transformou o cerrado em área próspera. A soja foi valorizada. Por que o Norte cresceu ainda mais? Não faço ideia, e não vejo ninguém perguntar.

Antes, as duas regiões gigantes eram quase o triplo das demais. Em 2010, eram apenas o dobro. Não será previsível que o jogo de forças políticas mude?

Partidos de aluguel por região

Listei os partidos políticos que ficaram em primeiro ou segundo lugar nas capitais. Deles, eu enquadro os seguintes como legenda de aluguel: PP, Avante, Podemos, Patriotas, Solidariedade, Pros e Republicanos. Este último é sabidamente da Universal, mas essa igreja é boa de negócios e não mantém o partido em pureza ideológica. O Patriotas tem relação com a Assembleia de Deus; ainda assim, o MBL serviu-se dele para lançar Arthur do Val em São Paulo, sem nenhuma pegada religiosa.

Os partidos tradicionais paulistas são: PT e PSDB.

Os partidos de oligarquias regionais são: PSB, PDT, DEM, MBD e PSD. Os dois primeiros são especificamente dos Campos do Recife e dos Ferreira Gomes de Sobral; os demais são organizados de maneira descentralizada. Destaque-se que o PSD é novo. Parece uma imitação do MDB inventada por Kassab, que deu certo.

Todas as legendas de aluguel supracitadas, menos Republicanos, foram importantes no Norte. Não será esse um sintoma de que novos poderes estão se formando por lá de maneira independente?

Republicanos foi importante no Sudeste, onde elegeu um prefeito bolsonarista (em Vitória) e perdeu para Paes (no Rio), e em um estado do Nordeste. No Maranhão, o Republicanos perdeu para outra legenda de aluguel, o Podemos. Na capital de Flávio Dino, o PCdoB apoiou o PT, que perdeu para ambos. O Maranhão parece debandar do petismo.

No Nordeste, o Pros serviu para um capitão que quase derrota o candidato de Ciro no Ceará. O PP elegeu um prefeito em João Pessoa. Legenda de aluguel só importou nesses três estados nordestinos: Paraíba, Ceará, Maranhão. Como a região tem nove estados, é muito pouco.

No Sul, só houve legendas tradicionais, e chegou ao segundo turno uma candidata lulista.

No Centro-Oeste, não teve PT nem PSDB. O PSD e duas legendas de aluguel (Avante e Podemos) tiveram destaque. O tradicional MDB ganhou duas capitais, sua cópia PSD ganhou uma, e ficou em segundo em outra. Fora do Centro-Oeste, o PSD obteve sucesso em Minas. O Centro-Oeste parece mais estável do que o Norte. Anotemos que lá os partidos tradicionais paulistas não têm vez.

De todas as regiões, o PT só foi relevante nas duas gigantes: Nordeste e Sudeste. Ficou em segundo em Vitória, Recife, Natal e Salvador. Nestas duas, nem chegou ao segundo turno.

Se os progressistas fossem coerentes…

Gostemos deles ou não, creio que os partidos de aluguel devem ser encarados como uma gambiarra em favor de eleições livres. Quanto mais destaque partidos de aluguel houver numa região, maior a sua inadequação aos centros políticos tradicionais. Não é de estranhar, portanto, que tenham maior destaque em regiões novas do Brasil (Centro-Oeste e Norte), e que essas regiões tenham votado a favor de Bolsonaro em 2018.

Os progressistas não gostaram do resultado das eleições. Nem o prefeito eleito em Belém, que é do PSOL, é prestigiado por eles: preferem celebrar os derrotados Boulos e Manuela, lulistas explícitos. Sua insatisfação com esse nascente estado de coisas se resume a apontar que poucas mulheres e negros se elegeram. Por que não puseram Erundina como cabeça de chapa, se periquita importa tanto? Por que não apoiaram e celebraram Marília Arraes? Porque só interessa manter o protagonismo São Paulo e seus satélites.

Se realmente acreditassem na importância de ter mais mulheres e negros na política, tirariam Lula de cena, em vez de obrigar todos os partidos a agirem conforme suas convicções. O Novo e o MBL não fazem suas campanhas sem dinheiro público, embora a legislação eleitoral lhes empurre dinheiro? Ora, não custava nada o PSOL, o PT e o PCdoB imporem uns 70% de candidaturas femininas em seus partidos. Mas ficam aí canonizando Lula, e substituindo-o por um dublê com as mesmas características físicas, que é Boulos.

Se as cotas eleitorais vingarem, se não for pra inglês ver e houver tribunais para julgar autodeclarações de raça e gênero, Freixo pode até se dizer que é mulher ou trans não-binárie (sic), e se candidatar cumprindo cota de mulher. E os pardos de que não gostam serão todos brancos.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]